Não, somente o impeachment não impediria Trump de ser presidente de novo
Existem diversas interpretações das leis dos direitos de presidentes removidos do cargo — parte da indefinição se deve ao fato de isso nunca ter ocorrido
Uma publicação viral no Twitter afirma que se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sofresse um impeachment pela segunda vez, isso significaria que ele perderia o direito de se candidatar à presidência nas eleições de 2024 no país.
Isto não é verdade. Nem as outras implicações do tuíte.
A postagem foi feita na sexta-feira (8), dois dias depois de uma insurreição no Capitólio formada por apoiadores de Trump levantaram um novo esforço para afastar o presidente do cargo, vindo principalmente dos democratas da House of Representatives (instituição semelhante à Câmara dos Deputados do Brasil). No começo da segunda-feira (11), o tuíte já havia sido compartilhado 181.000 vezes e possuía 725.000 curtidas.
Ele diz o seguinte:
“Para aqueles que estão ponderando se vale a pena fazer o impeachment dessa vez, isto significaria que:
1) ele perderia sua pensão de 200 mil dólares mensais pelo resto da vida
2) ele perderia o direito de receber 1 milhão de dólares por ano para viagens
3) perderia sua proteção vitalícia por parte dos serviços secretos
4) perderia a permissão para concorrer à presidência em 2024”.
Antes, os fatos: A publicação está equivocada em múltiplas maneiras.
1) Trump perderia sua pensão pós-presidência apenas se ambas as casas do poder Legislativo (deputados e senadores) votassem para tirá-lo do cargo; o impeachment por si só, sem a remoção do cargo, não resultaria em Trump perdendo nenhum benefício.
2) A lei deixa claro que presidentes que possuem proteção do Serviço Secreto não podem receber o benefício de 1 milhão de dólares para viagens.
3) Não está claro se Trump perderia a proteção dos Serviços Secretos nem mesmo se o Senado votasse para retirá-lo do cargo e o proibisse de concorrer às eleições presidenciais.
4) Ainda que o Senado optasse por remover Trump, isto provavelmente não o proibiria de participar da corrida eleitoral em 2024; para que o Senado o proibisse de participar, deveria haver uma segunda votação para deliberar essa questão.
A pensão pós-presidência
Trump não perderia sua pensão se a câmara dos deputados optasse pelo impeachment, devido ao seu papel incitando a insurreição — assim como não a perdeu quando a casa aprovou um impeachment em 2019 por conta de esforços para usar a relação dos EUA com a Ucrânia para facilitar sua vida na política. Sob o Ato dos Ex-Presidentes, ele somente perderia sua pensão se o Senado optasse por impedí-lo e removê-lo do gabinete.
Muitos cidadãos comuns utilizam a palavra “impeachment” para referir-se ao impeachment legal e também à remoção do cargo, que são coisas diferentes.
Presidentes que não foram impedidos e também removidos têm direito a uma pensão vitalícia equivalente ao salário anual de um líder de um departamento executivo. Para Trump, assim como para seu antecessor Barack Obama, isso significaria de fato receber mais de 200 mil dólares por ano.
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Concorrer à presidência em 2024
Nem um segundo impeachment vindo da câmara dos deputados nem mesmo um voto do Senado para expulsar Trump e tirá-lo do gabinete o proibiriam de concorrer novamente à presidência, nem em 2024, nem posteriormente.
Na realidade, se o processo de impeachment avançasse e dois terços dos senadores presentes tivessem votado para remover Trump, uma maioria simples dos senadores deveria aprovar um voto adicional para barrá-lo da presidência no futuro.
O Senado não poderia pular o processo de votação da remoção que exige a aprovação de dois terços da casa e ir direto para o voto de maioria simples para uma futura desqualificação, diz Ross Garber, advogado especialista em impeachment e investigações políticas que leciona na Escola de Direito de Tulane, à CNN.
Existem algumas incertezas sobre o processo de desqualificação eleitoral, pois nenhum presidente dos Estados Unidos foi removido do cargo pelo Senado e apenas juízes foram desqualificados de assumir seus cargos novamente no futuro. A redação da lei de desqualificação na Constituição é: “desqualificar de ter ou gozar qualquer Gabinete de honra, confiança ou lucro pelos Estados Unidos”; Garber aponta que nem a Suprema Corte, nem o Congresso, chegaram em uma conclusão se a presidência entra nesta categoria, sobre a qual o Senado pode decidir banir uma que tenha sido impedida e removida do “cargo de honra, confiança ou lucro”. (Garber afirma que ele pessoalmente acredita que a presidência pode ser sim incluída na categoria).
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Proteção dos Serviços Secretos
Trump perderia a proteção dos Serviços Secretos se fosse removido? Não está claro — nem para dois especialistas em Direito americano, os professores Stephen Vladeck e Josh Blackman.
Existem duas leis relevantes que usam linguagens diferentes sobre quem é considerado um “ex-presidente”:
Uma lei, o Ato dos Ex-Presidentes mencionado anteriormente, diz especificamente que um presidente que seja expulso pelo Senado não deve ser considerado como um “ex-presidente”, devido a alguns benefícios da pós-presidência.
Entretanto, outra lei, assinada por Obama em 2013, o Ato de Proteção de Ex-Presidentes, simplesmente autoriza a proteção vitalícia dos Serviços Secretos para ex-presidentes — sem definir o significado de “ex-presidente”.
Não está claro qual das definições o governo federal ou os tribunais usariam no caso de decidir se um Trump impedido e removido deveria ter proteção vitalícia. (Os Serviços Secretos não responderam ao pedido de pronunciamento).
Em suma, o tuíte foi muito definitivo sobre um ponto que ainda está completamente indefinido.
Gastos com viagens
Não é dado que Trump teria direito a um milhão de dólares para viagens em primeiro lugar. Na verdade, a “bolsa viagem” — tecnicamente uma “bolsa viagem e segurança” — é concedida apenas para presidentes que não receberão a proteção vitalícia dos Serviços Secretos. Um oficial do gabinete de um ex-presidente confirmou à CNN que o ex-presidente em questão não tem acesso a este dinheiro.
Em outras palavras: em situações normais — se Trump terminasse seu mandado conforme planejado e então aceitasse a proteção vitalícia dos Serviços Secretos a qual ele indubitavelmente teria direito neste caso — não teria acesso a este dinheiro.
A história do tweet
Quando ligamos para Costiloe, o usuário que fez a publicação, para contá-lo que estávamos planejando checar os fatos e que muito de seu tuíte era equivocado, ele disse tranquilamente: “Torne-o completamente novo. Vai fundo”. Ele disse que é “ninguém”, um homem que vive com diabetes no Texas e que fez o tuíte porque viu a informação em algum lugar no Facebook e fez com que “ele se sentisse bem”.
Ele disse que nunca teve certeza que o conteúdo estava correto e que ficou impressionado quando a postagem tornou-se viral. Ele afirmou ter apenas 200 seguidores na rede no momento em que a fez.
“Não quero bagunçar o mundo. Só queria me sentir bem”, ele disse. “No fim das contas, fez muita gente se sentir bem”.