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    CNJ pune com advertência juiz do caso Mariana Ferrer

    Rudson Marcos foi responsável por audiência em que influenciadora foi constrangida por advogado

    Lucas Mendesda CNN

    em Brasília

    O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta terça-feira (14), por unanimidade, punir com pena de advertência o juiz Rudson Marcos pela conduta durante a audiência que colheu o depoimento da influenciadora Mariana Ferrer em um caso de estupro.

    Para os conselheiros, houve infração do magistrado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) em cumprir seus deveres funcionais. Na audiência, Ferrer foi constrangida e atacada pelo advogado de defesa do réu no processo.

    A pena de advertência é a mais branda das sanções administrativas aos magistrados. É uma repreensão aplicada quando há negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

    O CNJ havia aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a conduta do juiz e se houve “passividade ou ausência de assertividade diante dos ultrajes” direcionados a Ferrer.

    Três conselheiros votaram para julgar improcedente o PAD, e ficaram vencidos. No debate sobre a pena, houve unanimidade sobre a sanção de advertência.

    Entenda

    A audiência conduzida pelo juiz Rudson Marcos foi feita em 2020 por videoconferência. O caso foi revelado pelo site The Intercept Brasil.

    A influenciadora acusava o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado em dezembro de 2018, quando ela tinha 21 anos. Ele foi absolvido em duas instâncias. A influenciadora recorreu ao STJ e STF.

    Em uma das audiências do processo, na 1ª instância, o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostrou o que chamou de fotos “ginecológicas” de Mariana e afirmou que “jamais teria uma filha” do “nível” dela.

    Após Ferrer chorar com as falas, Rosa Filho se dirigiu a ela dizendo que “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

    “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente, o que é isso?”, disse a jovem.

    Em uma das ocasiões, o juiz do caso, Rudson Marcos, pediu para o advogado manter “bom nível”.

    Votos

    A relatora do caso foi a conselheira Salise Sanchotene. Ela votou pela procedência do PAD e pela pena de advertência. Para ela, o quadro é “grave” por revelar a “equivocada compreensão sobre o verdadeiro papel do magistrado na presidência de uma audiência relacionada a crimes contra a dignidade sexual”.

    Sanchotente disse que houve tratamento diferenciado do juiz em relação à vítima e ao advogado do réu.

    “Tenho 30 anos como magistrada criminal e, se eu estivesse em uma audiência como essa, na próxima audiência eu já iniciaria advertindo o advogado”, afirmou. “É isso que um magistrado criminal deve fazer ao conduzir uma audiência, mas não foi o que aconteceu”.

    “A maioria das intervenções direcionadas ao advogado do réu foi no sentido de que se formulassem perguntas objetivas e não quanto ao teor das indagações ou a forma como ele deveria dispensar o tratamento adequado a vítima. O magistrado não se furtou em repreender a vítima quando necessária, sendo poucas intervenções a ela direcionados para efetivamente prestar acolhimento”.

    A conselheira votou para reconhecer o cometimento de falta funcional do juiz, “notadamente pela omissão em frear questionamentos descabidos, dirigidos a vítima do processo, que além de violarem sua dignidade enquanto sujeito de direitos, materializam tratamento diferenciado entre as partes”.

    O conselheiro Richard Pae Kim foi o primeiro a divergir. Ele disse que o magistrado atuou de forma regular para manter a ordem da audiência. Ele foi acompanhado por Jane Granzoto, Giovanni Olsson.

    “Não é verdade que o magistrado tenha sido omisso ou hesitado no cumprimento adequado do seu dever funcional”, afirmou. “Podemos notar que o juiz realizou diversas intervenções para garantir a normalidade dos trabalhos, de forma pontual e nos momentos nos quais julgou extremamente necessários”.

    “No caso concreto o nosso colega, meu colega, pelo menos, cumpriu a lei. O juiz deveria ter gritado na audiência? Talvez estivesse sendo processado aqui porque gritou com o advogado para ele parar de praticar este ou aquele ato. Deveria ter suspenso a audiência, por dez, vinte, trinta vezes, a cada intervenção do advogado?”, questionou.

    Para o conselheiro, o juiz não deve ser o único responsável pelo que ocorre numa audiência. “Cada um tem suas reponsabilidades, o advogado, promotor, juiz, cada um tem que responder pelo que acontece na audiência”, declarou.

    Defesa

    O advogado do juiz Rudson, Rodrigo Collaço, disse que a pena proposta é uma “injustiça” e “desnecessária”. Ele também defendeu a carreira do magistrado, dizendo ser um juiz “probo, honesto, bem-conceituado”.

    Collaço argumentou que o caso não deveria ser analisado pelo CNJ, pois a conduta do juiz foi judicializada –ou seja, fugiria da competência administrativa do conselho, uma vez que seu conteúdo estaria sendo analisada pela Justiça.

    “A interessada no âmbito penal [Ferrer], invocou nulidade da audiência em face da omissão do representado [o juiz]. A decisão aqui tomada poderá ter repercussão no processo penal”, declarou o advogado. “Temos a hipótese de judicialização que impede a manifestação do Conselho, temos o fato concreto, a vítima do processo penal recorreu ao STJ e STF para que a conduta do magistrado seja avaliada e lá se estabeleça se ele agiu a ponto de anular a audiência ou não”.

    Collaço também disse que o caso analisado pelo CNJ representa um tipo de “embrião” dos riscos que a magistratura passará a enfrentar.

    “Esse processo foi instaurado a partir de uma fake news, de uma montagem”, afirmou. “O pedido de abertura de inquérito tem por base uma montagem da audiência, uma informação de que o juiz absolveu o réu por estupro culposo e existe ainda uma charge em que o juiz sai abraçado ao promotor com bolso cheio de dinheiro. Essa mentira formou o consenso nacional contra esse magistrado, que foi ameaçado de morte, que os filhos precisaram sair do colégio”.

    Repercussão

    Com a repercussão do caso da audiência, o Congresso aprovou, em 2021, a “Lei Mariana Ferrer”, que estabelece punição para atos que atentem à dignidade de vítimas e testemunhas durante julgamentos.

    A norma prevê que todos os envolvidos no julgamento devam assegurar a integridade física e psicológica das vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo. Cabe ao juiz certificar a execução.

    Ainda ficam proibidas manifestações sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos que estão sendo julgados, e a utilização de linguagem, informações ou materiais que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

    Caso a determinação não seja cumprida, os envolvidos serão responsabilizados nas áreas civil, penal e administrativa. Assim, reprimindo a “vitimização secundária”, com violência psicológica no decorrer do procedimento de apuração e julgamento.

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