De olho em violência no pós-pandemia, governo planeja pacote de segurança
Documento obtido pela CNN diz que tendência de queda na criminalidade deve mudar nos próximos meses
De olho no possível aumento na criminalidade do país por causa da crise econômica gerada pelo novo coronavírus, o governo federal planeja um pacote de R$ 1 bilhão para ajudar a área de segurança pública nos estados e municípios. O dinheiro viria do BNDES e, na maior parte (80%) de um empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A principal meta é a redução da taxa de homicídios “para valores abaixo de 10 por 100 mil habitantes.” Em 2017, segundo o Atlas da Violência, essa taxa era de 31,5 por 100 mil. A duração do programa será de quatro anos.
O pacote foi batizado de Programa Federativo para Segurança Pública Inteligente. O documento que detalha o plano, a que a CNN teve acesso com exclusividade, traça um diagnóstico da situação da criminalidade no país. O documento é da Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais (SAIN), do Ministério da Economia.
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Na carta, o governo admite que, apesar da tendência de queda nas taxas de homicídios, “não há evidências sobre os fatores que justificariam este movimento e nem mesmo sobre o seu caráter estruturante.” O presidente Jair Bolsonaro frequentemente associa essa redução a ações feitas em seu governo.
Procurado, o Ministério da Economia disse que a reportagem deveria falar com o da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que apenas disse que o projeto está em análise, sem entrar em detalhes.
Mudança de cenário
O documento obtido pela CNN aponta que, apesar de haver uma queda momentânea nos crimes contra a pessoa e contra o patrimônio por causa da redução drástica na circulação de pessoas, este cenário deve mudar nos próximos meses. A CNN apurou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o BID trabalham em um estudo para analisar o impacto da pandemia nos órgãos e agências de segurança pública nos estados.
“As soluções para os desafios gerados pela pandemia do novo coronavírus para as forças de segurança precisam ser pensadas em três momentos distintos: i) durante a pandemia e a vigência de medidas de isolamento social; ii) pós pandemia, quando a crise social e econômica virá à tona, com grande número de desempregados, aumento muito rápido da miséria e da desigualdade social; e iii) aprendizado e preparação para a uma eventual nova crise sanitária, com a eliminação de vulnerabilidades demonstradas na atual situação e aumento da resiliência das forças de segurança no desempenho de suas atividades”, aponta o relatório.
Esses são os pontos trazidos: aumento da criminalidade violenta, aumento de roubos de cargas e crimes contra agências bancárias, aumento da violência contra a mulher e violência doméstica em geral, aumento dos crimes cibernéticos, fortalecimento e diversificação de atuação no crime organizado, aumento de desordem pública, enfraquecimento do investimento na infraestrutura física e tecnologia das forças de segurança, aumento de infecção por Covid-19 entre as polícias e risco de contaminação dentro dos presídios.
“Diante desse quadro, justifica-se a adoção de um programa de investimentos que vise à redução dos índices de criminalidade e de violência, particularmente homicídios, crimes contra a propriedade e violência contra a mulher, atacando as principais causas desses crimes com projetos baseados em evidências de impacto, alinhados a benchmarks nacionais e internacionais e que contribuam para melhoria dos mecanismos de planejamento, governança e gestão do setor, bem como para o aumento da eficiência do gasto público”, destaca o documento.
Ações integradas
O programa prevê ações integradas voltadas a melhorar o planejamento e capacidade técnica dos órgãos de segurança pública e defesa social nos estados, intercâmbio de informações e experiências entre os estados, entre outras ações.
Entre as ações previstas está a estruturação e fortalecimento de unidades de combate a crimes digitais, fortalecimento de laboratórios de combate à lavagem de dinheiro, melhorar os serviços de combate à violência contra a mulher e violência doméstica e aumento da capacidade de monitoramento dos presos. Ainda não há detalhamento específico de cada uma dessas ações, que seriam discutidas com os estados.
Só serão elegíveis municípios com taxa de homicídio superior a 10 por 100 mil habitantes, com prioridade para aqueles com taxas acima da média nacional e que tenham apresentado crescimento dessa taxa na média dos últimos três anos. As cidades também devem ter mais de 100 mil habitantes – cerca de 320, no país, que representam 56% da população brasileira. Também devem ser considerados o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros fatores ainda não definidos.
As cidades elegíveis seriam alvo de um diagnóstico executivo e avaliação de maturidade para definir quais itens serão financiados e com quais metas.
O programa ainda passa por uma etapa de análise e revisão e está sendo discutido no Ministério da Economia. Em junho, segundo a CNN apurou, uma secretaria da pasta solicitou uma série de revisões, dentre elas uma alteração no capítulo que sintetiza as causas da violência no país, com a inclusão da desigualdade social. Também são pedidos detalhamentos sobre violência no campo e na floresta.
Para o professor da Fundação Getulio Vargas e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Renato Sérgio de Lima, projetos do tipo não mudam culturas organizacionais gestadas antes da Constituição de 1988. “Em não poucos casos, diante da possibilidade de novos recursos oferecida pelos organismos internacionais, gestores estaduais e federais agregam projetos de seus interesses já em curso à proposta conceitual formulada pelos bancos, sem necessariamente os componentes de cada projeto guardarem relação entre si e a unidade contratante ter mandato para implementar todas as atividades previstas”, disse.
“Não há garantia de que os programas propostos terão a mesma eficácia e efetividade daqueles que os inspiraram no mundo mas, em contexto de restrição orçamentária, os recursos dos organismos internacionais mitigam a crise fiscal e a não observância, por parte do Governo Federal, das novas regras do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), que torna obrigatório o repasse de recursos das loterias para as unidades da federação”, diz Lima.
Em nota, o BNDES afirmou que vem estudando, com o BID, a estruturação de uma linha de crédito voltada ao apoio a investimentos estaduais e municipais em segurança pública. A iniciativa está em estágio inicial de estruturação e atualmente aguarda manifestação da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) do governo federal para início da preparação da linha. “Uma vez recebida a manifestação favorável da Cofiex, os bancos iniciarão as tratativas internas para discussão dos aspectos técnicos da proposta, incluindo, por ex., prazos, condições financeiras e critérios para apoio e priorização dos projetos”, disse o banco.
Veja o detalhamento dos gastos do Programa Federativo para Segurança Pública Inteligente:
Componentes Valor(US$)
PROGRAMA FEDERATIVO PARA SEGURANÇA PÚBLICA INTELIGENTE 180.000.000,00
QUALIFICAÇÃO DA GESTÃO E DA GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA. 45.000.000,00
Elaboração de planos locais de segurança pública e implantação de gestão de resultados 22.500.000,00
Fortalecimento das unidades de análise criminal das Secretarias de Segurança Pública estaduais e municipais 22.500.000,00
IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS DE PREVENÇÃO SOCIAL E SITUACIONAL DA VIOLÊNCIA. 45.000.000,00
Programas de prevenção à violência juvenil 11.250.000,00
Programas de prevenção à violência doméstica e contra a mulher 11.250.000,00
Intervenções territoriais integradas 22.500.000,00
MODERNIZAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES POLICIAIS 72.000.000,00
Implementação de sistemas e tecnologias de monitoramento inteligente 18.000.000,00
Implementação de programas proativos de policiamento 18.000.000,00
Fortalecer as Delegacias de Homicídios e Proteção de Pessoas (DHPP) 18.000.000,00
Fortalecer a Rede Brasileira de Bancos de Perfis Genéticos 18.000.000,00
QUALIFICAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL E DOS PROGRAMAS DE RESSOCIALIZAÇÃO. 18.000.000,00
Programas de penas alternativas 9.000.000,00
Programas de ressocialização 9.000.000,00