Tribunal decide que Vaticano não pode ser processado em caso de abuso sexual
Julgamento ocorre em um momento em que a Igreja Católica enfrenta processos sobre abusos sexuais, com um número crescente de sobreviventes lutando por justiça
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR, na sigla em inglês) decidiu nesta terça-feira (12) que o Vaticano não pode ser processado nos tribunais da Europa porque é um estado soberano. A decisão foi tomada na análise de um processo de sobreviventes de abusos cometidos pelo clero católico.
Um grupo de 24 sobreviventes de abusos na Bélgica, França e Holanda tentou processar a Santa Sé e os líderes da Igreja Católica em tribunais belgas a partir de 2011.
Segundo justificou o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no entanto, os tribunais da Bélgica decidiram que não tinham jurisdição sobre o Vaticano.
O julgamento ocorre em um momento em que a Igreja Católica enfrenta processos sobre abusos sexuais, com um número crescente de sobreviventes lutando por justiça. Foi o primeiro caso da convenção europeia a lidar com a imunidade da Santa Sé, disse o tribunal.
Os sobreviventes de abusos — que disseram ter sido violentados por padres quando eram crianças — lutaram para entrar no sistema judiciário belga antes de levarem o processo ao tribunal europeu em 2017, disse o ECHR.
Segundo o grupo, foi negado o direito de acesso a um tribunal, nos termos do artigo 6 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, que afirma que todos têm direito a um julgamento justo.
Os requerentes entraram com uma ação coletiva no Tribunal de Primeira Instância de Ghent, na Bélgica, em julho de 2011. Eles alegaram que os réus deveriam ser obrigados a pagar 10 mil euros (cerca de R$ 64 mil) como indenização a cada sobrevivente “devido à política de silêncio da Igreja Católica sobre a questão do abuso sexual”.
Em outubro de 2013, no entanto, o Tribunal de Ghent recusou a jurisdição em relação à Santa Sé, disse a decisão.
Na terça-feira, o ECHR decidiu por 6 votos a 1, dizendo que o Vaticano é um estado soberano que não pode ser processado, e que não houve nada “irracional ou arbitrário” nos tribunais belgas adotando essa posição.
A decisão do tribunal, no entanto, não é final e qualquer parte pode solicitar um recurso, conhecido como “revisão da Grande Câmara”, dentro de três meses da decisão.
Relatório histórico sobre abusos sexuais
Na semana passada, um relatório histórico descobriu que o clero católico da França abusou sexualmente de cerca de 216 mil menores nas últimas sete décadas, e que a Igreja priorizou a proteção da instituição sobre as vítimas instadas a permanecer em silêncio.
O número de menores abusados sobe para cerca de 330 mil incluindo vítimas de pessoas que não eram clérigos, mas tinham outros vínculos com a Igreja, como escolas católicas e programas para jovens, de acordo com o relatório.
Estima-se que entre 2,9 mil e 3,2 mil abusadores trabalharam na Igreja Católica Francesa entre 1950 e 2020, de um total de 115 mil padres e outros clérigos, concluiu o relatório.
No dia seguinte ao seu lançamento, o Papa Francisco chamou o relatório de “um momento de vergonha” e pediu aos líderes da Igreja que garantam que “tragédias semelhantes” nunca mais aconteçam.
Francisco também assegurou aos sobreviventes de abuso sexual suas orações e disse: “Desejo expressar minha tristeza e minha dor às vítimas pelo trauma que sofreram e também minha vergonha, nossa vergonha, minha vergonha pela longa incapacidade da igreja para colocá-los no centro de suas atenções”.
Alegações de abuso em andamento
Embora a Igreja tenha dado “passos importantes” para prevenir a violência sexual nos últimos anos, o relatório os descreveu como reativos e insuficientes, alertando que embora “esses atos de violência estivessem em declínio até o início dos anos 1990, eles pararam de diminuir.
O abuso de menores dentro da Igreja é responsável por cerca de 4% de toda a violência sexual na França, de acordo com Jean-Marc Sauvé, presidente da Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja (CIASE), autor do relatório.
O papa não abordou diretamente as alegações de abusos em curso em seus comentários na quarta-feira passada, com alguns sobreviventes e defensores dizendo que mais ações são necessárias para reformar uma instituição atormentada pela exploração sexual que só tem de responder a si mesma.
Anne Barrett Doyle, codiretora da BishopAccountability.org, que faz campanha por sobreviventes de abusos cometidos pelo clero católico, disse que a decisão dessa terça-feira (12) é “um lembrete irritante da impunidade do Vaticano, possibilitada por seu status de Estado soberano. As noções endossadas por a decisão, de que o Papa não é o chefe de seus bispos e que a Santa Sé não autorizou o encobrimento dos abusos pelos bispos, é comprovadamente falsa”.
Doyle acrescentou em um comunicado: “A dupla identidade da Igreja como religião e Estado permite que ela mude de forma de acordo com a ameaça que enfrenta nos tribunais. Nenhuma outra instituição religiosa desfruta do mesmo buffet de proteções legais. O resultado é que a igreja foge repetidamente da justiça e seus incontáveis milhões de vítimas sofrem”.
Vaticano absolve acusados de abuso
Na semana passada, um tribunal do Vaticano absolveu um ex-coroinha sob a acusação de que ele abusou sexualmente de um colega estudante em um seminário localizado na Cidade do Vaticano.
Fr. Gabriele Martinelli, hoje com 29 anos, era estudante no Seminário São Pio X na época em que ocorreram os supostos abusos, de 2007 a 2012. Martinelli foi acusado de molestar um estudante mais jovem quando ambos eram menores.
Além de Martinelli, o ex-reitor do seminário, padre Enrico Radice também foi absolvido das acusações de encobrimento. O julgamento foi o primeiro desse tipo a lidar com abusos alegadamente cometidos no Vaticano.
O Seminário São Pio X acolhe meninos de 12 a 18 anos que estão considerando o sacerdócio e que servem à missa na Basílica de São Pedro.
Em maio, Francisco ordenou que o seminário encontrasse uma nova casa fora do Vaticano.
(*Esse texto foi traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês)