Artista japonesa de 93 anos pinta todos os dias em hospital psiquiátrico
Yayoi Kusama é a artista viva que mais vendeu peças no mundo e está com uma exposição em Hong Kong
A idade avançada e a pandemia do coronavírus pouco fizeram para deter a japonesa Yayoi Kusama.
Aos 93 anos, a artista viva que mais vendeu peças no mundo ainda pinta diariamente no hospital psiquiátrico em que ela se internou voluntariamente e vive desde os anos 1970.
Algumas de suas últimas criações aparecem ao lado de desenhos iniciais em uma nova exposição no museu M+ de Hong Kong.
Reunindo mais de 200 obras, “Yayoi Kusama: 1945 até agora” abrange sete décadas como a maior retrospectiva de sua arte na Ásia fora de seu país natal.
Mais conhecida por suas esculturas de abóbora e pinturas de bolinhas, que podem render milhões de dólares em leilão, o sucesso de Kusama disparou na última década.
As partes mais fotogênicas de sua obra – incluindo suas instalações imersivas “Infinity Mirror Room” (Quarto de Espelho Infinito, em tradução livre), cujos ingressos se esgotam em museus de todo o mundo – alcançaram o apelo popular na era das mídias sociais.
Desnecessário dizer que sua nova exposição em Hong Kong está repleta de locais “instagramáveis”. Mas o vice-diretor do museu, Doryun Chong, que co-curou a mostra, diz que espera que os visitantes aproveitem a oportunidade para mergulhar mais fundo.
“Kusama é muito mais do que esculturas de abóbora e padrões de bolinhas”, explicou. “Ela é uma pensadora de filosofia profunda – uma figura inovadora que realmente revelou muito sobre si mesma, sua vulnerabilidade (e) suas lutas como fonte de inspiração para sua arte”.
Infinito e além
Organizado cronologicamente e tematicamente, o programa explora conceitos que Kusama revisitou em vários meios ao longo de sua carreira.
A noção de infinito, por exemplo, aparece na forma de motivos repetitivos inspirados nas vívidas alucinações vividas na infância, quando via tudo ao seu redor consumido por padrões aparentemente infinitos.
Os visitantes têm uma noção de como essas formas evoluíram, começando em uma sala cheia de suas pinturas “Infinty Net” (Rede Infinita, em tradução livre) – incluindo um trabalho inovador que ela criou depois de ver o Oceano Pacífico pela primeira vez de uma janela de avião quando se mudou para o EUA do Japão em 1957.
Essas redes aparecem novamente em “Self-Obliteration” (Auto-obliteração, em tradução livre), uma instalação criada entre 1966 e 1974, um período depois que Kusama se estabeleceu no mundo da arte dominado por homens em Nova York, apesar da discriminação que enfrentou como mulher, e japonesa.
Ela acreditava que colegas do sexo masculino como Andy Warhol copiavam suas ideias sem crédito.
Composto por seis manequins ao redor de uma mesa de jantar, cada centímetro da escultura – desde as figuras humanas até os móveis e talheres – é coberto com pequenas pinceladas em looping.
O motivo ressurge mais tarde com um efeito ousado e vibrante, preenchendo os corpos de formas semelhantes a amebas em obras selecionadas de “My Eternal Soul” (Minha Alma Eterna, em tradução livre), uma série de centenas de pinturas acrílicas que ela começou em 2009 e concluiu no ano passado.
Eles aparecem na colorida seção “Force of Life” (Força da vida, em tradução livre) da retrospectiva, que imediatamente segue uma intitulada “Death” (Morte, em tradução livre), um contraste que fala tanto das dicotomias do trabalho de Kusama quanto das lutas internas que o sustentam.
“Hoje estamos muito acostumados com (as pessoas) falando sobre seus problemas de saúde mental, mas foi há 60 ou 70 anos que ela começou a fazer isso”, disse Chong.
“Isso realmente percorre toda a sua vida e carreira, mas nunca fica realmente em um lugar escuro. Ela sempre prova que, ao falar sobre a morte e até mesmo sobre seus pensamentos suicidas e doenças, ela reafirma e regenera sua vontade de viver”.
Em outro trecho, a exposição traz peças menos conhecidas do repertório da artista, trazendo à tona o que ela criou em meio à carreira, quando voltou ao Japão deprimida e desiludida. Entre eles está uma escultura de tecido de pelúcia preto e branco de 1976 chamada “Death of a Nerve” (Morte de um Nervo, em tradução livre).
Uma versão de 2022 da obra de arte, criada para M+ e ligeiramente renomeada como “Death of Nerves” (Morte dos Nervos, em tradução livre), também está em exibição.
Realizado em uma escala muito maior e renderizado em cores, ele incorpora uma sensação de resiliência e até otimismo em contraste com o original.
Um poema acompanhante reconhece que, após uma tentativa de suicídio, seus nervos ficaram “mortos e em frangalhos”.
Depois de algum tempo, porém, um “amor universal” começou a “percorrer todo o meu corpo”, escreveu ela; os nervos revividos “explodem em cores lindamente vibrantes … estendendo-se até o infinito da eternidade”.
“É uma peça incomum para Kusama porque a maioria das pessoas a associa às abóboras, ou às salas espelhadas, ou a formas mais pop, mas esta é uma escultura muito suave que ela sempre trabalhou, desde o início”, explicou Mika Yoshitake, um curador independente que trabalhou na mostra M+ com Chong, bem como em mostras anteriores de Kusama no Museu Hirshhorn em Washington, D.C. e no Jardim Botânico de Nova York.
“Acho que ela é incrível por conseguir sustentar sua força por meio da arte”, acrescentou Yoshitake, que viu Kusama pela última vez em 2018, antes da pandemia. “Ela está determinada a ter sua história contada”.
Pequeno, em comparação, é um grupo de 11 pinturas que a artista começou em 2021 e completou neste verão, chamado “Every Day I Pray for Love” (Todo Dia Eu Rezo por Amor, em tradução livre).
“Ela sempre disse ‘amar para sempre’, disse Yoshitake, especialmente durante esta pandemia”.
Em uma curta entrevista por e-mail com a CNN, Kusama explicou sua dedicação à sua arte.
“Eu pinto todos os dias”, disse ela. “Vou continuar criando um mundo maravilhado com a vida, abraçando todas as mensagens de amor, paz e universo”.
Desde a adolescência, Kusama lê poemas e literatura chinesa “com profundo respeito”, disse ela. Como tal, acrescentou, está “feliz” por ter o seu trabalho exposto em Hong Kong.
De acordo com o M+, a exposição já foi descrita como “a retrospectiva mais abrangente do trabalho do artista até hoje”, pelo curador e crítico Akira Tatehata, que atua como diretor do Museu Yayoi Kusama em Tóquio.
Tatehata, que visitou o museu em novembro, há muito apoia a artista e foi a comissária de sua representação individual do Japão na Bienal de Veneza em 1993.
O poder da arte cura
A retrospectiva também carrega um significado especial para o M+, que aproveitou a mostra para marcar seu aniversário de um ano.
Desde a sua concepção, há mais de uma década, o museu tem sido apresentado como a resposta da Ásia ao Tate Modern de Londres ou ao Museu de Arte Moderna de Nova York.
Quando finalmente foi inaugurado, no ano passado, enfrentou desafios únicos, desde a mudança do ambiente político de Hong Kong, que continua a aumentar as preocupações com a censura em setores como o das artes, até restrições pandêmicas que fecharam o museu por três meses e, até recentemente, impediam a maioria dos visitantes internacionais da cidade. Mas Chong vê o último, pelo menos, como “uma bênção disfarçada”.
“Para um museu global ter aberto e ser abraçado por nosso público local, em primeiro lugar, em seu primeiro ano, não poderia ter sido uma maneira melhor de começar o museu”, disse ele.
Recebendo recentemente seu visitante número 2 milhões, o M+ espera que a flexibilização das restrições à Covid permita que mais pessoas do exterior vejam sua vasta coleção, que inclui o maior acervo de arte contemporânea chinesa, e a exposição Kusama, que vai até maio.
“(Kusama é) a prova viva de que a arte é de fato uma terapia e tem um poderoso poder de cura”, disse Chong. “E essa é uma lição tão importante, especialmente para nós durante este período pós-pandemia”.