Turistas descrevem horror após sobreviverem a erupção em ilha na Nova Zelândia
Erupção de vulcão aconteceu em 2019 em Whakaari, ou Ilha Branca, e matou 22 pessoas; Julgamento das empresas de turismo e proprietários da ilha começou e deve durar 16 semanas
Sobreviventes de um dos piores desastres naturais da Nova Zelândia descreveram a dor lancinante de serem atingidos por areia, cinzas e rochas durante uma erupção vulcânica em Whakaari, ou Ilha Branca, em 2019, que matou 22 pessoas.
As evidências foram ouvidas esta semana durante um julgamento criminal apresentado pela WorkSafe, órgão regulador de saúde e segurança do país, contra seis partes, incluindo três irmãos donos da ilha, que já foi um destino turístico popular a 48 quilômetros da ilha norte da Nova Zelândia.
Quarenta e sete pessoas estavam em Whakaari, o nome tradicional maori da ilha, no momento da erupção, incluindo recém-casados e famílias, que morreram ou sofreram queimaduras graves.
Por vídeo, na Austrália, a turista Annie Lu disse ao tribunal na quinta-feira (13) que reservou uma excursão à ilha com sua mãe depois de ler sobre isso em um folheto e disse que não foi avisada até que estivessem na ilha que o vulcão estava no “nível dois”.
“Não houve menção de que as coisas poderíam ser perigosas”, disse ela.
De acordo com o sistema de alerta vulcânico de seis níveis da Nova Zelândia, o nível dois significa “agitação vulcânica moderada a elevada” com potencial para uma erupção.
Os turistas foram equipados com capacetes e máscaras de gás, mas não foram instruídos a usar ou trazer nada de especial além de sapatos fechados e roupas que os cobrissem, conta Lu. “A impressão que tivemos basicamente foi de que era apenas um dia casual”, disse.
Mas o que aconteceu foi uma provação horrível que deixou Lu com queimaduras em 38% de seu corpo, exigindo vários enxertos de pele que deixaram marcas nas únicas partes de seu corpo que não haviam sido queimadas.
“Estava apenas queimando”
No dia da erupção, Lu disse que sua mãe notou uma nuvem negra no céu, então elas ouviram alguém gritar: “corram”.
O vídeo reproduzido no tribunal mostrou enormes nuvens de cinzas diminuindo o tamanho do grupo de turistas, que tinham sido escoltados por guias turísticos do cais, onde o barco atracou, até a cratera.
Lu disse que a primeira rajada de vento soprou seu capacete e, ao mergulhar para se proteger atrás de uma formação rochosa, ela segurou a máscara de gás contra a boca. O que aconteceu a seguir infligiu ondas de dor quase indescritíveis, disse Lu.
“É como areia e pedras, que estavam sendo jogadas em mim, atingissem todos os lugares. Doeu muito, muito mesmo”, disse ela. “Estava apenas queimando. Eu nunca senti nada assim antes. Era como se alguém aquecesse algumas agulhas até que ficassem quentes como ferro e depois enfiasse tudo em você. É como você abrir um forno e o calor te atingir. É mais ou menos assim, mas mil vezes pior”.
O tribunal ouviu uma entrevista gravada que Lu deu à polícia vários meses após o desastre e, na quinta-feira, ela foi solicitada a acrescentar mais detalhes sobre as consequências da erupção.
“Não havia instruções ou planos claros, todos simplesmente seguiram o instinto de lutar ou fugir e correram diretamente para o cais”, disse ela.
Lu disse que entrou na água para impedir que suas perneiras derretessem em sua carne. A atenção médica no barco era “muito limitada”, acrescentou ela, e o abastecimento de água ficava escassa enquanto as pessoas tentavam lavar as cinzas da pele. Lu disse ao tribunal que a erupção a mudou “fisica e mentalmente”.
Antes do desastre, ela trabalhava na indústria da moda. Depois disso, ela teve que tirar uma folga para se curar e não pode mais voltar. “Eu tive uma mudança completa de carreira porque, você sabe, por mais difícil que pareça, a indústria da moda é toda sobre aparências”, disse ela.
Nuvem negra silenciosa
Mais cedo, o tribunal ouviu depoimentos dos turistas americanos Matthew e Lauren Urey, que estavam em lua de mel e reservaram uma excursão à ilha por meio da Royal Caribbean Cruises.
Matthew Urey disse que o mar estava extremamente agitado durante o pequeno passeio de barco até a ilha e muitos passageiros ficaram enjoados. Ele disse que os turistas foram informados de que o nível de atividade do vulcão estava elevado, o que significava que eles não podiam ir a algumas áreas da ilha.
“Falaram que teríamos respiradores para nosso conforto. Isso é tudo que me lembro deles dizendo sobre a ilha enquanto estávamos no barco”, disse ele. “Eles podem ter dado algumas outras informações, mas não me lembro de nada específico”.
Na ilha, Urey disse que os guias conduziram o grupo até a borda da cratera, onde passaram cerca de 10 minutos antes de caminhar lentamente de volta.
“Lembro-me de alguém gritando, ‘olha’ e eu olhei e vi uma nuvem negra muito grande saindo do vulcão. E foi aí que nos disseram para correr”, disse ele.
Lauren Urey disse que a nuvem negra ondulante estava silenciosa, mas enquanto ela e o marido se escondiam atrás de uma rocha, eles ouviram um “estrondo alto” quando o vulcão entrou em erupção e então gritos. “Gritos por socorro e gritos de agonia”, disse ela em seu depoimento.
Matthew Urey disse que lutou para respirar quando eles foram envolvidos por ondas de calor que os promotores estimam que atingiram 100 graus Celsius ou mais. “Não sei se era vapor ou cinza quente, mas estava em cima de nós”, disse ele.
Quando o céu clareou, os sobreviventes atravessaram uma espessa camada de cinzas para chegar ao pequeno barco inflável ancorado no cais.
“Algumas pessoas não ficaram tão feridas quanto outras, então algumas pessoas conseguiram entrar no barco com muito mais facilidade do que outras. (Algumas pessoas) estavam pulando e empurrando outras pessoas para o lado”, disse Lauren Urey.
Desde aquele dia, o casal passou por várias cirurgias e enxertos de pele.
“Queríamos ter dois filhos, mas agora sou considerada de alto risco, se decidir ter filhos”, disse Lauren Urey. “Portanto, isso afetou a mim, meu marido e nossas famílias muito mais além de apenas nossos ferimentos físicos”, disse ela ao tribunal.
As seis partes que lutam contra as acusações incluem três irmãos proprietários da ilha, Andrew, Peter e James Buttle e sua empresa Whakaari Management Ltd (WML), bem como a ID Tours New Zealand Ltd e a Tauranga Tourism Services Ltd.
A promotora da WorkSafe, Kristy McDonald KC, disse ao tribunal que os passageiros de navios de cruzeiro “não receberam informações sobre saúde e segurança antes de iniciar o passeio” e que a WML falhou em seu dever de cuidar dos turistas que visitam a ilha.
Em 2019, ela disse que a WML estava obtendo um lucro anual de aproximadamente 1 milhão de dólares neozelandeses (cerca de R$ 3,06 milhões) com o turismo na ilha, mas não foi gasto o suficiente para garantir a segurança das instalações.
“A WML foi obrigada a entender os riscos do que estava fazendo. Nunca se preocupou em entender os riscos adequadamente”, disse ela.
The Buttles e a WML negam as acusações. Em outra audiência judicial que buscava a retirada das acusações, o advogado dos Buttles, David Neutze, disse que os irmãos tinham pouco controle sobre os tours, de acordo com a afiliada da CNN, Radio New Zealand.
Cinco organizações já se declararam culpadas e aguardam sentença, incluindo Volcanis Air Safaris, Aerius, Kahu NZ e White Island Tours. A agência científica neozelandesa GNS se declarou culpada de uma acusação de não consultar os pilotos de helicóptero sobre os riscos e teve uma acusação arquivada.
A operadora de voos fretados de luxo Inflite se declarou culpada no ano passado e foi multada em 227.500 dólares neozelandeses (R$ 695 mil), mais custas judiciais. As alegações acarretam uma multa máxima de 1,5 milhão de dólares neozelandeses (pouco mais de R$ 4,5 milhões). O julgamento deve durar 16 semanas.