Aliança entre bicheiros e torturadores espalhou os jogos ilegais no RJ
Negócios dos barões da jogatina também cresceram com o envolvimento deles com as escolas de samba
De um pequeno bloco carnavalesco da Baixada Fluminense para a terceira maior campeã do carnaval carioca: a Beija-Flor de Nilópolis ganhou os holofotes nas mãos de Anísio Abraão David, o Anísio. “Essa popularidade que ele alcança na condição de presidente de honra da escola vem junto com o prestígio que ele começa a galgar nas fileiras da contravenção”, aponta o jornalista Chico Otavio, coautor do livro “Os porões da contravenção” com Aloy Jupiara.
Em meados de 1980, Anísio atinge o auge da carreira como bicheiro. E, para se manter no poder, decide reforçar a segurança. Ele recruta um ex-agente do regime militar, o coronel Paulo Malhães.
“É interessante porque a Beija-Flor é uma das primeiras escolas a trabalhar abertamente pelo Regime Militar, a fazer propaganda, usar o espaço do samba enredo pra fazer propaganda”, diz Otavio. “Era tão ligado ao regime que em 1973, 1974 e 1975, a escola canta sambas enredo que são elogios, são exaltações do regime”, revela.
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, Paulo Malhães revelou que os corpos dos presos políticos eram incinerados em uma usina de açúcar de Campos dos Goytacazes, na Baixada Fluminense. Com o fim do regime, Malhães se vê sem função e decide, então, se reinventar no jogo do bicho, ao lado de Anísio.
“Profissionais altamente qualificados, brutos, violentos e à deriva. Então o “bicho” falou: vem pra cá, aqui vocês vão ter todo o prestígio que precisam e em troca, eles foram fundamentais para esse projeto de poder do jogo do bicho, de tomar áreas, de estabelecer sua força, os agentes do regime foram decisivos”, diz Otavio.
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Condenado em 2012 a mais de 40 anos de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha na Operação Furação, do Ministério Público Federal, o bicheiro de 83 anos passou a cumprir prisão domiciliar, mas vive de maneira luxuosa e não economiza nas viagens que consegue fazer graças a autorizações concedidas pelo Supremo Tribunal Federal. “O Anísio não para, o Anísio continua vivendo, apesar da idade, como sempre viveu, muito bem e viajando ao exterior com enorme freqüência”, diz o procurador Rogério Nascimento. Nos anos 1990, ele também figurou entre os 14 membros da cúpula do bicho sentenciados pela juíza Denise Frossard a 6 anos de cadeia por organização criminosa armada. Cumpriu metade desse tempo.
Capitão Guimarães
Enquanto Anísio, da Beija-Flor, se alinhava a torturadores como Paulo Malhães para ascender nos negócios, Ailton Guimarães Jorge, mais conhecido como Capitão Guimarães, sai direto do Exército para compor a cúpula do jogo do bicho.
De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, Capitão Guimarães também participou ativamente das atividades de repressão do regime militar (1964-1985). Foi acusado de participação em casos de detenção ilegal, tortura e execução, e é um dos 377 agentes responsabilizados por crimes durante o período.
Enquanto ainda era militar, capitão Guimarães se viu atraído pelo alto lucro do contrabando de bebidas, roupas e cigarros. Esse caminho tortuoso o expulsa do Exército nos anos 1970, mas termina alçando-o a um grande chefe do jogo do bicho.
“Ele tinha relações com os grupos armados dos porões do regime autoritário no processo da Ditadura Militar e, então, leva esse know how para o jogo do bicho com a intenção de fazer do bicho uma atividade sistemática”, diz o historiador Luiz Antonio Simas.
Para ganhar território e respeito, capitão Guimarães decide reforçar o time. Aciona um velho companheiro do Exército, cabo Marco Antônio Povoleri, um homem apontado por vítimas do regime como violento.
“Ele era o cara que dava os recados do Guimarães, olha, capitão quer comprar seu ponto, está oferecendo ‘X’, ou você vende ou assume aí as consequências, ele que dava o recado”, explica Otavio. “Em Niterói, por conta dessa organização, desse cabo torturador da equipe dele, ele foi tomando os pequenos territórios dos bicheiros”, acrescenta.
Se a carreira militar de capitão Guimarães foi curta, no jogo do bicho ela foi meteórica. Em apenas cinco anos, ele chegou à cúpula da contravenção conquistando a região de Niterói. Também foi atrás de uma escola de samba para chamar de sua, a Unidos de Vila Isabel. Em 1984, fundou a Liesa (Liga das Escolas de Samba) ao lado do também bicheiro Castor de Andrade, da Mocidade Independente de Padre Miguel.
Ao lado de Castor de Andrade e Anísio, capitão Guimarães também foi sentenciado em 1993 pela juíza Denise Frossard a 6 anos de cadeia, mas não cumpriu nem metade. Em 2012, junto a Anísio ele também foi condenado a mais de 40 anos de prisão no âmbito da Operação Furacão, mas entrou com inúmeros recursos e responde ao processo em liberdade.
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*Da DOC. Films, especial para a CNN Brasil