Viagem de Joe Biden a Israel é considerada de alto risco
Presidente norte-americano vai ao Oriente Médio em meio à guerra dos israelenses contra o Hamas; encontro na Jordânia com autoridades árabes e da Palestina foi cancelado
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, visitará Israel na quarta-feira (18) em meio à guerra do país com o grupo radical islâmico Hamas. A viagem representa riscos significativos para o líder norte-americano, que procura evitar o agravamento da crise no Oriente Médio.
Biden procura demonstrar apoio firme a Israel, que tenta eliminar o Hamas da Faixa de Gaza, mas, ao mesmo tempo, pressiona para haver aliviar no sofrimento humanitário na região.
Os assessores de Biden disseram que ele manifestou forte interesse em fazer a viagem depois de ter sido convidado, no fim de semana, pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que o americano conhece há quatro décadas.
Ele passou a segunda-feira (16) na Casa Branca deliberando sobre a viagem com os seus principais conselheiros em matéria de segurança nacional e de informações.
Em Telavive, o secretário de Estado, Antony Blinken, convocou uma maratona de sessões com altos funcionários israelenses para discutir a abertura de Gaza à ajuda humanitária e evitar que os civis sejam mortos na contraofensiva de Israel aos ataques terroristas do Hamas.
Ao anunciar a viagem de Biden, após mais de sete horas de negociações, Blinken disse que os Estados Unidos e Israel “concordaram em desenvolver um plano que permitirá que a ajuda humanitária de nações doadoras e organizações multilaterais chegue aos civis em Gaza”.
A visita de Biden terá por base a visita de sete países e vários dias de Blinken no Oriente Médio, em um momento em que os Estados Unidos tentam encontrar um equilíbrio delicado entre o apoio inabalável às operações militares de Israel e a atenuação da catástrofe humanitária em Gaza, impedindo que a guerra se estenda a outras frentes.
Biden irá “deixar claro que queremos continuar a trabalhar com todos os nossos parceiros na região, incluindo Israel, para obter assistência humanitária e, mais uma vez, para fornecer algum tipo de passagem segura para os civis saírem”, disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, na segunda à noite.
Antes da visita de Biden, não era claro se tinham sido feitos progressos na abertura da passagem de Rafah, no Egito – a única via viável de acesso a Gaza. Blinken disse que o acordo para trabalhar no plano foi feito a pedido dos EUA, e eles “saúdam o compromisso do governo de Israel em trabalhar neste plano”.
“É fundamental que a ajuda comece a chegar a Gaza o mais rapidamente possível”, disse Blinken, referindo que os EUA partilham “a preocupação de Israel de que o Hamas possa apreender ou destruir a ajuda que entra em Gaza ou impedir que esta chegue às pessoas que necessitam dela”.
“Se o Hamas impedir, de alguma forma, que a assistência humanitária chegue aos civis, inclusive confiscando a própria ajuda, seremos os primeiros a condená-lo. E trabalharemos para evitar que isso aconteça novamente”, afirmou.
Encontros cancelados
O Presidente dos EUA também viajaria para a Jordânia, onde se encontraria com o rei Abdullah II; o presidente Abdel Fattah el-Sisi, do Egipto; e o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.
No entanto, após um ataque a um hospital no norte de Gaza que deixou de 200 a 300 mortos nesta terça, Abbas cancelou sua presença. Em seguida, o encontro foi cancelado pela Jordânia.
Os três líderes condenaram, em conversas com Blinken nos últimos dias, a situação a que a Faixa de Gaza foi submetida por Israel.
Riscos da viagem
Os riscos de segurança de uma visita diplomática a Israel foram ilustrados na segunda-feira (16), quando Blinken, durante reunião com Netanyahu, foi forçado a se abrigar depois que sirenes aéreas alertaram a aproximação de mísseis.
Fontes oficiais da Casa Branca afirmaram ter ponderado cuidadosamente os riscos de uma visita presidencial e consideraram ser suficientemente segura para ser executada e anunciada com antecedência.
Visita de “importância estratégica”
Ao ponderar o convite de Netanyahu com a sua equipe, Biden percebeu o simbolismo de uma visita dele a Israel neste momento.
Além de uma demonstração de apoio a Israel, a viagem enviará um aviso a outros intervenientes na região, nomeadamente ao Irã e ao Hezbollah, no Líbano, para que não se envolvam mais no conflito.
Além disso, a visita Biden o liga mais estreitamente à resposta israelense em Gaza, incluindo as preocupações com uma crise humanitária crescente, e poderá funcionar como um apoio sem ruídos às decisões de Netanyahu.
A pressão sobre Biden para que encoraje a contenção da guera foi evidente na segunda em frente à Casa Branca, onde um grande protesto liderado por grupos judeus progressistas o exortou a pressionar por um cessar-fogo. Cânticos altos podiam ser ouvidos do lado de dentro dos portões.
O conflito obriga uma nova avaliação das prioridades imediatas da administração Biden em matéria de política externa: a recrudescência da violência no Oriente Médio ocupará agora a maior parte do tempo do presidente, pelo menos a curto prazo.
Embora Biden tenha evitado encorajar um cessar-fogo (a palavra não foi usada na resposta dos EUA até agora) ele emitiu avisos sobre a proteção das vidas de civis, e falou disso também durante ligações telefônicas com Netanyahu.
Ir pessoalmente a Israel pode proporcionar a Biden (que há muito defende a importância de reuniões presenciais) uma oportunidade de transmitir esses pontos de vista ao seu homólogo israense, um líder com quem acredita ter um profundo entendimento.
Antes do início da guerra de Israel, Biden e Netanyahu estavam planejando um visita na Casa Branca, um convite pessoal que Biden fez quando os dois se encontraram pela última vez em Nova York (foto no topo do texto).
Já nos seus telefonemas, os dois discutiram a importância de respeitar as regras da guerra. Numa entrevista que foi ao ar no domingo, Biden fez sua declaração mais pública no sentido de conter a escalada da guerra, dizendo que seria um “erro” Israel tentar reocupar Gaza.
Falando aos jornalistas na segunda, um porta-voz das Forças de Defesa de Israel disse que a visita de Biden teria “importância estratégica” para todo o Médio Oriente.
“O mais alto representante dos EUA vem a Israel para um relatório completo sobre a guerra no Oriente Médio e todas as medidas que temos de tomar”, disse o Contra-Almirante Daniel Hagari aos jornalistas.
“Neste momento, estamos concentrados em Gaza e nas medidas que vamos tomar para nos prepararmos para a guerra, e é assim que vamos progredir”, acrescentou.
Oficiais dos EUA dialogam com os seus homólogos na região
Desde o seu primeiro telefonema com Netanyahu no fim de semana passado, Biden manifestou a sua preocupação com a possibilidade de se abrir uma frente a norte ao longo da fronteira de Israel com o Líbano, onde o Hezbollah, apoiado pelo Irã, tem se envolvido esporadicamente com as forças israelenses.
O conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, disse no domingo que a administração estava empenhada na diplomacia de bastidores com Teerã para enviar a mesma mensagem que tem transmitido publicamente sobre a não escalada da crise.
Para Biden e a sua equipe, os riscos de um conflito maior incluem o potencial envolvimento dos meios militares americanos na defesa de Israel.
Embora a Casa Branca tenha afirmado repetidamente que não há planos para enviar tropas americanas para Israel – em parte porque Israel não o quer – existe a possibilidade de os meios aéreos e navais dos EUA se envolverem ainda mais se eclodir uma guerra em várias frentes.
No fim de semana, Biden ordenou o envio de um segundo grupo de porta-aviões dos EUA para o Mediterrâneo oriental. A força militar destina-se a enviar um sinal ao Irã para que se mantenha afastado.
No entanto, nos bastidores, Biden e a sua equipe estão discutindo as várias possibilidades em caso de escalada da crise. “Não podemos excluir que o Irã decida se envolver diretamente. Temos de nos preparar para todas as contingências possíveis”, disse Sullivan à CBS.
O surto de violência está a forçar a administração Biden a se envolver estreitamente com atores da região com histórico de violações flagrantes dos direitos humanos.
Os funcionários dos EUA têm discutido ativamente com os seus homólogos do Egito a criação de um corredor humanitário que permita aos civis – incluindo centenas de cidadãos americanos – escapar aos ataques contra-ofensivos de Israel em Gaza. Mas esses esforços ainda não deram frutos.
Durante o fim de semana, o sul de Gaza foi palco de cenas de caos e confusão, onde as famílias que tentavam sair, descobriram que a passagem de Rafah, entre Gaza e o Egito, continuava fechada, apesar de lhes ter sido dito anteriormente que haveria uma janela de meio-dia para sair.
A questão tinha sido um dos principais tópicos de discussão entre Blinken e o presidente do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi. E, após encontro presencial deles, Blinken prometeu no domingo que “Rafah estará aberta”.
A viagem frenética de vários dias de Blinken à região também incluiu uma paragem na Arábia Saudita, um país que Biden, como candidato presidencial, prometeu tornar um “pária” no cenário global após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.
Este cortejo direto e rápido com os líderes mais fortes do Oriente Médio é um sinal claro da determinação do governo norte-americano em evitar que o conflito se alastre para além das fronteiras de Israel.
Biden na Ucrânia
A última vez que Biden fez uma viagem de última hora e altamente secreta ao estrangeiro foi em fevereiro, quando foi a Kiev, na Ucrânia, próximo ao aniversário de um ano da invasão russa.
Com apenas um pequeno grupo de alguns dos seus conselheiros mais importantes e apenas um repórter e um fotógrafo – o presidente atravessou discretamente, de comboio, a fronteira entre a Polônia e a Ucrânia para entrar numa zona de guerra ativa.
A visita foi uma demonstração de solidariedade com o povo ucraniano e o presidente Volodymyr Zelensky, que a Casa Branca esperava que se traduzisse também mensagem para que os aliados dos EUA continuassem a apoiar a causa da Ucrânia.
Mas, ao contrário da sua visita à Ucrânia no início do ano, o deslocamento a Israel nesta semana marca uma decisão notavelmente rápida de visitar o país apenas alguns dias após o início da guerra.
Aqueles que conhecem a relação de décadas de Biden com Netanyahu dizem que é evidente que a resposta dos EUA aos ataques do Hamas está a ser moldada em grande medida pela amizade pessoal deles – e pelo seu desejo de demonstrar o seu apoio inequívoco ao primeiro-ministro.
*Publicado por Pedro Jordão, com informações da CNN Portugal