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    Decisão do STF sobre população em situação de rua preenche lacuna legal, diz defensora pública

    Para Charlene Borges, secretária de Articulação Institucional da DPU, falta de lei incentiva violação dos direitos humanos dessa população

    Lucas Mendesda CNN , Brasília

    A falta de uma legislação específica para tratar da população em situação de rua no Brasil, com parâmetros nacionais de atendimento e acompanhamento periódico, colabora para violação dos direitos humanos dessa parcela da sociedade.

    Essa é a visão da defensora pública federal Charlene da Silva Borges. Atual secretária-geral de Articulação Institucional da DPU (Defensoria Pública da União), ela entende que o Supremo Tribunal Federal (STF) preencheu uma “lacuna” legal, ao determinar medidas em prol das pessoas em situação de rua.

    “Pelo menos temos uma determinação judicial em nível constitucional, que se reveste de força normativa, é muito forte”, disse à CNN. “Agora temos essa proibição de remoções forçadas, vai ser mais tranquilo ajuizar demandas e apontar ilegalidades”.

    A decisão foi dada individualmente pelo ministro Alexandre de Moraes no final de julho, e confirmada pelo plenário da Corte no final de agosto.

    VÍDEO – Moraes determina que governo faça diagnóstico da população em situação de rua

    Foi determinado que o governo federal elabore um plano de ação e monitoramento para implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, em até 120 dias. O documento deve conter um diagnóstico atual da população em situação de rua, com identificação do perfil, procedência e de suas principais necessidades.

    A decisão também proibiu o recolhimento forçado de bens de pessoas em situação de rua, a remoção compulsória dessa população, e medidas para sua segurança em abrigos, inclusive com apoio para seus animais.

    Para Charlene Borges, muitas vezes os gestores públicos acabam adotando medidas de remoção forçadas desse grupo, chamadas de “higienizadoras”, por falta de um regramento específico sobre o tema.

    “Como não há ainda uma legislação, muitas vezes os gestores se sentem autorizados a adotar esse tipo de prática violadora dos direitos humanos”, disse.

    A própria Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída por decreto de 2009, é um instrumento “precário” para balizar o atendimento adequado, segundo a defensora, que entende que uma lei discutida pelo Congresso seria mais adequada.

    “É tão heterogêneo, que alguns municípios têm benefícios como auxílio aluguel, rede de abrigamento, e outros não. A gente precisa caminhar para uniformizar esse modelo de benefícios sociais, e também sobre abrigos, redes de fomento, educação, inclusão no mercado de trabalho. É preciso envolver todas as instâncias”, afirmou.

    Até hoje, só cinco estados e 15 municípios aderiram à norma, que buscou trazer um conjunto de ações e medidas para preservar a saúde e a vida de pessoas em situação de rua.

    VÍDEO – Governo prepara plano para a população em situação de rua

    Um dos objetivos da Política Nacional é a contagem oficial da população em situação de rua. “Uma das principais reivindicações históricas é o estabelecimento dessa contagem”, declarou Borges.

    A contagem é importante porque a implantação de políticas públicas se dá através dos censos, que são a base de dados fundamental para o planejamento da ação estatal, conforme ela disse.

    “Como estabelecer políticas de amparo, acolhimento, e fomento, se não sabemos quantos são, onde estão, quais as características de raça, gênero, sexualidade, região demográfica?”, questiona.

    Há estimativas sobre a quantidade dessa população. Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), por exemplo, apontou um total de 281.472 pessoas, a partir de dados até 2022 do Cadastro Único para benefícios sociais, do governo federal, e de atendimentos socioassistenciais.

    O cálculo é subdimensionado porque só leva em conta pessoas que de alguma forma acessaram políticas do Estado, e não leva em conta a parcela mais marginalizada.

    Conforme Charlene Borges, o tema é negligenciado. “A população em situação de rua é um dos grupos sociais mais invisibilizados que temos. Já se vê que faz parte da cultura esse tratamento de invisibilidade. Esse comportamento social acaba sendo reproduzido nas instituições e poderes”, declarou.

    Processo

    A ação que culminou com as determinações do Supremo foi movida pelos partidos PSOL e Rede, e pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). As siglas e o movimento pediram que a Corte determinasse aos Executivos federal, estaduais e municipais a adoção de providências em relação às condições desumanas de vida da população em situação de rua no Brasil.

    Pela decisão, estados e municípios devem efetivar medidas para garantir a segurança dos bens e das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos existentes, com apoio para seus animais, além de proibir o recolhimento forçado de pertences.

    Fica proibido, ainda, a remoção ou transporte compulsórios da população sem-teto.

    Nos órgãos de zeladoria urbana das prefeituras, fica proibido o uso de técnicas de “arquitetura hostil” contra as populações em situação de rua.

    Os órgãos deverão divulgar previamente o dia, o horário e o local das ações de zeladoria “nos seus respectivos sites, nos abrigos, e outros meios em atendimento ao princípio da transparência dos atos da administração pública, permitindo assim que a pessoa em situação de rua recolha seus pertences e que haja a limpeza do espaço sem conflitos”.

    Cidades passarão a ter o dever de fazer periodicamente mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes e a criação de um programa de enfrentamento e prevenção à violência que atinge a população em situação de rua, conforme a decisão.

    Em sua decisão, Alexandre de Moraes citou o conceito da aporofobia, ou seja, a rejeição e a aversão a pessoas pobres, e afirmou que o preconceito pode se concretizar em “atos estatais”, como “apreensões de meios de vida e material de trabalho, destruição de pertences e abordagens agressivas” muitas vezes “praticados por agentes do Estado”.

    A determinação do Supremo também prevê que os municípios e estados, devem atuar:

    • Apoiando as vigilâncias sanitárias municipais e estaduais para garantir o abrigo aos animais de pessoas em situação de rua, inclusive em contato com eventuais clínicas veterinárias privadas;
    • Disponibilizando itens de higiene básica à população em situação de rua por parte dos poderes federais, estaduais, distrital e municipais.

    VÍDEO – STF proíbe remoção forçada de pessoas em situação de rua

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