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    CNN no Plural: Apesar de preconceito e violência, comunidade LGBTQIA+ se fortalece

    Brasil é o quarto país que mais mata membros desta comunidade; pessoas que resistiram a agressões e ameaças cultivam orgulho e procuram trocar apoios

    Parada do Orgulho LGBTQIA+ acontecerá neste domingo (18), na Avenida Paulista, em São Paulo
    Parada do Orgulho LGBTQIA+ acontecerá neste domingo (18), na Avenida Paulista, em São Paulo Heloisa Ballarini/Secom

    Carol RaciunasTalita Amaralda CNN

    No mês em que se celebra o dia do Orgulho LGBTQIA+, histórias de luta, sofrimentos, violências e muitos desafios, ainda se misturam com a realidade de coragem e resistência. A trajetória de pessoas que decidem se assumir com uma identidade não cis heteronormativa nem sempre é das mais fáceis. De acordo com o novo relatório produzido pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQI+, o Brasil é o quarto país que mais mata pessoas desta comunidade.

    Para Beatriz Lino, head de mesa de Renda Variável e líder do coletivo Seja da XP Inc., que se identifica como lésbica, foi um processo longo e doloroso até que ela assumisse sua orientação sexual. “Durante a faculdade, quando fui exposta a novas experiências, conheci a mulher que é minha esposa há 12 anos”, lembra.

    Ela conta que no começo foi difícil ter que se assumir diante da sociedade e família. “Muitas vezes a gente não tem acolhimento de onde a gente mais gostaria de ter, mas fui aprendendo a me empoderar e buscar apoio em outros lugares”, afirma.

    Beatriz recorda que a infância foi um dos períodos mais difíceis porque sempre havia a cobrança de como uma menina devia ser e o que ela tinha que fazer. “Quando você está se descobrindo, vem uma pressão muito forte. Eu lembro muito de uma necessidade de pedir calma para as pessoas, porque eu também estava querendo me entender.”

    O preconceito durante a infância e adolescência também foi sentido pelo publicitário Hermes Almeida. Ele é gay, negro e gordo e sofreu bullying no período escolar.

    “Desde pequeno eu já apresentava muitos traços da homossexualidade. Na escola, fiquei muito reprimido por conta de bullying e estereótipos pesados. Eu ouvia coisas do tipo, ‘você é muito menininha, isso é coisa de viado’”, lembra Hermes, dizendo que começou a se descobrir e se assumir no final do Ensino Médio e início da faculdade. “Foi quando eu comecei a entender que as pessoas são mais plurais e que existem muitas possibilidades.”

    Processo 

    Sueni Leocadio, carregado de operações no Carrefour Express, se sentia diferente de todos à sua volta e nunca entendeu o motivo. Casado há 12 anos, foi em 2020 que sua esposa o apresentou um documentário que fez com que abrisse os olhos. Ali que começou a perceber que suas frustrações e medos eram porque tentava viver da maneira que as pessoas gostariam que ele fosse, e não da maneira que era de verdade. “Entendi que eu era um homem trans. Demorei para assimilar e me permitir ser eu mesmo por dentro e por fora”, declara.

    O mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USP e designer de interiores, Reinaldo Luiz dos Santos, por sua vez, começou a questionar a sua identidade há três anos, mas foi só em novembro de 2021, após entrar na Profissas e mergulhar de cabeça nos conteúdos de Diversidade, que se descobriu como uma pessoa não-binárie. Reinaldo ainda está no processo de autoconhecimento, jornada acompanhada de muita pesquisa e conexão com pessoas também não bináries, trans e travestis. Na Profissas, ao se descobrir, foi acolhida por todes, inexistindo qualquer momento de desconforto por conta da sua nova identidade. Porém, ainda encontra receio em compartilhar diretamente essa informação com seus familiares. A única da família pra quem o Reinaldo contou foi a sua irmã mais velha. Sua imagem ainda está alinhada à imagem masculina, mas o Rei já se planeja a começar a sua transição para uma expressão mais andrógina.

    Fernanda Barbosa também encontrou dificuldades no relacionamento com a sua família, que é muito religiosa. A analista de conteúdo e comunidade teve relacionamentos heterossexuais, mas não se sentia bem, até se assumir e ter um amor que ela nunca havia sentido. “Ali era o meu lugar, onde tudo se encaixava mais do que em qualquer outra realidade minha”. Ela se assumiu lésbica na época da faculdade, porque foi quando se sentiu mais segura e tinha mais autonomia para viver a vida de acordo com a sua orientação sexual. Hoje a relação dela com os pais é melhor, aceita o namoro.

    Agressões e resistência

    Para a assessora parlamentar Patrícia Borges, os desafios também começaram logo cedo. Aos cinco anos de idade, após a morte de sua mãe, foi ameaçada pelo pai.

    “Dialoguei com o meu pai que eu era uma pessoa trans, e imediatamente ele colocou uma arma na minha cabeça e me deixou ajoelhada no milho. Disse que enquanto eu vivesse sob o teto dele, teria que corresponder ao órgão genital, ou seja: ser homem.”

    Com isso, foi expulsa de casa aos 13 anos e teve que se prostituir para sobreviver. Abriu mão de sua educação e sofreu violências.

    “Quando eu estava na situação de prostituição, eu levei três facadas e faltou um centímetro para perfurar o meu pulmão. Também já levei tiro de raspão e fui perseguida.”

    Outra pessoa que lida com o preconceito desde cedo é o jornalista e empreendedor social Helcio Beuclair, que viveu em uma cidade pequena da Bahia. “Sofri tortura psicológica e física por parte dos pais. Já apanhei de corrente, de pau e murro, isso dentro de casa.”

    Em meio aos desafios, sua saúde mental foi afetada. “Cheguei a estar em depressão profunda. Lembrar disso ainda é muito doloroso, porque ainda há cicatrizes abertas, mas eu transformei essa dor em esperança.”

    E essa esperança do Helcio se desenvolve junto ao orgulho de ser quem é e fazer parte da comunidade. Apesar de ainda não sentir isso na pele, ele entende que a luta de resistência contribui para a sua formação.

    “Acho que esse orgulho de ser quem somos está em processo de construção todos os dias. Não dá para sentirmos orgulho enquanto alguns de nós ainda estão caindo.”

    Para o publicitário Hermes, a trajetória, apesar de difícil, o ajudou a ser quem ele é hoje. “Eu sinto a dor do meu ‘eu’ infantil, mas sem isso eu não teria chegado até aqui. Então, eu falaria pra ele: ‘aguenta mais um pouco. Vai valer a pena’”, frisou.

    “Se eu puder, de alguma forma, inspirar alguém que está passando por isso, eu vou dizer: não deixe ninguém dizer o que você deve ou não fazer. Apenas seja.”

    Beatriz Lino se vê hoje como alguém com a responsabilidade de apoiar outras pessoas da comunidade. “Hoje sinto orgulho da minha história e diria para essas pessoas procurarem apoio. Sempre tem uma rede de proteção em algum lugar. Talvez ela não seja a pessoa que você gostaria, mas sempre tem alguém com quem você pode ter uma troca.”

    Patrícia Borges também tem uma perspectiva positiva sobre quem se tornou. “Sinto muito orgulho, porque lutei pela Patrícia Borges. Tive vários percalços, mas hoje eu consigo chegar aos 32 anos e me ver bem, ativa, com uma mente boa e conseguindo ajudar pessoas. Me vejo muito vencedora. Eu consegui transformar todo o ódio que a sociedade fez com a minha pessoa em amor.”

    Fotos – Parada do Orgulho LGBTI+ na Avenida Paulista