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    Pandemia e instabilidade financeira levam a aumento de busca por plano funerário

    Crescimento foi discreto, de 10%, mas revela maior cuidado com preparativos para momento tão delicado e cheio de decisões

    Crematório público da Vila Alpina, em São Paulo
    Crematório público da Vila Alpina, em São Paulo Foto: Cris Faga/NurPhoto via Getty Images

    Mônica Manir, colaboração para a CNN

    Foi no dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, que Valdirene Aparecida da Silva assinou um plano para cuidar dos rituais da sua morte e de parentes próximos. Não que ela e a família pretendam usá-lo tão já. Mas a pandemia acelerou um pensamento que já a acompanhava desde o ano passado, quando essa mineira de Itajubá e o irmão sentiram todo o desgaste que envolveu o funeral do pai. “Pega a gente desprevenido porque o gasto é grande demais para tirar do bolso da noite pro dia”, diz.

    Diante de tantos enterros por Covid-19 no país, ela então comentou com o marido: “Tem famílias perdendo um atrás do outro. Se uma morte já é difícil, imagina duas, três seguidas. A gente tem que se preparar porque não sabemos o que vai acontecer”. Pesquisou na internet e se decidiu por um plano funerário que tinha cobertura nacional e englobava os seguintes itens: suporte de um agente para cuidar de todos os procedimentos, pagamento das taxas municipais, caixão/urna, ornamentação do caixão, necromaquiagem do falecido, traslado do corpo por no máximo 200 km ida e volta, uma diária de câmara fria, velório de até 12 horas de duração, cremação ou sepultamento e, como plus, o funeral de um animal de estimação. A carência era zero no caso de mortes acidentais e violentas e de seis meses para mortes naturais ou por doença.  

    Como o plano era para até oito pessoas e um pet, Valdirene consultou as bases familiares. Incluiu, além de si mesma, o marido e o filho deles, o irmão dela, a cunhada, o sobrinho, a mãe de Valdirene e um tio, o único que mora em Minas Gerais. Os demais vivem em São José dos Campos, no Vale do Paraíba paulista. O pet contemplado é Milly, a shitzu do irmão. “Quando morre um animal é igual, a gente não sabe o que fazer”, diz ela, resgatando o sofrimento com a perda, há três anos, da sua bichon frisé de nome Bebê. 

    Aos 53 anos, Valdirene se encaixa no perfil etário e de gênero dos principais contratantes de planos funerários no Brasil. De acordo com a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi), mulheres entre 45 e 55 anos são as que mais tomam a iniciativa de pagar uma mensalidade para que elas e outros da família contem com rituais tradicionais de fim de vida a um toque de telefone. A Federação calcula um valor médio de R$ 60 por mês nos planos disponíveis no país. O de Valdirene sai por R$ 95, divididos entre sete. Despesas completas de um enterro chegam a R$ 10.000 – e podem passar muito disso, a depender de a família ter jazigo ou não, por exemplo.

    Carlos de Paula, diretor executivo da FenaPrevi, afirma ter havido um crescimento de 10% no número de clientes interessados nesse tipo de plano durante a pandemia. É um aumento discreto. “Mas pode ser indício de que o brasileiro está mais consciente da mortalidade”, afirma a executiva Gisela Adissi, co-fundadora da Flow Death Care, consultoria dedicada ao mercado do luto, e da plataforma digital Vamos Falar sobre o Luto.

    Obviamente a pandemia tem seu papel nessa conscientização, com o número de mortes diárias num platô vertiginoso no Brasil. “Já passou a época de achar que falar de morte atrai a própria para dentro de casa”, diz Gisela. Ela entende que o plano funerário tem um valor agregado: trazer a conversa para a mesa do almoço e educar para a necessidade de programação de pontos importantes da vida. “Não estar planejado diante da perda de alguém querido é uma camada extra de dor.”

    Gisela fez um levantamento pessoal de quantas decisões precisamos tomar quando morre alguém próximo. Chegou a 90 tópicos, considerando o período pós-funeral, que inclui missa de sétimo dia e a escolha de quem irá retirar as cinzas no crematório, caso a opção tenha sido a cremação. Segundo a executiva, com um plano funerário, a lista cairia pela metade. Sobrariam as decisões emocionais, porque o plano contratado cuidaria das práticas e burocráticas, como atestados, documentos do falecido, contato com a funerária, escolha do carro para transporte do corpo e decisão sobre fazer ou não a tanatopraxia (preparação do corpo para a cerimônia).

    O levantamento dos 90 pontos é detalhista. Quando se trata da urna ou caixão, Gisela destrincha o item em oito decisões: tamanho da urna; material (madeira, metal); cor; tipo de alça; adorno (crucifixo, Bíblia, bandeira do time de coração); flores de adorno; se a urna ficará aberta ou fechada durante o velório; quando fechada, se terá ou não visor. O valor que a família quer ou pode dispender subjaz em todos esses itens e nos demais. “Alguns podem até querer gastar menos, mas não raro bate a culpa por economizar nessa hora”, afirma.

    Filha única, a administradora de empresas Adriana Paz Vazquez, 49 anos, moradora de São Paulo, se disse perdida quando soube da morte do pai no hospital, vítima de pancreatite, há cinco anos. Ligou de imediato para o plano funerário. Um funcionário a acompanhou desde a liberação do corpo até o sepultamento. O pai nunca soube da existência do plano. “Não é fácil tratar do assunto com os pais porque, às vezes, o pensamento que vem para eles é o interesse dos filhos nos bens, na herança, e não é nada disso, e sim se dar conta da finitude de todos nós.”

    Insistência mórbida

    Ofertas insistentes de planos funerários parecem aumentar o rechaço pelo tema. Sites como o Reclame Aqui registram a revolta com os telefonemas de certas empresas não apenas pelo volume de ligações, mas também pela “inconveniência”, “perturbação”, “insensibilidade” e “pelo mau gosto da oferta de planos funerários em plena pandemia”. As reclamações contra a Viva Mais Plan giram em torno dessa insistência.

    Ela oferece planos a partir de R$ 39,90, que vão subindo de valor à medida que aumenta a idade do titular e que haja acréscimo no contrato de mãe e pai, sogra e sogro. Seu garoto-propaganda é Marcão do Povo, como é conhecido Marcos Paulo Ribeiro de Morais, jornalista e ex-político. Em 8 de abril de 2020, durante o programa Primeiro Impacto, do SBT, Marcão do Povo defendeu a criação de campos de concentração para portadores sintomáticos da Covid a fim de evitar medidas de distanciamento social. Foi afastado da apresentação do programa, mas retornou. 

    A quem roga no Reclame Aqui para que a empresa retire o telefone de sua base de dados, a Viva Mais Plus informa que “a oferta de produtos e serviços como ramificação do princípio da livre iniciativa empresarial é prática permitida pela legislação vigente, mormente na Constituição Federal e Lei 13.784/19”. Mas afirma que “é direito do consumidor, mediante manifestação expressa nos cadastros estaduais e municipais instituídos pelo poder público local, requerer que não sejam efetivadas ligações para o número residencial ou celular”. Consumidores, no entanto, reiteram que já registraram reclamações no Procon contra a empresa, em vão. A assessoria da Viva Mais Plus não retornou os contatos da reportagem.   

    Há também quem pareça indignado, no Reclame Aqui, com serviços incompletos por parte de outras empresas, com baixa qualidade do material acordado e com falta de ressarcimento de despesas. Plano funerário, no entanto, não é o mesmo que auxílio-funeral. No primeiro, a empresa realiza e supervisiona todos os processos que envolvem o ritual. No segundo, o segurado tem direito ao reembolso daquilo que dispendeu e executou por conta. 

    Seguindo os protocolos

    Estar por dentro das permissões particulares de cada município quanto aos funerais em tempos de Covid-19 tem sido um dos diferenciais dos planos funerários atualmente. Foi por meio de um deles, contratado pela gestora empresarial Raquel Camargo Valery Meyer, que ela soube dos procedimentos autorizados em São Caetano do Sul, vizinha a Santo André e onde o pai seria cremado em dezembro de 2020. Mesmo não sendo vítima do coronavírus, e sim de Alzheimer, seu pai poderia ser velado por apenas três horas e com a presença de, no máximo, 10 pessoas no local, a quem seriam servidos somente água e café – cenário muito mais minimalista do que o do funeral do sogro dela, em 2018, em Joinville, também assistido pela seguradora e que durou uma noite inteira.

    “Quando um ente da família falece, fica aquela coisa de quem vai correr atrás do quê, quem paga e quem não paga, e agora o que pode ou não em função da Covid, então um plano assim ajuda bem nessa hora”, diz. A gestora fez o plano em 2017, pensando especialmente no pai e no sogro, mas incluiu nele o marido, a filha e uma tia solteira, irmã da mãe.

    Antes de assinar um plano funerário, vale conferir ainda se o serviço é oferecido por um seguro de vida ou convênio médico. Depois do falecimento de uma irmã, no qual a família gastou cerca de R$ 5 mil, fora o desgaste com os trâmites burocráticos, Regina Cleria Santos, de 58 anos, soube que o banco do qual outra irmã é correntista oferecia um plano funerário com mensalidades condizentes com o serviço. A irmã incluiu no serviço a mãe, que morreu cerca de três anos depois por causa de um câncer de tireoide. “Resolveram tudo”, afirma Regina.