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    CNN Plural

    CNN no Plural+: Qual a força da nossa representatividade?

    Cada vez mais atores e roteiristas da comunidade LGBTQIA+ ganham espaço, deixam suas marcas e ajudam a diminuir o preconceito e os estereótipos.

    Sala de cinema
    Sala de cinema Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Rafael Câmarada CNN

    São Paulo

    Há mais de vinte anos eu me assumi como eu sou: um homem cis gay.

    Foram muitas etapas de crescimento até aqui.

    E mesmo me sentindo maduro, eu confesso que quando surgiu o convite para escrever a coluna do CNN no Plural+, eu travei.

    Travei por não saber se iriam gostar.

    Travei pela responsabilidade de assumir essa bandeira.

    Travei porque depois da primeira matéria publicada eu seria, como eu mesmo brinco, “oficialmente gay”.

    Caminho sem volta e que eu não tenho pretensão alguma de voltar. Deixo claro que isso não é possível.

    Já foram 23 artigos publicados em quase seis meses de trabalho. 

    E por isso que o assunto de hoje é algo que eu aprendi nesse tempo todo a dar muito valor: o lugar de fala.

    E você sabe o seu lugar? Ou melhor, primeiro: você sabe o que é o queerbaiting?

    Eu acho que é essa forçada de barra, quando você tenta manipular a audiência. De modo geral, é uma manipulação. O queerbaiting é você manipular os dois públicos, tanto o LGBTQIA+, quanto o hétero normativo.

    Fabio Audi, ator e fotógrafo

    Quem explica a expressão é o ator e fotógrafo Fabio Audi. Ele ficou conhecido depois de interpretar o adolescente Gabriel, que se apaixona pelo amigo deficiente visual, no longa “Hoje eu Quero Voltar Sozinho”. O filme (de 2014, originalmente um curta de 2011) retrata com normalidade e sensibilidade a relação homoafetiva entre os dois.

    Com relação ao queerbaiting e à “forçada de barra” que ele menciona, é quando alguém ou alguma obra usa os ideais da bandeira LGBTQIA+ para atrair esse público, mas não é transparente sobre o posicionamento de apoio à comunidade e só visa mesmo retorno financeiro. Fabio é um homem cis gay.

    O impactante do queerbaiting é justamente que ele não colabora no processo já tão doloroso, tão destrutivo que é o processo de nascer gay. Eu sou de 1987 e é muito doloroso chegar no mundo, se dar conta supernovo de que você é gay e de que isso é visto como um problema para a sociedade, que isso é uma situação que vai gerar vergonha”, diz o ator.

    Desculpa Fabio, mas eu também preciso dividir com todos que concordo cem por cento com você. O processo, além de doloroso, também é solitário.

    Quando você entra na adolescência e começa a gostar de um rapaz, o que “normalmente” se faz?

    … Se esconde com medo do que vai acontecer. A turbulenta paixão dos quinze anos vira o pânico de ser descoberto.

    Daí você vai amadurecendo e luta numa na tentativa de aceitação, você confunde um monte de coisa, porque você acha que você tem algo errado. E você procura o amor de uma outra forma. A gente não tem nenhuma referência digna, nenhuma referência autêntica desde criança, no meu caso, de 2 homens se amando, por exemplo”, explica Fabio Audi.

     

    A gente procura algo para ter referência o tempo todo. E na nossa idade, o que a gente encontrava na televisão: o comediante que “interpreta” a “bichinha alegre”, com todos os trejeitos para ser chacota dos amigos e familiares. Ou a possível relação entre duas pessoas do mesmo gênero completamente “no armário” – que a gente se emocionava em um simples olhar, mas que não passava disso. Tudo era velado, nada era dito.

    Quem nasceu até meados dos anos 1990 não via o amor entre dois homens apenas como amor.

    A gente vai ao cinema, a gente vê novela, a gente vive essas experiências através das imagens. As imagens provocam, ensinam e tudo mais. Então eu acho que quando você tem uma representatividade, por exemplo, no caso do ‘Hoje eu quero voltar sozinho’, que é um filme que retrata o amor de dois adolescentes, é um jeito sutil e ao mesmo tempo que mostra uma sinceridade. Se um dos personagens é gay e você não o revela, você não gera transparência, sabe?

    Fabio Audi, ator e fotógrafo

    E não gerar essa transparência é queerbaing. Levar o público a acreditar numa certa orientação sexual do personagem e não a revelar.

    Pra que? Que recorte da realidade você fez? No que essa obra ajudou a diminuir o preconceito numa sociedade tão LGBTfóbica? É trazer novas portas para o armário.

    Se você vai descrever um personagem que é gay, então por que ele não pode se encontrar, ter um date? Ele pode se encontrar com alguém, ele pode namorar, ele pode se frustrar. Então acho que o queerbaiting é justamente esse não preenchimento dessa transparência, do que seria algo verdadeiro. A gente poder assistir aquilo e reconhecer aquilo e aprender com aquilo e ser provocado por aquilo de uma forma completa”, diz Fabio.

    E sabe como a gente consegue perceber a importância de tudo isso?

    Quando você ocupa o lugar de fala.

    Não que um ator tenha que ser gay para interpretar um homossexual, mas se essa obra for escrita e tiver a participação de alguém da comunidade, em cada gesto, fala e choro em cena, eu tenho certeza que vai vir carregada de verdade de quem viveu e vive os desafios de ser quem somos.

    Eu sentia muita frustração quando eu assistia séries e filmes. Porque parecia que os criadores estavam envergonhados da relação entre aqueles personagens. Porque eu me via naqueles personagens, mas quando eu via que as coisas nunca se concretizavam, a minha tendência era acreditar que para mim também as coisas nunca iriam se concretizar

    Gautier Lee, diretora e roteirista

    Quem fala da frustração de não se ver representada é Gautier Lee – hoje roteirista e diretora, que faz questão de levar para as suas obras a força da representatividade.

    Gautier é uma pessoa negra e não binária. Além de outros sucessos no audiovisual, é dela o roteiro da segunda temporada da série “De Volta aos 15”, que está em produção pela Netflix.

    Uma rápida explicação da série para vocês entenderem o importante trabalho dela. A história é de uma mulher, Anita, que fica indo e voltando no tempo, para a época em que tinha quinze anos. No passado, ela é interpretada por Maísa Silva. No presente, ela é Camila Queiroz.

    Mas para além de Anita, uma personagem da série muito nos interessa. César. César é um menino que está se descobrindo na adolescência. No entanto, quando há a passagem de tempo para o presente, ela se apresenta como Camila, uma menina trans. E tudo isso sendo tratado da forma como tem que ser: normal.

    Acho que tirar essa estigmatização e trazer a personagem para o cotidiano é o que faz as pessoas perceberem que pessoas trans não são um bicho de sete cabeças, são apenas pessoas que acordam de manhã, escovam os dentes, vão estudar, vão trabalhar, vão viver a vida e voltam para casa à noite. E é isso é uma pessoa completamente comum, apenas com problemas de identidades e vivências diferentes, mas que no final das contas… é apenas uma pessoa comum”, declara Gautier.

    E para que a gente possa mostrar a normalidade que há em ser diferente, é preciso que não só a frente, mas que a parte de trás das câmeras também seja diversa.

    Pessoas com poder de decisão o suficiente para inserir narrativas LGBTQIA+ que sejam factíveis com a realidade. Porque o queerbaiting pode acontecer ‘sem querer’ – mas se há pessoas LGBTQIA+ envolvidas nos projetos, as chances de ele acontecer diminuem.

    Ou seja, para além de um mero lugar de fala, a representatividade importa para a qualidade das histórias trazidas em tela.

    A gente precisa ter pessoas LGTBQIA+ dentro das grandes plataformas para que o conteúdo que seja anti-lgbt não vá adiante, para que ele seja corrigido. Porque todo mundo é passível de erros, mas existe um time muito grande por trás de cada produção audiovisual – se a gente tem uma pessoa só, uma pessoa LGBT só dentro de um time de 50, 100, 200 pessoas, como é que essa única pessoa vai fazer com que a obra seja genuína? É realmente necessária uma força-tarefa dentro da indústria criativa para a gente acabar de fato com o queerbaiting. Isso vai desde programa de profissionalização para que pessoas LGBTs possam acessar mais espaços, possam melhorar seus currículos e possam assumir esses cargos de liderança e de tomada de decisão.

    Gautier Lee, diretora e roteirista

    E tem resultado melhor que esse?  Estar dentro da obra em todos os sentidos, se ver e perceber que somos mais um.

    • Produção: Letícia Brito e Carol Raciunas