Tempo para evitar catástrofe climática está se esgotando, aponta relatório da ONU
Concentrações de poluição de carbono na atmosfera estão em seu nível mais alto em mais de dois milhões de anos
O mundo está se aproximando rapidamente de níveis catastróficos de aquecimento, com metas climáticas internacionais longe de serem cumpridas, a menos que uma ação radical e imediata seja tomada, de acordo com um novo relatório divulgado pela ONU.
“A bomba-relógio climática está funcionando”, disse António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, num comunicado para marcar o lançamento do relatório de síntese do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) nesta segunda-feira (20).
“A humanidade está em gelo fino – e esse gelo está derretendo rapidamente”, acrescentou.
O relatório baseia-se nas descobertas de centenas de cientistas para fornecer uma avaliação abrangente de como a crise climática está se desenrolando.
A ciência não é nova – o relatório reúne o que o IPCC já estabeleceu em um conjunto de outros relatórios ao longo dos últimos anos – mas mostra uma imagem muito dura de para onde o mundo está caminhando.
“Este relatório é a avaliação mais terrível e preocupante até agora dos impactos climáticos crescentes que todos enfrentamos se mudanças sistêmicas não forem feitas agora”, disse Sara Shaw, coordenadora do programa Friends of the Earth International, em um comunicado.
Os impactos da poluição que aquece o planeta já são mais graves do que o esperado e estamos caminhando para consequências cada vez mais perigosas e irreversíveis, diz o relatório.
Embora o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais ainda seja possível, observou o relatório, o caminho para alcançá-lo está se fechando rapidamente à medida que a produção global de poluição do aquecimento do planeta continua a aumentar – as emissões cresceram em quase 1% no ano passado.
As concentrações de poluição de carbono na atmosfera estão em seu nível mais alto em mais de dois milhões de anos e a taxa de aumento de temperatura no último meio século é a mais alta em 2.000 anos.
Os impactos da crise climática continuam a recair mais fortemente sobre os países mais pobres e vulneráveis que menos fizeram para causá-la.
“Nosso planeta já está sofrendo com os impactos climáticos severos, desde ondas de calor escaldantes e tempestades destrutivas até secas severas e escassez de água”, disse Ani Dasgupta, presidente e CEO do World Resources Institute, em um comunicado.
A maior ameaça à ação contra a mudança climática é o vício contínuo do mundo em queimar combustíveis fósseis, que ainda representam mais de 80% da energia mundial e 75% da poluição do planeta causada pelo homem.
Apesar da Agência Internacional de Energia dizer em 2021 que agora não pode haver novos desenvolvimentos de combustíveis fósseis se o mundo cumprir os compromissos climáticos, os governos continuam a aprovar projetos de petróleo, gás e carvão.
O governo Biden acaba de dar luz verde ao extremamente controverso projeto de perfuração de petróleo Willow no Alasca. Uma vez operacional, é projetado para produzir petróleo suficiente para liberar 9,2 milhões de toneladas métricas de poluição de carbono por ano – o equivalente a adicionar 2 milhões de carros movidos a gasolina às estradas.
A China está planejando uma enorme expansão do carvão – o mais sujo dos combustíveis fósseis.
Em 2022, concedeu licenças para produção de carvão em 82 locais, o equivalente a iniciar duas grandes usinas a carvão a cada semana, de acordo com um relatório do mês passado.
Mas o relatório desta segunda-feira também estabeleceu caminhos para manter o mundo no caminho certo para limitar o aquecimento a 1,5 grau. “Este relatório do IPCC é tanto uma condenação contundente da inação dos principais emissores quanto um plano sólido para um mundo muito mais seguro e igualitário”, disse Dasgupta.
Evitar mudanças climáticas catastróficas exigirá mudanças radicais em todos os setores da economia e da sociedade, de acordo com o relatório.
Ele pediu cortes profundos nos níveis de poluição que aquecem o planeta, afastando-se dos combustíveis fósseis e investindo em energia renovável.
Ele enfatizou a necessidade de maior investimento para construir resiliência e maior apoio financeiro para pessoas que lutam com perdas relacionadas ao clima, especialmente nos países mais vulneráveis.
O relatório também pediu medidas para remover o carbono do ar, inclusive por meio de tecnologias como “captura direta de ar” – removendo o carbono diretamente do ar e armazenando-o, possivelmente injetando-o no subsolo.
No entanto, essa tecnologia permanece divisiva, pois alguns acreditam que ela desvia a atenção das políticas para reduzir a poluição que aquece o planeta.
“No meu país, Sri Lanka, os impactos das mudanças climáticas estão sendo sentidos agora. Não temos tempo para perseguir contos de fadas como tecnologias de remoção de carbono para sugar o carbono do ar”, disse Hemantha Withanage, presidente da Friends of the Earth International, em um comunicado.
Guterres pediu a todos os países que “acelerem massivamente os esforços climáticos” e, especificamente, que os países ricos apertem “o botão de avanço rápido” nos compromissos para atingir o zero líquido – o que significa remover da atmosfera o máximo de poluição causada pelo aquecimento de plantas conforme eles emitem.
Pela primeira vez, ele disse que os países desenvolvidos devem atingir o zero líquido o mais próximo possível de 2040, muito antes do prazo de 2050 que muitos países – incluindo os EUA e o Reino Unido – se comprometeram a cumprir.
“O relatório do IPCC de hoje é um guia prático para desarmar a bomba-relógio climática”, disse Guterres. “Mas será um salto quântico na ação climática”, acrescentou.
O relatório, assinado no fim de semana por representantes de quase 200 países membros da ONU, será utilizado na próxima conferência climática das Nações Unidas, a COP28, em Dubai no final do ano.
A conferência incluirá o primeiro “balanço global” do Acordo Climático de Paris, uma avaliação do progresso para enfrentar a crise climática e evitar a catástrofe climática.