Com 63 testemunhas, julgamento do caso Henry começa nesta 4ª; saiba como será
Testemunha-chave não foi intimada; defesa de Monique apontará celular supostamente adulterado; defesa de Jairinho alegará tentativa de ressuscitação
Sete meses separam a noite em que a vida de Henry Borel foi interrompida e a manhã em que a justiça começará o processo para apontar os responsáveis por isso. Na lista de 63 testemunhas, acusação e defesa incluíram policiais, peritos, familiares da vítima e dos réus e pessoas que trabalharam no apartamento onde Henry morava com a mãe e o padrasto.
Uma delas, aliás, ainda não foi localizada. É a babá que trocou mensagens com a professora e mãe de Henry, Monique Medeiros, relatando machucados no garoto de 4 anos e momentos de tensão com o padrasto Jairo Souza Santos, ex-vereador do Rio de Janeiro. Os relatos fazem com que a ex-funcionária seja apontada como testemunha-chave nesse processo.
“Ela não foi intimada porque não colocaram o endereço de Bangu, que é onde ela mora, que é inclusive o endereço que ela deu quando depôs na delegacia. Ela não se recusa a comparecer, mas prefere aguardar a intimação da justiça”, afirmou à CNN a advogada da babá, Priscila Sena.
Além da babá, outras duas pessoas não foram encontradas para depor. São funcionários do hospital que tentou ressucitar Henry Borel, sem sucesso.
A lista inicial de 12 testemunhas traz ainda o delegado do caso, Henrique Damasceno e a empregada que trabalhava na casa da família também foram convocados. A ex-mulher de Jairo, que tem dois filhos com ele, também foi convocada pelo Ministério Público, mas acionou a Justiça para não comparecer.
Primeira fase
O objetivo dessa fase do processo é saber se Jairo e Monique serão ou não pronunciados, ou seja, se vão ou não a júri popular. Como se trata de uma etapa inicial, em que a juíza vai dizer se eles irão a júri popular ou não, não há limite de testemunhas. Por isso, a acusação apresentou 12 nomes, a defesa de Jairo 22 e a defesa de Monique, 29.
Se a juíza entender que há prova da materialidade e indícios suficientes da autoria de crime contra a vida, os réus vão passar pelo escrutínio de sete jurados em uma próxima etapa. Se a decisão for essa, aí o número de testemunhas tem limite: 5 para cada parte (acusação, defesa de Monique e defesa de Jairinho) por cada fato imputado a eles.
Dinâmica da audiência
Marcada para 9h30 da manhã desta quarta-feira (6), a primeira audiência do caso Henry Borel deve atravessar a tarde toda nas contas da juíza Elisabeth Machado Louro. “Eu sei quando começa, mas não sei quando termina. Não tem tempo estimado para cada testemunha ser ouvida, isso aí é sempre uma incógnita, não se sabe o que vão falar”, disse ela à CNN.
A ordem das testemunhas geralmente é definida pelo Ministério Público. O promotor Fábio Vieira, do 2º Tribunal do Júri, deve começar ouvindo um dos três policiais convocados a depor, como o responsável pelo inquérito, Henrique Damasceno.
“Eu só saio de lá quando ouvir todas as testemunhas que estiverem presentes. Caso essas três não compareçam, vou precisar marcar outra data para ouvi-las e talvez já com uma parte das testemunhas que serão ouvidas pelas defesas, não tudo porque são muitas testemunhas arroladas pelas defesas”, disse a juíza.
A ordem de inquirição é: primeiro o Ministério Público, depois a defesa e por último a juíza, caso ela queira fazer perguntas.
Os participantes
A defesa de Jairo Souza Santos Junior será feita pelo ex-defensor público Braz Sant’Anna. Avesso a entrevistas ele foi ouvido pela CNN às 21h desta terça-feira (5) e disse ainda estar debruçado na preparação para a audiência, processo para o qual se dedicou nos últimos meses.
Depois de 38 anos como defensor público, Sant’Anna se aposentou em 2019, quando passou a atender como advogado privado, além de dar aulas em cursos preparatórios para concursos públicos de promotor, defensor e juiz.
Com a defesa desmembrada depois de uma divergência com o ex-companheiro, Monique Medeiros terá ao lado dela a dupla Thiago Minagé e Hugo Novais, que vem de outra geração. Depois de defender o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na vara de execução penal no Rio de Janeiro, Minagé – que também é autor e professor – atuou para tentar livrar da prisão Glaidson Acácio dos Santos, que ficou conhecido como o ‘Faraó dos Bitcoins’ e é apontado pela Polícia Federal como articulador de um esquema milionário de pirâmide financeira.
Do outro lado está o promotor Fábio Vieira, que assume o caso nesta fase do processo. Antes dele, o responsável, Marcos Kac, fez a denúncia. Nos cálculos de Kac, as penas somadas caso fossem condenados por homicídio triplamente qualificado e tortura poderiam chegar a 40 anos.
Contando cerca de 1700 julgamentos de milicianos a traficantes, Vieira foi o promotor responsável pelo júri da chacina de Costa Barros, que condenou dois policiais militares por terem disparado 111 vezes contra um carro que levava cinco jovens – caso que virou o documentário Auto da Resistência.
“Alguns casos semelhantes a esse já passaram pela minhas mãos porque eventualmente as situações se repetem. Quando tem um caso de notoriedade como esse eu tento alertar a sociedade. O próprio comportamento sádico do Jairo acabou passando despercebido por profissionais da área de saúde e alguns vizinhos. Nesse tipo de caso a gente não pode voltar no passado, mas pode fazer o alerta para o futuro com mais atenção social para pessoas vulneráveis, como crianças”, disse Vieira à CNN.
Monique vai participar presencialmente do julgamento. Jairo estará conectado por videoconferência de dentro do complexo de Gericinó, em Bangu, onde está preso. Será o primeiro encontro deles depois da prisão com o delegado que levou o casal para a cadeia, Henrique Damasceno, que conduziu o inquérito.
Procurado pela CNN ele preferiu não comentar sobre o julgamento. Damasceno será o alvo prioritário da defesa dos dois, Monique e Jairinho. Os advogados dirão que a investigação teve vazamentos seletivos para a imprensa e que a cadeia de custódia foi rompida, sugerindo que provas deveriam ser excluídas. Ao longo do inquérito eles reclamaram do acesso aos autos do processo.
Em julho, três meses depois da prisão do casal, Damasceno foi transferido para a Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, um cargo considerado superior ao que ele exercia quando comandava a 16ª delegacia policial, da Barra da Tijuca, onde correu o inquérito do caso Henry.
“Madrugada de terror”
Entre as testemunhas, está o pai de Henry, o engenheiro, Leniel Borel, que tornou-se assistente de acusação no processo, o que dá o direito de o advogado dele também fazer perguntas às testemunhas.
“Espero que a verdade comece a ser esclarecida, que as testemunhas apareçam para esclarecer todas as informações que conhecem e o que aconteceu com o meu filinho entre o dia 7 e 8 de março, naquela madrugada de terror em que meu filho foi brutalmente assassinado por aqueles dois monstros. Espero que no final tudo seja esclarecido e que a justiça seja feita para que aqueles dois sejam pronunciados e julgados da maneira proporcional ao crime brutal que fizeram com o Henry”, disse ele à CNN.
Leniel, que também pode abrir a audiência como primeira testemunha por representar a vítima nesse processo, deve dar detalhes sobre a frase que teria ouvido do filho: ‘o tio machuca’, quando Henry estava se referindo supostamente a Jairinho.
Pouco depois da morte do garoto, Leniel disse à CNN que teve uma conversa com Jairo sobre isso. Um dos diretores do hospital Barra D’Or também terá uma participação importante na audiência desta quarta-feira. É o homem para quem Jairinho teria enviado mensagens e ligado para cobrar uma rápida liberação do corpo de Henry.
As cartadas da defesa
As transcrições de conversas de celulares que se transformaram em provas importantes para a acusação serão questionadas pela defesa tanto de Jairinho quanto de Monique.
Um laudo preparado por um perito contratado pelos advogados da professora vai afirmar que o arquivo com o backup das conversas de whatsapp do celular dela foi criado mais de 12 horas depois que os policiais já estavam com o aparelho e que, depois disso, o arquivo ainda foi modificado ao longo de semanas.
“Ele foi mexido após a apreensão e antes da perícia do Instituto de Criminalística Carlos Éboli. Tem muita coisa que a gente quer esclarecer ali. O inquérito policial como ele está ele tem que acabar ou ele tem que ser todo reformulado, o inquérito policial ele não pode permanecer como está. Ele prende, ele afasta sigilos constitucionais como bancário, fiscal, telefônico, o inquérito policial consegue alcançar tudo que uma sentença condenatória consegue. E mesmo assim insistem em colocar o inquérito policial como procedimento administrativo inquisitório, isso é o maior absurdo que existe nos dias de hoje”, afirma o advogado da Monique, Thiago Minagé.
A questão dos celulares também é apontada por Sant’Anna. Ele alegará que parte do conteúdo dos celulares não foi transcrito para o processo depois do uso da ferramenta Cellebrite pela perícia.
“É um ponto que há uma convergência entre as defesas, porque algumas conversas não foram transcritas”, disse à CNN.
“Se tudo correr como eu espero que corra, eu acho que estaremos em um caminho correto, com desfecho favorável pelo Jairinho. Mas em todo processo existem surpresas, pessoas que falseiam a verdade e caem em contradição”, afirma ele.
Uma das provas que ele apresentará pra tentar salvar Jairo Souza Santos Júnior da prisão é o vídeo gravado dentro do elevador no momento em que o casal deixa o apartamento no prédio na Barra da Tijuca e leva Henry ao Barra D’Or.
As imagens obtidas pela CNN mostram Henry no colo da mãe enquanto Jairo tenta fazer nele respiração boca-a-boca. A cena gravada às 4h09 do dia 8/3 mostra os dois entrando no elevador social e antes mesmo de colocar a máscara, Jairo já se aproxima do rosto do menino para executar a manobra de salvamento. Monique olha fixamente para o rosto de Henry e mostra preocupação.
Padrasto e mãe têm um rápido diálogo antes de deixar o elevador. “Ninguém que quer matar, socorre com vida e leva para o hospital. E o garoto estava com vida, chegou ao hospital com vida”, afirma Sant’Anna.
Entre as testemunhas arroladas por ele estão peritos computacionais, um legista, familiares de Jairo e até ex-namoradas chamadas com o objetivo de contrapor a versão de que ele era violento.
“A gente pretende desconstituir a prova de um homicídio, primeiramente a própria causa mortis. A nossa pericia vai mostrar uma outra causa, diferente da laceração no fígado. Se [a laceração] existiu não foi em razão do que o MP afirma”, disse o advogado, sugerindo que a lesão pode ter sido consequência de algo como uma tentativa de ressuscitação.