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    CNN No Plural+: Lute como uma mãe

    "A gente quer dizer que a criança é LGBTQIA+ existe e que ela precisa ser protegida, a sociedade precisa parar de fingir que ela não existe", diz Maju Giorgi, fundadora do Mães pela Diversidade

    Rafael Câmarada CNN , São Paulo

    Como você faz para contar para uma das pessoas que mais ama que talvez você não seja o que ela pensou?

    Para muitas mães, são décadas de sonhos, anos de expectativas e meses de gestação.

    Isso não saía da minha cabeça, até que a única força que eu tive foi escrever um e-mail explicando (ou tentando explicar) o que eu mesmo não conseguia, que não teria mais namoradas e sim namorados dali para frente.

    Engraçado é que eu me lembro dessa história sempre no Dia das Mães e não na data que isso realmente aconteceu. Talvez porque nesse dia a minha mãe tenha sentido o peso de ter um filho LGBTQIA+. E a luta que ia enfrentar junto comigo todos os dias.

    E quando eu falo luta, pode ser levantando bandeira ou rezando sozinha para que nada de mal aconteça comigo. E felizmente há milhares de mães, no Brasil todo, que ao invés de virarem as costas para seus filhos, deram as mãos a eles.

    Você já ouviu falar nas Mães pela Diversidade?

    “Eu tenho cinquenta e seis anos, sou jornalista e tenho UM FILHO GAY”. Logo no início da entrevista, foi assim que a Maria Júlia (ou Maju) Giorgi, presidente e fundadora da ONG Mães pela Diversidade, se apresentou a mim. Ela é mãe do André.

    “Ele andava na ponta do pé e ele fazia uns trejeitos e ele fazia com 5 anos o mesmo que faz hoje com 33, a mesma coisa, né? Um dia ele estava brincando e eu estava com meu marido, meu irmão e ele fez aquilo e eu falei: ‘gente, ele é gay’. E aí o meu marido virou e falou: ‘Eu também já percebi’. Quando ele tinha uns 10 anos, eu fui muito na escola brigar por causa de bullying, ele sofria um bullying desgraçado, não só ele, mas todos os LGBTs. Então eu nunca preciso explicar muito isso, né? Porque eu sempre falo que eu tenho certeza de que todo mundo que está no planeta Terra já viu uma criança LGBT e já assistiu o sofrimento dela, né?”, me disse Maju.

    Será que sabe mesmo?

    Se sabem, preferem não enxergar. E assim crescemos, carregando traumas e tendo que procurar ajuda, nós mesmos.

    Não foi diferente com o filho de Maju, que, mesmo com toda a proteção, aos 14 anos, já enfrentava um quadro de depressão.

    Um dia ele me abraçou assim, começou a chorar e falou: ‘Mãe, eu sou gay’. Aí eu falei ‘gente, e agora?’. Eu o abracei e falei que estava tudo certo, que todo mundo sabia e que a família o amava e o porto seguro dele ele teria. Mas, assim, no segundo momento, o chão abriu debaixo do meu pé, porque eu achava que eu era descoladíssima, que eu estava preparadíssima. Mas na hora que a ficha caiu, que virou realidade, o que vem é toda a violência, toda a humilhação, toda a discriminação que ele ia sofrer dali para frente

    Maju Giorgi, presidente da ONG Mães pela Diversidade

    Discriminação e morte. Vale sempre lembrar que o Brasil ainda é o país que mais mata LGBTs no mundo. Em 2021, de acordo com um relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), foi uma morte violenta a cada 29 horas em nosso país.

    Inconformada com essa trágica realidade, Maju foi atrás de informação para compreender melhor o filho e o mundo onde ele vivia. Em 2014, fundou a ONG Mães pela Diversidade.

    “Eu conheci a Ivone Pita, que é uma professora de literatura do Rio, uma militante super engajada e que tinha muito trato com adolescente. Ela me convidou, o Orkut estava acabando e a gente migrou para o Facebook e ela me convidou para fazer o cartaz e tirinhas LGBT+. E ali eu comecei a falar dessa maternidade, desse sentimento de injustiça que eu sentia e nessa gritaria que eu comecei a fazer. As mães começaram a aparecer e nós éramos, a nossa história e os nossos anseios eram os mesmos. Nós éramos unidas pelo medo da violência e pelo profundo sentimento de injustiça. Então ali começou o embrião do Mães pela Diversidade”, disse Maju.

    O embrião amadureceu e hoje tem células em quase todos os estados do Brasil. São milhares de seguidores e visualizações nas redes sociais.

    A associação, que reúne mães e pais de pessoas LGBTQIA+, oferece todo o tipo de ajuda, desde psicológica até jurídica para essas famílias.

    Nesses oito anos, as Mães pela Diversidade ajudaram a sociedade a nos enxergar como cidadãos.

    Nossas Mães, porque todas elas são um pouco de todos nós, lutaram pelo direto do casamento homoafetivo, válido desde 2013, a equiparação da homofobia com o crime de racismo em 2019 e até o direito de poder doar sangue, há dois anos.

    Isso mesmo, até o desejo de querer ajudar o outro nos era negado. E, por consciência ou não, o STF derrubou essa restrição preconceituosa no dia 8 de maio de 2020, dia em que as nossas mães tiveram mais um motivo para comemorar. Na sequência, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirou a restrição.

    Não é à toa que o slogan da ONG é: “Lute como uma mãe”.

     

    Durante o bate-papo com a Maju, o que mais me impressionou e que sinceramente eu não tinha parado para pensar, como a LGBTfobia não atinge somente a nós da comunidade.

    “Na minha opinião, todos são vítimas, né? Porque esse pai pode trabalhar na roça ou ser o CEO ou da maior multinacional da Faria Lima, que ele vai passar o dia ouvindo a piada de ‘viado’. Todas as vezes que se referem a pessoas LGBTs de forma pejorativa, caricaturada, negativada. Então esse pai tem vergonha. E essa mãe, quando ela resolve ficar do lado do filho, ela vira o alvo da LGBTfobia também, porque ela é culpada, ela não educou direito, ela não deu limite, ela não sabe o que lá. Então essa mãe fica enlouquecida, né?”

    Maju Giorgi, presidente da ONG Mães pela Diversidade

    Acolher essa mãe ou esse pai, que chegam tão fragilizados é o primeiro passo para começar a reconstruir essa família.

    O pai quando ele chega, para nós, ele é transfóbico, ele é homofóbico, ele é lesbofóbico. Então, quando esse pai chega, ele chega para gente como você chega, sei lá, nos alcoólatras anônimos. Você não chega desconstruído, você chega dando o primeiro passo para você se desconstruir, né? Então a gente precisa ter paciência”, diz Maju.

    A intenção da coluna dessa semana é mais do que dar um “parabéns” a todas as mães, mas mostrar que nesse caminho, ao lado do seu filho LGBTQIA+, há milhares de mães dispostas a lutar juntas.

    • Produção: Letícia Brito
    • Apoio: Carol Raciunas
    Maju Giorgi e o filho, André / Acervo pessoal/Redes sociais

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