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    Caso Marielle: o que ainda falta ser elucidado?

    Dois anos após as mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o caso segue aberto, as investigações acumulam falhas e os impasses dos inquéritos das polícias Civil e Federal levantam mais dúvidas do que respostas.

    Além de ainda não ter sido revelado quem ordenou o crime e qual foi sua motivação, denúncias sobre a condução do inquérito e inconsistências no indiciamento de suspeitos acentuam a nebulosidade em torno do assassinato.  

    Marielle e Anderson foram mortos a tiros em 14 de março de 2018, quando deixavam um evento na região central do Rio de Janeiro. A principal linha de investigação é que o crime tenha sido cometido por motivação política.  

    A vereadora foi a quinta mais votada nas eleições de 2016 no Rio. Defensora de causas ligadas aos direitos humanos, suas principais frentes eram o amparo a jovens moradores de favelas e denúncias de violência policial em áreas de atuação das milícias cariocas.   

    No último dia 10 de março, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) decidiu que os dois acusados pela execução da vereadora e do motorista Anderson Gomes serão levados a um júri popular. 

    Quem foi Marielle Franco?  

    “Mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré”. Assim Marielle Francisco da Silva -seu nome de batismo- se descrevia no site oficial que mantinha na internet. Criada na favela da Maré, na zona norte da capital fluminense, era cientista social formada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e mestra em administração, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde defendeu a dissertação “UPP: a redução da favela a três letras”.  

    Em 2016, foi eleita vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) com 46 mil votos. Em 14 meses de mandato, foi autora ou coautora de 16 projetos, como os que pediam a construção de moradias de interesse social para famílias de baixa renda e a criação de creches para o período noturno.  

    Era presidente da Comissão de Defesa da Mulher na Câmara e defensora dos direitos LGBT.  
    Foi assassinada aos 38 anos, quando saia do debate “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, sobre empreendedorismo para mulheres negras. Marielle deixou viúva a arquiteta Monica Benício, com quem se relacionou por 14 anos.  

    Placa com o nome de Marielle
    Placa de rua em homenagem à vereadora Marielle Franco
    Foto: Fernando Frazão – 4.out.2018/ABR

    O dia do crime  

    A vereadora deixou o local onde fazia uma paletra na Lapa, no Rio, por volta das 21h, acompanhada da assessora Fernanda Chaves e do motorista Anderson Gomes. Antes das 21h30, um carro emparelhou com o veículo em que estavam, e uma pessoa atirou contra eles. Marielle e Anderson morreram no local, Fernanda sobreviveu.  

    Os assassinos fugiram sem levar nada. A arma do crime, uma submetralhadora HK MP5, de uso restrito às polícias e Forças Armadas no Brasil, ainda não foi encontrada. De acordo com a perícia, a munição utilizada era de um lote vendido à Polícia Federal de Brasília em 2006. Munições desse mesmo lote foram disparadas na maior chacina do estado de São Paulo, que matou 17 pessoas em Osasco e Barueri, na região metropolitana da capital em 2015. 

    A PF abriu inquérito para apurar o caminho da munição e como os cartuchos chegaram até a arma que matou Marielle.  

    Quem matou Marielle Franco?   

    Em março de 2019, o sargento reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz foram presos, suspeitos da execução do crime. Segundo o inquérito policial, Lessa fez os disparos e Queiroz conduziu o carro onde estavam os assassinos.  

    No dia das prisões, a polícia encontrou 117 fuzis que Lessa escondia na casa de um amigo. Além do armamento, mais 500 munições, três silenciadores e R$ 112 mil em dinheiro foram apreendidos. Lessa morava no mesmo condomínio em que o presidente Jair Bolsonaro mantém uma casa, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, local onde as armas foram encontradas.  

    O outro suspeito, Élcio Queiroz, foi expulso da corporação em 2016, acusado de trabalhar ilegalmente como segurança de casas de jogos de azar, em paralelo à atuação como policial.  
    Ambos negam participação no crime e seguem presos em Mossoró (RN), onde aguardam julgamento.

    Acusados do assassinato de Marielle Franco
    Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados do assassinato de Marielle Franco
    Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

    O que dizem os acusados?

    Quem mandou matar?  

    Ronnie e Élcio negam a autoria do crime. Eles garantem que, no momento do assassinato, estavam em um bar carioca, assistindo a um jogo de futebol na televisão. 
      

    Em outubro de 2019, a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou uma denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ ) em que afirma que o ex-deputado e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro Domingos Brazão “arquitetou o homicídio e, visando se manter impune, esquematizou a difusão de notícia falsa sobre os responsáveis pelo homicídio”.  

    O relatório da PGR apresentou uma gravação em que o miliciano Jorge Alberto Moreth diz ao vereador Marcelo Siciliano (PHS-RJ), que Brazão é o mandante e que pagou R$ 500 mil pelo crime.  

    Por que a investigação policial ainda não foi concluída?  

    A família Brazão exerce influência na comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste carioca, origem de uma das mais antigas milícias da cidade. Tanto Domingos quanto seus irmãos, Pedro e Chiquinho, têm o complexo como um de seus principais redutos eleitorais. Brazão não foi denunciado formalmente e o inquérito corre sob sigilo.  
      

    A apuração da morte de Marielle coleciona falhas e atuações policiais sob suspeita. Segundo a prefeitura do Rio, das onze câmeras de segurança que deveriam ter filmado o trajeto do carro dos assassinos, cinco foram desligadas entre 24h e 48h do crime. A Seseg (Secretaria de Estado de Segurança Pública) nega que os aparelhos tenham sido desconectados.   

    Um mês após a morte da vereadora, o jornal O Globo conseguiu contatar duas testemunhas que viram o crime, mas não haviam sido chamadas para depor. Somente após publicação da reportagem, o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, determinou que a Polícia Civil as ouvisse. 
      
    Em maio de 2019, a Polícia Federal concluiu que, para confundir as investigações, havia um grupo alimentando autoridades cariocas com informações falsas. O policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, chamado de Ferreirinha, e a advogada dele, Camila Nogueira, agiram para despistar a polícia ao denunciar o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, como um dos envolvidos na morte de Marielle. 
      
    Havia também um grupo interessado em que Curicica assumisse o assassinato. Ainda de acordo com o documento enviado pela PGR, a Delegacia de Homicídios da Capital (DH) teria oferecido benefícios em troca da confissão dele, e policiais recebiam mesadas para não resolverem crimes ligados ao caso.   

    Segue pendente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), um pedido da PGR para federalizar a investigação – tirar o caso da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio e levar para a esfera federal, em que a Polícia Federal e o MPF conduziriam o inquérito. O objetivo seria dar mais agilidade ao processo.  

    Em novembro de 2019, mãe, pai, irmã e a viúva de Marielle, junto do vereador Marcelo Freixo (PSOL-RJ) assinaram uma nota pedindo que os trabalhos continuassem no Rio. Protocolado em setembro de 2019, o requerimento ainda não foi votado.  

    Por que o nome de Bolsonaro foi envolvido na investigação?  

    Ronnie Lessa, um dos presos acusados de matar Marielle, morava no mesmo condomínio em que o presidente Jair Bolsonaro tem uma casa, o Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio. O vereador e filho mais velho, Carlos Bolsonaro, também tem imóvel no local.

    Questionado por repórteres durante uma coletiva em março de 2019, Giniton Lages, delegado responsável pelo caso na época, afirmou que a filha de Lessa namorou um filho do presidente, o caçula Jair Renan.   

    No fim de outubro de 2019, o “Jornal Nacional”, da Rede Globo, publicou o depoimento de um dos porteiros do condomínio da Barra à Polícia Civil, afirmando que, no dia do assassinato de Marielle, Élcio de Queiroz visitou o prédio e anunciou, na guarita, que iria à casa do presidente Bolsonaro. Segundo o porteiro, “seu Jair” teria liberado a entrada de Queiroz no local. Naquele dia, Jair Bolsonaro, então deputado federal, participava de votações na Câmara dos Deputados, em Brasília.  

    Após a veiculação da reportagem do “JN”, Carlos Bolsonaro publicou, nas redes sociais, um vídeo do registro do sistema de interfones do condomínio, que, segundo ele, mostrava que não houve ligação para a casa do presidente no período apontado pelo porteiro. O Ministério Público do Rio pediu perícia dos áudios, que foi concluída em menos de duas horas, pondo em xeque a idoneidade da avaliação.  

    Em 19 de novembro, o porteiro voltou atrás e disse que havia se confundido: Élcio de Queiroz teria interfonado para Ronnie Lessa e não, para o presidente. O laudo da polícia, concluído em fevereiro deste ano, corrobora essa versão: o áudio não foi adulterado e quem liberou a entrada de Queiroz no condomínio foi mesmo Lessa.  

    Partidos de oposição ao presidente haviam impetrado queixa-crime contra Bolsonaro, Sergio Moro – Ministro da Justiça – e o vereador Carlos Bolsonaro por obstrução de justiça. O pedido foi arquivado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em dezembro de 2019.   
     

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