Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    1.000 dias da morte de Marielle Franco: o que se sabe até aqui

    A CNN refez parte do que aconteceu nos últimos 32 meses a partir de relatos de policiais, investigadores, parentes das vítimas e dos acusados

    Leandro Resendeda CNN



     

    Um crime que não acabou. Essa é a avaliação de quem, de alguma forma, teve a vida impactada pela morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, que completa 1.000 dias nesta terça-feira (8). A CNN refez parte do que aconteceu nos últimos 32 meses a partir de relatos de policiais, investigadores, parentes das vítimas e dos acusados, advogados e documentos anexados à investigação original e as outras que se desdobraram a partir dela. “É um caso muito maior do que a gente imagina”, resume a irmã de Marielle, Anielle Franco.

    Duas perguntas atormentam familiares e investigadores: houve um mandante para o crime? Se sim, qual a motivação? 1.000 dias depois, os investigadores ouvidos pela CNN não descartam nenhuma linha de apuração. Mas, sob reserva, admitem que podem jamais chegar a uma conclusão, face à complexidade do crime, às diversas tentativas de obstrução de justiça e a perda de tempo com linhas de investigação abertas, como se soube depois, a partir de mentiras de criminosos. Criticam, ainda, a tentativa da ex-procuradora geral da República Raquel Dodge de tentar federalizar as investigações – negada pelo Superior Tribunal de Justiça em maio.

    Leia também:
    Júri para réus por morte de Marielle só deve ocorrer no fim de 2021
    CNJ investigará desembargadora suspeita de espalhar fake news contra Marielle
    Agenda Marielle: 82 eleitos se comprometem com pautas de vereadora morta no Rio

    A ex-vereadora carioca Marielle Franco
    A ex-vereadora carioca Marielle Franco
    Foto: Divulgação

    Na busca por um mandante, uma das teses investigadas é de que Marielle foi morta como forma de vingança pela atuação do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL). Ambos trabalharam juntos quando ele presidiu a CPI das Milícias, em 2008. Nessa linha de apuração, há os nomes de dois ex-políticos Cristiano Girão e Domingos Brazão como possíveis mandantes – ambos negam envolvimento com o crime.

    Há, ainda, expectativa sobre outras investigações que não renderam frutos – como a apuração sobre a morte de um miliciano suspeito de ter clonado o carro usado no crime, ocorrida dias depois do atentado contra Marielle.

    Enquanto isso, seguem presos os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz desde março de 2019, o primeiro acusado pelo Ministério Público de ter feito os 13 disparos que mataram Marielle e Anderson; o segundo de dirigir o carro na noite do crime. Meses depois, agentes da Polícia Civil estiveram no presídio de Porto Velho (RO), onde a dupla está presa, para tentar fazer com que eles confessassem o crime. Não tiveram sucesso. “Para fazer o link entre a execução e o mandante, é necessária uma confissão. Muita gente foi presa por causa desta investigação. Ainda vão falar”, acredita uma das pessoas que atua no caso, sob anonimato. Ambos foram denunciados pelo MP e só devem ir a júri popular no final de 2021.

    Desdobramentos do caso
    A investigação do caso Marielle não chegou a uma conclusão sobre a existência ou não de um mandante, mas revelou uma estrutura sólida de atuação de milicianos e assassinos de aluguel no Rio de Janeiro. O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio entrou na apuração do crime em setembro de 2018 e conseguiu, enquanto procurava os assassinos, investigar e prender integrantes da milícia mais antiga do país – de Rio das Pedras, Zona Oeste, e comprovar a existência do Escritório do Crime, grupo de assassinos de aluguel por trás de diversos homicídios não esclarecidos no Rio. O grupo se reunia em uma padaria em Rio das Pedras chamada “Sabor da Floresta” e acertava como executar seus alvos.

    Foram essas apurações que jogaram luz sobre nomes como o do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como responsável por unir o comando da milícia à participação em grupo de extermínio. Alvo principal da Operação Intocáveis, deflagrada em janeiro de 2019, ele foi morto em uma operação na Bahia, neste ano, e virou assunto nacional quando vieram à tona as informações de que ele empregou parentes no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na época em que, segundo o MP, existiria um esquema de desvio de dinheiro (as “rachadinhas”).

    As duas investigações se conectaram. Foi durante o cumprimento de um dos mandados de busca e apreensão da Intocáveis, que mirou a milícia de Rio das Pedras, que foram encontradas, em um celular, mensagens usadas como prova do esquema das rachadinhas. A conversa é da ex-mulher de Adriano e ex-funcionária de Flávio Bolsonaro, Danielle da Nóbrega, com Fabrício Queiroz, apontado como “operador” do esquema das rachadinhas.

    Amigo e policial ao lado de Queiroz, em vida, Adriano fez fortuna com fazendas, cavalos e imóveis  – objeto de disputa familiar e alvo de outras investigações ainda em curso.

    A CNN levantou que foram realizadas, desde a morte de Marielle, pelo menos 8 operações e 70 prisões pelo MP e Polícia Civil do Rio em desdobramentos diversos das apurações iniciadas com o caso Marielle.

    “Até aqui, o grande mérito foi integrar todas as investigações, em parceria com Polícia Civil, Federal, e toda a estrutura do MP voltada para solucionar o caso. E ainda não paramos. A cada prova que encontramos, voltamos reavaliando todos os pontos na investigação, para ver o que faz sentido”, avalia Simone Sibilio, coordenadora do Gaeco.

    Marcelo Pasqualetti, um dos investigadores que atuou no caso, faz coro. “O caso Marielle jogou luz sobre todas as estruturas criminosas do Rio. Não fosse o esforço nesta história, vários criminosos estariam até hoje sem nenhum revés”.

    MP x Google
    O MP do Rio deposita parte de suas esperanças de encontrar um mandante e encerrar o caso em uma decisão judicial que obrigue o Google a fornecer uma série de dados que podem ajudar na identificação de um mandante para o crime.

    Depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concordar que o pleito dos investigadores não traz riscos à privacidade, a empresa entrou com novo recurso, agora no Supremo Tribunal Federal – o caso ainda não tem relator.

    O MP pede acesso aos dados de geolocalização de todos os usuários que estavam nos arredores do pedágio da Transolímpica, Zona Oeste do Rio, na noite de 2 de dezembro de 2018 – foi lá que foi visto pela última vez o carro usado pelos réus do duplo homicídio, e quer saber quem fez pesquisas sobre os locais em que Marielle estaria na semana anterior a sua morte.

    A sofisticação do crime, cujos executores só foram descobertos e denunciados após uso de diferentes técnicas de apuração, é um dos pontos de dificuldade levantados pelos investigadores para se chegar a um mandante. “O crime se ‘complexificou’. Não vamos encontrar uma ligação de alguém disso ‘mata lá pra mim’. Além disso, muita gente atrapalhou a apuração. Foram vários denunciados por obstrução de justiça e diversas pessoas que mentiram para desviar o foco”, afirma a promotora Letícia Émile, lembrando que, nos últimos 1000 dias, diversos criminosos jogaram a responsabilidade do crime nas costas uns dos outros, como forma de atrapalhar a apuração.

    Veja os destaques do CNN Brasil Business
    O dólar está quase voltando para a casa dos R$ 4 – vai cair ainda mais?
    Dólar perde força no mundo e pode cair ainda mais em 2021
    Guedes: ‘Não tem nada de fura teto’ e governo não quer flexibilizar gastos
    Conheça 6 shoppings de luxo pelo Brasil e o que oferecem entre lojas e atrações

    Outro lado
    Na cadeia de Porto Velho (RO), Ronnie Lessa vive dias difíceis e seu estado de saúde preocupa a família. Neste ano ele chegou a ter um princípio de derrame e está muito magro, aparentando fraqueza, de acordo com relatos feitos à CNN.

    Advogado que o defende, Bruno Castro acredita que o MP não tem provas suficientes para convencer o júri de que Lessa fez os disparos que tiraram a vida de Marielle e Anderson. “O MP vai para o júri se agarrando na comoção social do caso. Não há prova de que ele estava dentro do carro”, afirmou.

    Legado

    escadaria Marielle Franco, em Pinheiros, São Paulo
    Local conhecido como escadaria Marielle Franco, em Pinheiros, São Paulo
    Foto: Reprodução/Facebook

    Defender o legado de Marielle é um dos objetivos do Instituto que leva seu nome, administrado pela família. O coronavírus atingiu o clã, colocando no hospital o pai da vereadora, Antônio, que está internado em estado estável. Anielle, irmã da política, afirma que o que mais aflige a família é a demora por informações. Na última sexta-feira, ela se reuniu com as promotoras que investigam o crime.

    “Minha mãe é advogada, se reunia periodicamente com as promotoras. Desde que começou a pandemia os encontros reduziram, mas a agonia é grande. Será quem que mandou matar, será que teremos resposta, eles serão condenados? Confiamos nas promotoras do caso, mas não ficamos em silêncio”.

    Enquanto espera, Anielle tenta evitar que a memória da irmã seja maculada. “Só a rotulavam de vereadora de esquerda assassinada. Isso me incomodava. O lugar dela era de uma mulher negra de favela, e hoje o Instituto tem essa função, de inspirar mulheres negras.

    No ano que vem, ela prepara o lançamento da Escola Marielle, de formação política para mulheres e meninas negras de favela. “Será online, a partir do primeiro semestre. Para elas lerem autoras como a Angela Davis, conhecerem e entenderem a força que tem”, explica.

    Tópicos