Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    CNN no Plural +

    Conheça o drama das famílias afegãs refugiadas em Guarulhos (SP)

    Em pouco mais de um ano, cerca de 6.300 vistos humanitários foram concedidos foram concedidos pelo Brasil a pessoas vindas do Afeganistão

    Crianças afegãs são atendidas na Residência Transitória montada em Guarulhos (SP)
    Crianças afegãs são atendidas na Residência Transitória montada em Guarulhos (SP) Vanessa Pimenta/Divulgação

    Letícia Vidicada CNN

    Em São Paulo

    “Olha o que eu fiz. Olha meu diploma. Olha quem eu sou”. É assim que os afegãos refugiados recém-chegados ao Brasil se referem às suas conquistas e se lembram dos méritos de uma vida deixada pra trás.

    Quem conta isso é Vanessa Pimenta, coordenadora da Residência Transitória em de Guarulhos (SP), inaugurada em agosto deste ano justamente para acolher e atender a demanda dos afegãos refugiados que tem vindo ao Brasil.

    “A casa funciona como uma retaguarda ao aeroporto de Guarulhos, que tem recebido muitos deles. Aqui é um local de permanência, onde podem ficar por três semanas, passando por atendimento médico, aulas de português e atualização de documentações”, explica ela.

    Nos dois meses de funcionamento da Residência Transitória, 104 pessoas já passaram por lá. Neste momento, 30 ocupam a casa, que está com lotação máxima.

    E esse grupo representa apenas uma pequena parte dos 6.299 vistos já concedidos a pessoas vindas do Afeganistão desde a adoção de uma portaria interministerial adotada pelo Brasil no ano passado, segundo o Itamaraty.

    Em setembro de 2021, a portaria Interministerial 24/2021 autorizou o visto temporário e a autorização de residência por razões humanitárias para nacionais afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela situação de violência no Afeganistão.

    Segundo dados da ACNUR (agência da ONU para refugiados), entre começo de setembro do ano passado e o início do mesmo mês deste ano, 5.846 vistos humanitários já foram autorizados por esta portaria. E, segundo a Polícia Federal, 2.240 entradas de pessoas afegãs no Brasil foram permitidas.

    Quem são essas pessoas

    “Arquitetos, engenheiros, professores universitários, profissionais de alta patente, com diploma. Pessoas que deixaram tudo para trás no Afeganistão. Muitos deles porque estavam sendo ameaçados pelo governo Talibã”, conta Vanessa Pimenta.

    No grupo atualmente acolhido na Residência Transitória há famílias com filhos –sendo dez crianças–. As pessoas têm média de 35 anos de idade, incluindo três gestantes. Todos têm como idioma nativo o inglês e o persa.

    A maioria do grupo deixou outros familiares no Afeganistão, como irmãos, pais e avós. E chegaram aqui com o que coube na mala. “Panelas específicas para cozinhar, utensílios domésticos e algumas roupas. Muitos precisam de doação de roupas”, ressalta Vanessa.

    Após esse período de acolhimento, os afegãos que passam pela Residência Transitória são encaminhados para outros abrigos, onde podem permanecer por seis meses ou até conseguirem sua autonomia.

    Eles têm recebido a orientação da Cáritas (uma confederação de organizações humanitárias da Igreja Católica) para que consigam um trabalho, por exemplo. “Temos acompanhado de perto isso porque, infelizmente, muitos ainda são vistos como uma força de trabalho barata e podem acabar sendo explorados”, explica Vanessa.

    De acordo com um levantamento da ACNUR, a maioria dos afegãos que chegam ao Brasil tem entre 18 e 59 anos, 52% possuem formação universitária e estão chegando em grupos familiares. De setembro do ano passado a agosto deste ano já foram registradas pelo menos 383 famílias chegando aqui.

    E o número tem aumentado. O aeroporto internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, tem recebido muitos deles, que têm ficado acampados nos corredores do aeroporto.

    O Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante registra uma média de 200 atendimentos a pessoas vindas do Afeganistão por mês.

    A concessionária GRU Airport informa que acompanha a ação das autoridades competentes para o acolhimento de famílias afegãs que chegam ao Brasil. Atualmente, mais de 120 afegãos estão acampados no Terminal 2 do aeroporto.

    Por que os afegãos estão vindo para o Brasil

    O analista de internacional da CNN Lourival Sant’Anna explica que essa imigração é um sinal de descontentamento da população com o governo Talibã.

    “Muitas dessas pessoas estão fugindo e não querem contato com autoridades do Talibã. Elas não têm passaporte. O Talibã não quer que as pessoas saiam. Isso aconteceu da primeira vez que governaram o país e agora novamente”, explica.

    “Existe hoje uma dificuldade de conseguir esse visto porque não tem embaixada do Brasil no Afeganistão, mas tem no Paquistão. Porém, com a chegada do Talibã ao poder, o Paquistão passou a não aceitar a entrada de afegãos lá se não estivessem saindo legalmente com um passaporte”, complementa Lourival.

    O Talibã tomou o poder novamente no Afeganistão no ano passado, depois de já terem governado entre 1996 e 2001 quando os Estados Unidos derrubaram o grupo logo após o atentado ao World Trade Center, em Nova York, e após a recusa dos afegãos de entregarem Osama Bin Laden, líder da Al Qaeda na época.

    “Eles são um movimento que surgiu no início dos anos 1990. Movimento composto, em sua maioria, por pessoas analfabetas que repetem os versos do Alcorão sem muito conhecimento. O Talibã tem uma visão radical e tem práticas como domínio sobre as mulheres: impede que elas estudem, que tenham profissão e também são conhecidos por perseguirem minorias, como os xiitas”, acrescenta Lourival.

    O que esperar do futuro

    Órgãos como o Ministério Público Federal (MPF) têm solicitado explicações ao governo federal sobre a situação dos afegãos acampados no aeroporto de Guarulhos. A questão é que, apesar de possuírem vistos humanitários, por dificuldade financeira ou de comunicação, muitos não tem não têm escolha senão permanecer no terminal.

    A Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo tem feito busca ativa de vagas junto aos municípios para o acolhimento emergencial dos novos imigrantes e refugiados afegãos.

    Enquanto isso, aqueles que conseguiram um abrigo, mesmo que temporário, como o grupo que está na Residência Transitória em Guarulhos, ainda tenta conviver com as lembranças que fizeram que deixassem tudo para trás.

    “Não sei qual é a história que mais toca o meu coração. São muitas e tristes. Temos o caso de um homem que foi preso pelo Talibã, pagou sua fiança, foi liberado mas teve um tio morto porque acharam que era ele. Um outro veio para cá mas deixou o irmão que corre risco porque querem ele em troca da sua morte”, conta Vanessa.

    Além das histórias, ela diz que ainda existe a resistência cultural de alguns como, por exemplo, estarem num local onde quem comanda é uma mulher.

    “Alguns levam um choque. Mas a gente vai explicando as diferenças. Vamos pedindo paciência também porque estão ansiosos com o que vai acontecer no futuro”, conta Vanessa que acredita na esperança quando olha para as dez crianças do grupo. “Eles estão sempre brincando, felizes em grupo e prontos para recomeçar.”