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    Será que o Wagner sobrevive após a morte de Prigozhin?

    Ausência de líderes coloca em dúvida atuação do grupo de mercenários em outros países, sobretudo no continente africano

    Ivana Kottasováda CNN*

    Yevgeny Prigozhin transformou o Grupo Wagner de um bando sombrio de mercenários numa temida potência militar que opera em vários países em três continentes. Agora que ele morreu, o futuro do grupo é incerto.

    Presume-se que o senhor da guerra tenha morrido por estar a bordo de um jato que caiu perto de Moscou na quarta-feira (23). O acidente aconteceu exatamente dois meses depois de Prigozhin ter liderado uma rebelião de curta duração na Rússia.

    VÍDEO – Kremlin rejeita acusações sobre morte de Prigozhin

    A maioria dos especialistas em segurança duvida que o Grupo Wagner sobreviva sem Prigozhin, colocando grandes questões sobre o que acontecerá com os combatentes, as armas e as operações do grupo.

    Eles acreditam que o Kremlin pode tentar absorver ainda mais o grupo no exército russo, ou tentar substituir o chefe do Wagner por um aliado, mas é improvável que haja muito apetite pela posição entre os homens de Prigozhin. O que é claro é que as consequências serão sentidas muito além das fronteiras da Rússia, especialmente nos países africanos onde o Wagner tem sido empregado para ajudar a apoiar líderes e suprimir rebeliões.

    “Meu palpite é que o Grupo Wagner vai se desmantelar sem ele, porque [Prigozhin] liderava de uma forma muito personalizada, em que a lealdade era para com ele acima de qualquer outra entidade ou pessoa”, opinou Natasha Lindstaedt, professora da Universidade de Essex que pesquisa regimes autoritários e atores não estatais violentos.

    O tipo de cadeia de comando clara que é comum nos militares tradicionais não existe no Wagner, o que faz com que o desaparecimento de Prigozhin seja um problema potencialmente existencial para o grupo. “O grupo se organizava ao redor dele e, agora que ele se foi, vai ser mais caótico. Não está claro para onde as lealdades irão”, disse Lindstaedt à CNN.

    O vácuo de liderança é ainda mais agudo dado que dois dos homens de confiança de Prigozhin – o comandante de campo do Wagner, Dmitriy Utkin, e o chefe de logística Valeriy Chekalov – também estavam no avião, segundo as autoridades.

    Utkin, em particular, é uma grande perda. Supostamente um ex-oficial da inteligência russo, ele teria ajudado a fundar a organização quando foi sancionado pelos Estados Unidos em 2017 em retaliação à sua atuação contra a Ucrânia. Aliás, Utkin seria o responsável por batizar o grupo de Wagner.

    “Apoio total à Rússia”

    O Grupo Wagner tinha um poder imenso considerando que era um grupo de mercenários. Muito desse papel se deve a Prigozhin e sua relação com o presidente russo, Vladimir Putin. Apelidado de “exército privado de Putin”, o Wagner foi usado para alavancar a influência da Rússia em todo o mundo.

    “Eles foram enviados para muitos países na África e no Oriente Médio e, no início, para a região de Donbas na Ucrânia. Eles fizeram um excelente trabalho em promover a política externa russa usando meios obscuros e ilegais para controlar atores políticos e extrair combustíveis fósseis e outros recursos desses países”, detalhou Huseyn Aliyev, palestrante da Universidade de Glasgow que pesquisa grupos armados não estatais na Rússia e na Ucrânia.

    A influência do Wagner aumentou ainda mais durante a guerra da Rússia contra a Ucrânia, especialmente depois de o grupo ter assumido um papel de liderança nos ataques a Soledar e Bakhmut, mostrando pouca consideração pela vida de seus membros. A captura dessas cidades (a um custo humano enorme) foi um raro ganho russo na Ucrânia.

    Mas, devido à sua influência crescente, o Wagner rapidamente se tornou uma dor de cabeça para o Kremlin. “Ele começou a sair do controle do Kremlin porque lhes foi dada liberdade para fazer muitas coisas, como recrutar presos e ter acesso quase ilimitado a armas do Ministério da Defesa para conseguir coisas na Ucrânia. Eles, especialmente Prigozhin, ficaram muito poderosos e influentes”, continuou Aliyev.

    O sucesso no campo de batalha encorajou Prigozhin. “Ele viu que tinha seus próprios seguidores, que a lealdade deles estava cada vez maior e então sentiu que o Grupo Wagner era de longe a força de combate russa mais eficaz em atividade”, apontou a professora Lindstaedt.

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    Tomada militar

    Agora que Prigozhin já não está no cenário, o governo russo terá de decidir o que fazer com o grupo, ou seja, legalizar e torná-lo parte das forças armadas russas, ou deixá-lo existir de outra forma.

    O Ministério da Defesa da Rússia tentou absorver o Grupo Wagner no início do verão russo, anunciando em junho que “unidades voluntárias” e grupos militares privados seriam obrigados a assinar um contrato com o ministério.

    Aliyev disse que o Kremlin tentou reduzir a influência de Prigozhin à medida que ele se tornava mais ousado e difícil de controlar.

    Prigozhin se recusou a obedecer e continuou criticando a liderança militar. O ápice veio no final de junho, quando o líder ordenou que suas tropas assumissem uma base militar russa em Rostov-on-Don e começou uma marcha para Moscou, encerrada horas depois.

    “O fato de ele ter sido tão descarado, de assumir esse motim, é um sinal de que, em certa medida, ele estava delirando”, acrescentou Lindstaedt.

    Embora Putin tenha chamado as ações do Grupo Wagner de traição, o presidente alimentou a ideia de o grupo ser incorporado à força militar russa. Após o motim, Putin disse ao jornal russo “Kommersant” que tinha oferecido aos comandantes do Wagner a opção de continuar lutando pela Rússia.

    Agora, com o problemático senhor da guerra fora do cenário, Putin provavelmente quererá manter o Wagner fora das estruturas formais, disse o pesquisador Aliyev .

    “Acho que o Kremlin pode tentar manter esse tipo de empresa militar privada não registrada, oficialmente inexistente, para usá-la em diferentes ações no exterior. Ele pode colocar alguém mais leal no comando, alguém mais perto do Kremlin. Mas obviamente não será o mesmo tipo de grupo porque muitas coisas no Wagner eram totalmente ligadas a Prigozhin”, continuou.

    O Ministério da Defesa do Reino Unido disse na sexta-feira (25) que o desaparecimento de Prigozhin “quase certamente teria um efeito profundamente desestabilizador no Grupo Wagner”.

    “As qualidades pessoais de hiperatividade, audácia excepcional, um impulso para resultados e brutalidade extrema [de Prigozhin] permearam o Wagner e é improvável que sejam correspondidos por qualquer sucessor”.

    A professora Lindstaedt acha improvável que a Rússia consiga obter total controle sobre o grupo. “Acho a fragmentação mais provável. A Rússia não terá controle total sobre isso e será um pouco caótico, o que é muito perigoso porque esses tipos de grupos, uma vez que se dividem, ficam mais ousados e representam uma enorme ameaça à segurança regional”, opinou.

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    Consequências na África

    Só que a influência do Grupo Wagner vai muito além da Rússia. O grupo mercenário lutou ao lado das tropas russas na Síria e se envolveu numa ampla gama de atividades na África. Especialistas dizem que ele operou em mais de uma dúzia de países.

    Há indícios de que Prigozhin estava planejando reforçar as operações do Wagner no continente depois do fracasso do motim.

    No mês passado, ele foi visto em encontros com autoridades africanas numa cúpula Rússia-África em São Petersburgo. No início desta semana, antes de sua (provável) morte, foi divulgado um vídeo de Yevgeny Prigozhin numa área desértica. Analistas disseram que a gravação provavelmente foi feita no Mali. No vídeo, Prigozhin afirmou que estava “tornando a Rússia ainda maior em todos os continentes, e a África ainda mais livre”.

    As operações do Wagner ganharam força depois da invasão da Crimeia, em 2014, quando a Rússia começou a olhar para as riquezas do continente como uma via para contornar uma série de sanções ocidentais. Várias investigações da CNN mostraram o envolvimento do Wagner e a cumplicidade com atrocidades contra populações civis em vários países.

    O grupo mercenário se envolveu na RCA (República Centro-Africana) em 2018, quando o governo russo prestou assistência militar e cedeu armas em troca de concessões de mineração. Quando a segurança no país africano se deteriorou antes das eleições no final de 2020, a situação piorou e o Wagner mudou sua atuação de treino para missões de combate. O envolvimento do Wagner em Moçambique, em 2019, também visava combater grupos islâmicos violentos.

    Uma investigação da CNN de julho de 2022 expôs laços cada vez mais firmes entre Moscou e a liderança militar do Sudão, que concedeu à Rússia acesso às riquezas de ouro do país em troca de apoio militar e político. Nos últimos meses, o Wagner havia fornecido mísseis às Forças de Apoio Rápido do Sudão para ajudar na sua luta contra o exército do país, usando a Líbia, onde um general desonesto, Khalifa Haftar, controla vastas áreas, com apoio do Wagner,.

    Há sinais crescentes de que o governo russo está tentando explorar algumas das lucrativas operações do Wagner. Uma delegação militar russa foi à cidade líbia de Benghazi esta semana para se reunir com Haftar, apoiado pelo Wagner há vários anos.

    A Reuters conversou com uma autoridade líbia que tinha informações da reunião. Yevkurov teria dito à Haftar que as forças do Wagner no leste da Líbia se reportariam a um novo comandante. A CNN não pôde verificar o que foi discutido na reunião e contatou dois porta-vozes da LNA para confirmação. Uma declaração do Ministério da Defesa russo acrescentou que a visita tinha como objetivo discutir “as perspectivas de cooperação no campo do combate ao terrorismo internacional, bem como outras questões de ações conjuntas”.

    Oluwole Ojewale, coordenador regional para a África Central do Instituto de Estudos de Segurança, disse à CNN que a morte de Prigozhin deveria enviar uma mensagem retumbante a líderes de todo o continente de que confiar em mercenários estrangeiros para a reforma do setor de segurança é um negócio muito arriscado.

    Ele disse que podem começar a surgir fissuras nas fundações dos países da África Ocidental e da África Central que confiaram no apoio do Grupo Wagner. “Se o Wagner entrar em colapso, haverá efeito cascata, muitas consequências em termos de instabilidade de segurança nesses países”, opinou, acrescentando que esses países terão de fazer “investimentos críticos na sua própria reforma do setor de segurança”.

    Já Christopher O. Ogunmodede, um analista de assuntos estrangeiros e editor associado da World Politics Review, disse à CNN que a influência do Wagner em alguns dos países em que supostamente operou pode ter sido exagerada. “As operações estavam apenas em algumas nações. Eles não marchavam em todos os 54 países africanos”, pontuou.

    Além disso, Ogunmodede disse que alguns países já estavam tentando despachar o Wagner.

    “Era algo em discussão antes de Prigozhin morrer. Podíamos ver uma troca da presença de Wagner. Em Moçambique, eles foram forçados a sair e foram escorraçados, também não conseguiram lutar no Mali. Há uma certa percepção de que a junta lá cometeu um erro ao se aliar com esses caras”, contou.

    Na RCA, onde a presença de Wagner é mais proeminente, a aliança pode se reforçar com a Rússia, segundo Ogunmodede. Falando ao canal de TV estatal russo RT depois da rebelião do Wagner em junho, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, mencionou essa possibilidade e disse que a presença de combatentes russos na RCA continuará.

    *Mostafa Salem, Tim Lister e Sarah El Sirgany, da CNN, contribuíram com a reportagem.

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