À beira do colapso, Amazonas luta para vencer novo coronavírus
Hospitais quase no limite, falta de profissionais e equipamentos de proteção, multiplicação de casos e de funerais ligam o alerta vermelho no Estado
O Amazonas é o Estado que concentra a taxa mais alta de mortalidade do país por conta do novo coronavírus. A CNN registrou com exclusividade o sistema de saúde à beira do caos, o colapso funerário com o aumento dos enterros e falta de estrutura que compromete o empenho dos profissionais de saúde em salvar vidas, mesmo colocando-se em risco.
“Imagina você ir para a guerra, mandar um soldado para a guerra sem uma arma? É assim que eu me sinto todo plantão”, questionou uma profissional de saúde, que não quis ser identificada, mostrando a luva furada.
Faltam equipamentos de proteção – o que faz alguns profissionais até pensarem em parar de trabalhar, além de leitos de UTI e equipes. “Tem técnicos que chegam a cuidar de 10, 16 pacientes”, explica uma profissional, que também preferiu o anonimato.
Resgate aéreo
Uma UTI aérea é utilizada para tentar salvar quem vive longe da capital. “Tem interiores que são 2h30 de voo. Se a gente fizesse de barco, seriam três, até sete dias”, explica o médico Daniel Siqueira, responsável por selecionar quem será levado para Manaus.
“A gente vê quais têm condições de voo, pois aqui em cima tem uma alteração na pressão, na temperatura, e isso afeta o quadro clínico do paciente. Dá tristeza, pois você acaba escolhendo quem vai viver e quem vai morrer”, assume.
Sobrecarga no sistema
No hospital estadual Platão Araújo, cada médico está responsável por 30 pacientes em média. Antes da epidemia, eram 11 por médico. “A nossa saúde já estava colapsada, com a chegada do COVID-19 realmente ficou insustentável. Hoje todos os prontos-socorros, pronto-atendimentos e unidades básicas de saúde fazem atendimento ao COVID-19”, explicou um profissional, que preferiu manter o anonimato.
Não há dados oficiais de quantos enfermeiros e técnicos de enfermagem faltam no Amazonas. O Ministério da Saúde já sabe que o Estado precisa de pelo menos mais 300 médicos. Há pouco mais de 5600 leitos na rede pública estadual, 466 de UTI. A taxa de ocupação delas nas últimas semanas variou de 95% a 97%. Até maternidades estão sendo utilizadas para pacientes em estado grave.
Ao longo da reportagem, os profissionais relatam salários atrasados. O governador do Amazonas, Wilson Lima, nega, alegando que o contrato prevê o pagamento em até 90 dias. “O último pagamento, que fizemos dia 23, foi de fevereiro, o que nos coloca em dia com esses débitos”.
Os profissionais afirmam ainda receberem apenas uma máscara por mês – quando o correto é troca-la a cada duas horas. “Estamos numa guerra muito grande para garantir EPIs para quem está na linha de frente. Faltam profissionais, tenho dificuldade de conseguir nesse momento, sobretudo intensivistas. Pelo menos 10% afastados por motivos de saúde”, continua o governador.
Indígenas
O vírus chegou às aldeias, como no Parque das Tribos, uma aldeia urbana que reúne 2500 indígenas de 35 etnias em Manaus. “Na maioria das famílias as mulheres são artesãs, e os homens, vivem de fazer bico, como pedreiro, auxiliares em alguma obra. Essas atividades foram afetadas”, conta a técnica de enfermagem Vanda Ortega.
“Fome total. Não tem como conseguir outra renda, de onde vir o dinheiro. A maior dificuldade hoje é a fome mesmo aqui na cidade”, desabafa o líder indígena Turi Sataré.
Colapso funerário
O número de enterros mais que triplicou. O serviço da prefeitura já não dá conta da demanda, que aumentou de 30 para 100. “Famílias abandonam o corpo dos parentes e ficam na casa de vizinhos e fora para os vizinhos até nossa equipe chegar”, conta Lenise Trindade, diretora departamento de proteção social. “Nem o primeiro mundo estava preparado para a demanda, imagine nós. Mas estamos dando o melhor para essas famílias”.