Venezuela vai às urnas neste domingo em eleição sem partidos de oposição
País escolhe 277 deputados; Juan Guaidó boicotou o pleito e não renovará mandato
A Venezuela vai às urnas neste domingo (6) eleger os 277 deputados que compõem a Assembleia Nacional e o Conselho Nacional Eleitoral.
A escolha é restrita, no entanto, já que a coalizão de partidos de oposição, chamada Mesa da Unidade Democrática, alegou irregularidades no planejamento, disse que o resultado provavelmente será fraudulento e concordou em não participar do pleito.
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Vinte e sete partidos assinaram o acordo de boicote, inclusive os quatro maiores de oposição: Vontade Popular, Primeiro Justiça, Ação Democrática e Um Novo Tempo. O grupo, do qual Juan Guaidó é uma das lideranças, fará uma consulta popular sobre o pleito, que começou no sábado (5) e irá até o dia 12.
Sem participar da eleição e renovar o mandato, Guaidó perde o posto de presidente do Legislativo e do país, cargo para o qual se autoproclamou.
Os opositores criticam que o Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo governo de Nicolás Maduro, tenha definido os integrantes do Conselho Nacional Eleitoral, algo que afirmam ser atribuição da Assembleia.
Em junho, a Organização dos Estados Americanos (OEA) rechaçou o que chamou de “designação ilegal do Conselho Nacional Eleitoral”, e disse que a independência dos órgãos é fundamental para ter eleições “justas, livres e transparentes”.
A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, afirmou em julho que a decisão do Tribunal Supremo de Justiça” diminui a possibilidade de construir condições para processos eleitorais democráticos e com credibilidade”.
A União Europeia e os Estados Unidos também se manifestaram de maneira semelhante.
Em novembro, Maduro disse que reconhecerá os resultados da eleição, “seja quem ganhar”. Ele também criticou as afirmações dos órgãos internacionais. “Nós não interferimos nos negócios internos dos Estados Unidos. E nós odiamos quando eles fingem dar lições de democracia para o mundo”.
A importância dessa eleição
Mesmo com maioria na Assembleia, a oposição não conseguiu levar suas ideias a cabo no mandato que se encerra agora. Qual é, então, a importância da eleição parlamentar?
A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carolina Pedroso, explica.
“Quando a Assembleia assume em 2016, aconteceu um duplo movimento: o Tribunal começou a fazer com que todas as leis propostas sejam inconstitucionais e o presidente decretou estado de emergência por conta da crise econômica, que permite que ele legisle de maneira emergencial, para fazer reformas sem passar pelo Congresso”, diz.
Ainda assim, Carolina avalia que o grupo teve papel essencial. “Mesmo que não tenha conseguido fazer muita coisa, por ser tolhido, só por ser maioria, foi suficiente para incomodar, tanto que Maduro convocou uma Constituinte para ter um poder legislativo a seu favor. Foi suficiente para criar uma nova liderança política, o Guaidó, que era desconhecido, um deputado local, e se tornou um porta-voz da oposição mundialmente reconhecido”, afirmou. “Não foi um poder legislativo, mas foi um poder diplomático importante”.
O governo atual está apostando todas as fichas na reconquista da maioria nesta eleição, o que compensaria a dissolução da Constituinte, prevista para 31 de dezembro deste ano.
Com o boicote dos partidos, a professora avalia esse grupo perderá força. “O governo Maduro ganha um fôlego interno maior”, declarou.
‘Oposição consentida’
No entanto, essa não é a única oposição contra Maduro. “O que vamos ver nessa eleição é uma força de esquerda que não é a favor de Maduro, que não o veem como um herdeiro à altura de Chávez, que condenam as medidas econômicas que fizeram os mais pobres passarem fome. Vamos ver até que ponto essa oposição vai conseguir se articular”, disse Carolina.
“O governo Maduro tem sido mais repressivo contra essa esquerda dissidente do que contra a própria direita. Esse grupo cada vez tem repercussão maior nas eleições.”
O professor de Relações Internacionais e Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Vinicius Rodrigues Vieira fala no mesmo sentido. “Um caminho razoável [para o fim do governo Maduro] é pensar na oposição mais moderada. Como ocorreu na ditadura aqui no Brasil, dadas as ressalvas, que quem derrubou foi a oposição consentida. Talvez a Venezuela passe por um caminho análogo, em eleições futuras e com a manutenção mínima das condições democráticas”, disse.
“Talvez essa oposição consiga abrir pontes com os militares, um ponto em que Guaidó falhou. A preocupação dos militares é em serem absolvidos, como ocorreu no Brasil durante a ditadura. Quando ficou claro que haveria a lei da Anistia foi quando ficou mais claro o caminho do regime consentindo com o seu próprio fim”, afirmou.
Vinicius diz, porém, que qualquer que seja o resultado, não haverá redução na tensão entre Brasil e Venezuela. “É interessante observar o que vai acontecer, já que Guaidó não pode se reeleger e não terá força para manter legitimidade de autoproclamado. Como os países que tinham reconhecido Guaidó como presidente vão lidar com esses fatos novos, já que deixaram de reconhecer Maduro? O grande fiador do Guaidó, que foi Trump, está de saída”, questiona, dizendo que ainda não há resposta clara.
Num país em que o voto não é obrigatório, as pesquisas eleitorais antecipam uma abstenção de mais de 70%.
O resultado deve ser divulgado ainda nesta noite.