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    Bienal de SP: entenda como mostra colocou a capital paulista no cenário mundial das artes

    De hoje a 10 de dezembro, 121 artistas, entre eles 37 brasileiros, vão ter suas obras expostas na 35ª Bienal de Arte de São Paulo no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera

    Diego Braga Nortecolaboração para a CNN

    São Paulo

    O local é nobre, belo e gigantesco. No Parque Ibirapuera, coração verde e um dos postais da capital paulista, situa-se o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, ou mais conhecido como Pavilhão da Bienal. Entre esta quarta-feira (6) e 10 de dezembro, 121 artistas, entre eles 37 brasileiros, vão ter suas obras expostas na 35ª Bienal de Arte de São Paulo, instalada no agradável prédio-conceito projetado por Oscar Niemeyer.

    Idealizado para ser um espaço expositivo, o pavilhão tem três pavimentos, um lounge no subsolo e um auditório que totalizam cerca de 30 mil metros quadrados. Rampas sinuosas, bem ao estilo das famosas curvas sexy adoradas por Niemeyer, mezaninos e enormes janelas proporcionam aos visitantes e artistas possibilidades múltiplas de trajetos e experiências. O próprio prédio já é uma obra de arte imersiva.

    Neste ano, a organização do evento optou por um quarteto de curadores, abolindo a figura do curador-chefe todo-poderoso e detentor da palavra final — algo facilmente identificado como uma figura autoritária e que vem caindo em desuso no mundo das artes, sobretudo no caso das grandes mostras. Os brasileiros Diane Lima e Hélio Menezes dividem a curadoria com a portuguesa Grada Kilomba e o espanhol Manuel Borja-Villel.

    O curador e coordenador do curso de artes plásticas e do programa  de residência artística da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), Marcos Moraes, explica que mesmo na Bienal de São Paulo, esse modelo de curadoria coletiva não é novo, mas é sempre bem-vindo.

    “Na 27ª Bienal, tinha a curadora-chefe Lisette Lagnado e cinco co-curadores. Mas ela atuava mais como uma mediadora da equipe, não como uma chefe tradicional. Ali já foi um trabalho bem coletivo”, conta. “Os curadores atuais são quatro profissionais com muito comprometimento com suas ideias, todos com trabalho relevantes. Estou curioso para ver o resultado”.

    Paredes temporárias foram instaladas no prédio da Bienal de São Paulo
    Paredes temporárias foram instaladas no prédio da Bienal de São Paulo / CNN

    Os frutos dessa composição mais diversa, com três pessoas negras e um branco como curadores, já estão presentes na escolha dos expositores. Da seleção atual, mais de 90% são de artistas não brancos e mais de 70% são de participantes vindos de países fora do circuito hegemônico da arte, formado por nações da Europa e Estado Unidos.

    “A arte precisa sempre de mais diferença. Compreender as diversidades e as diferenças nos ajudam a construir um mundo um pouco menos desigual”, diz Borja-Villel.

    Diretor desde 2008 do Museu Reina Sofía, em Madri, o espanhol conta que aceitou prontamente o convite para ser um dos curadores da atual edição. “Num museu, todo trabalho é coletivo, mas as decisões sempre começam por alguém. Aqui há um elemento diferente e era algo que nós quatro procurávamos, um trabalho horizontal desde o início até ao fim”, diz.

    Sobre a atual experiência, ele crê que é “um exercício de aprender o que cada um não sabe e também de desaprender o que achávamos sabermos”. Para o espanhol, o trabalho coletivo está refletindo bem o lema da atual edição, “Coreografias do impossível”.

    Os quatro curadores ficaram imersos num trabalho epistemológico, questionando seus saberes para construírem novos; e de governança, com decisões discutidas e negociadas, fazendo uma espécie de dança para equilibrarem opiniões e argumentos.

    São Paulo queria fazer parte do mundo

    A história da Bienal está intimamente ligada à história de São Paulo. A primeira edição, em 1951, aconteceu num dos períodos de maior industrialização (e riqueza) da cidade. Seus idealizadores, Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo Matarazzo, e sua mulher Yolanda Penteado, eram industriais e mecenas.

    O casal se inspirou na Bienal de Veneza para realizar um evento similar no país, uma grande mostra de arte contemporânea com artistas e obras de diferentes países — um panorama que almejava ser global, mas que em seu início priorizou artistas ocidentais, sobretudo europeus.

    Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado com convidados durante uma das primeiras Bienais de São Paulo / Bienal SP

    A criação da Bienal dialoga com os anseios da elite financeira e cultural da cidade de São Paulo em se globalizar e se integrar ao mundo. São contemporâneos da mostra, por exemplo, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – Masp (1947), o Teatro Brasileiro de Comédia – TBC (1948), o Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM (1949) e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949). Em menos de 5 anos, a capital paulista ganhou nada menos que cinco poderosos equipamentos de difusão e criação cultural.

    Em 1962, foi criada a Fundação Bienal de São Paulo, instituição privada sem fins lucrativos que ficou encarregada de organizar as mostras desde sua sétima edição até hoje. Pioneira em diversas frentes, a Bienal de São Paulo foi a primeira do hemisfério sul e segue sendo a maior exposição artística fora da Europa, inserindo São Paulo definitivamente no circuito das artes contemporâneas.

    Com a abertura para os artistas estrangeiros e o intercâmbio que as muitas edições já proporcionaram, sua influência e importância são até difíceis de serem mensuradas, mas incontestáveis.

    Depois das Bienais de Veneza e São Paulo, diversas cidades do mundo passaram a abrigar exposições do gênero, sempre grandiosas e realizadas a cada dois anos. Só para citar exemplos em três continentes: Sydney, na Austrália, tem a sua Bienal desde 1973; Gwangju, na Coreia do Sul, desde 1995; e Liverpool, na Inglaterra, desde 1998.

    Marcos Moraes conta que em todas as Bienais e grandes exposições que ele visita — incluindo a quinquenal (e gigantesca) Documenta de Kassel, na Alemanha, e as bienais de Gwangju, Sharjah (Emirados Árabes), Veneza, do Mercosul (em Porto Alegre), dentre outras —, há ao menos “meia dúzia” de artistas brasileiros.

    “É óbvio que a Bienal de São Paulo teve e tem um papel nessa promoção internacional das artes brasileiras, é uma vitrine e tanto”, afirma.

    Curador e coordenador do curso de artes plásticas e do programa  de residência artística da FAAP, Marcos Moraes / Divulgação

    O reflexo desse prestígio é notado não apenas entre os artistas, mas também para os curadores brasileiros. Muitos que passam pela Bienal recebem convites para organizarem exposições em outros países.

    A Bienal de Veneza, a maior e mais antiga bienal (desde 1895) do mundo, chamou o ex-curador da Bienal de São Paulo e atual diretor do Masp, Adriano Pedrosa, para organizar a próxima edição, de 2024. Pedrosa é o primeiro latino-americano a comandar a direção artística da talvez mais importante exposição de arte do mundo.

    Gratuita e formadora de novos públicos

    Voz dissonante entre os mais entusiastas, Tadeu Chiarelli, professor aposentado de Artes Visuais da USP (Universidade de São Paulo), ex-curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo e ex-diretor da Pinacoteca de São Paulo, acredita que a Bienal de São Paulo perdeu muito de seu protagonismo no âmbito brasileiro e internacional.

    “Há anos atrás ela era a grande oportunidade para que todos aqueles que se interessavam por arte pudessem ficar a par do que era produzido no Brasil e no exterior. A Bienal de São Paulo era a única da América do Sul e uma das poucas do mundo. Hoje a Bienal é apenas mais uma opção para se entrar em contato com a arte”, avalia.

    Para ele, a maior oferta de exposições, museus e galerias faz com que a Bienal tenha de repensar suas diretrizes para continuar com importância no cenário local e internacional.

    Mais otimista, Verena Pereira, doutora em Artes Visuais pela Unicamp com um estudo sobre a Bienal, crê que a mostra brasileira, ao longo de mais de 70 anos de existência, se “modificou para melhor” em termos de gestão, abrangência curatorial e artística.

    Pavilhão da Bienal, em São Paulo
    Pavilhão da Bienal, em São Paulo / Anne Barbosa/CNN Brasil

    “Hoje a Bienal não tem mais aquela visão até pretensiosa de ser um espelho do mundo. Ela tem uma proposta diferente, de fazer recortes e interpretações sobre um determinado tema”.

    Nessa evolução, a pesquisadora destaca dois pontos: o fato de a mostra ser gratuita e o forte engajamento com a educação que as Bienais têm.

    “A Bienal de São Paulo é um dos eventos que mais se beneficiam da Lei Rouanet, mas é também a única entre os grandes captadores que é totalmente gratuita. Isso é importantíssimo, pessoas de baixa renda não vão sequer ao cinema e arte é quase inacessível para eles”, avalia.

    Sobre o aspecto educacional, ainda que aponte algumas falhas, a pesquisadora afirma que o projeto educativo é hoje a “menina dos olhos da Bienal”. Neste sentido, a exposição promove uma série de visitas com mediação de arte-educadores para escolas públicas, edita uma publicação gratuita com tiragem de 10 mil exemplares para orientar professores e mediadores pelos itinerários da exposição e mantém ainda cursos e palestras sobre artes.

    Apesar do esforço da Fundação em formar novos públicos e tentar democratizar o acesso às artes, Pereira diz que, de maneira geral, as visitas guiadas são muito direcionadas.

    “Já fui a muitas Bienais e já vi muitas visitas que não eram uma proposição de o que as crianças estão achando sobre alguma obra; eram mais na linha: é isso que vocês precisam achar. O ideal seria as crianças e os adolescentes tirarem suas próprias conclusões”, critica a pesquisadora.

    Ela afirma que a Fundação, que “tem pessoas sensacionais cuidando da parte educativa, grandes estudiosos do assunto”, deveria melhorar o processo de treinamento dos mediadores da mostra.

    Mesmo com falhas, Moraes afirma que é papel das grandes mostras contribui no processo de formação do público.

    “Para mim, todo processo de difusão da produção artística faz parte desse papel. Acho que não é educar o sentido, talvez essa palavra possa ter um peso, mas mostras como a Bienal têm necessariamente que contribuir para a formação de pensamento crítico e reflexivo”, complementa Moraes.

    Ele ressalta que muitas vezes não é preciso entender uma obra, basta se sensibilizar com ela. “Não é um processo apenas racional, é emotivo e sensorial também. Sensibilizar as pessoas significa mostrar a elas outras perspectivas, outros olhares sobre um tema, um fato, um objeto. Eu acredito nisso, nesse papel e nesse potencial das exposições, não apenas da Bienal”.

    Serviço

    • 35ª Bienal de São Paulo – “coreografias do impossível”
    • Curadoria: Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel
    • De 6 setembro a 10 dezembro de 2023
    • Terças, quartas, sextas e domingos: das 10h às 19h (última entrada: 18h30)
    • Quintas e sábados: das 10h às 21h (última entrada: 20h30)
    • Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque Ibirapuera · Portão 3 – São Paulo, SP
    • Entrada gratuita