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    Seis presidentes em 6 anos, problemas econômicos e violência: Peru vive turbulência política e social

    Queda de braço entre o Congresso e o Executivo é apontada por especialistas como um dos principais empecilhos para o avanço de pautas de interesse da população andina

    Confronto entre manifestantes contrários ao governo de Dina Boluarte e polícia em Lima, Peru, em 22 de julho de 2023
    Confronto entre manifestantes contrários ao governo de Dina Boluarte e polícia em Lima, Peru, em 22 de julho de 2023 Getty Images

    Mateus Cerqueirada CNN

    em São Paulo

    As eleições no Chile, Brasil, Equador e, agora, Argentina evidenciaram a turbulência política que as nações da América Latina vêm enfrentando nos últimos anos. Ao mesmo tempo, nenhuma delas teve tantas trocas no comando do país como o Peru, com seis presidentes em apenas seis anos.

    Essa delicada situação política do país andino teve o seu início com a renúncia do presidente Pedro Pablo Kuczynski em 2018, episódio que marcou o aumento da queda de braço entre o Congresso e o Executivo peruano, além do começo do ciclo de renúncias e destituições de outros chefes do Executivo.

    A fim de entender as consequências desse conflito político para a vida dos peruanos, a CNN conversou com dois especialistas do país andino, Ana Neyra, advogada e ministra da Justiça no governo de Martín Vizcarra (2018-2020), e Gonzalo Banda, analista político.

    “Podemos dizer que a queda de Pedro Castillo [em 2022] foi o ápice dessas trocas no Executivo do país e que não há sinais de que essa crise entre os poderes estanque com Dina Boluarte“, afirma a ministra.

    Seis presidentes em 6 anos

    Logo após a destituição de Kuczynski, ainda em 2018, assume a Presidência o seu vice, Martín Vizcarra, que seria destituído pelo Congresso em novembro de 2020 sob a acusação de corrupção.

    Seguiu-se a esse cenário a eleição do deputado Manuel Merino (Acción Popular), via Parlamento. Entretanto, em meio a uma onda de protestos da população, Merino renunciou à Presidência após 5 dias à frente do cargo, no mesmo mês de novembro de 2020.

    Conforme a sucessão constitucional, ascendeu ao poder Francisco Sagasti (Partido Morado), que governou o Peru entre novembro de 2020 e julho de 2021, e que deu lugar a Pedro Castillo (Perú Libre), vitorioso nas eleições presidenciais de dois anos atrás.

    No entanto, Castillo foi destituído e preso em 7 dezembro de 2022, três horas depois de ter decretado a dissolução do Congresso. Após essa última queda, a vice Dina Boluarte (também do Perú Libre) assumiu a Presidência do país — e permanece na cadeira do Executivo até hoje.

    A previsão é que novas eleições para a Presidência e Congresso sejam realizadas normalmente no próximo ciclo, em 2026, após a rejeição, por parte dos parlamentares, do pedido de adiantamento das eleições para 2024. Isso não diminui, no entanto, o ambiente político turbulento do país.

    “Clientelismo”, fragilidade partidária e não reeleição dos parlamentares

    Tanto Ana Neyra quanto Gonzalo Banda afirmaram que a sucessiva queda de braço entre o Congresso e o Executivo do país são, em grande parte, os responsáveis pelo não avanço e negligência no tratamento de temas de interesse do povo peruano, além dos fatores que impulsaram a desaceleração econômica, insegurança alimentar e o aumento da violência a nível nacional — consequências da desigualdade social e estrutural que persiste no país.

    “Vemos a inexistência de iniciativas em atender as emergências que enfrentamos por parte do Congresso e do Executivo, inclusive, em agendas de sua própria competência, já que eles estão compenetrados em uma lógica clientelista [de troca de favores]”, aponta a professora da Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP) e ex-ministra da Justiça do governo de Vizcarra, Ana Neyra.

    Soma-se a esse quadro a fragilidade do sistema político do Peru, com elementos como o sistema parlamentar unicameral (sem Senado), a proibição da reeleição dos parlamentares para mais de um mandato e a fragilidade partidária, sustentada pela fragmentação no Congresso do país, que contribuem para a crise institucional.

    “Se olharmos para o atual momento, observaremos que muitos partidos tradicionais desapareceram ou perderam força em âmbito nacional, com uma fragmentação do poder, sobretudo no Parlamento”, aponta Gonzalo Banda.

    “Isso faz com que a motivação das pessoas para chegar ao poder seja, em muitos casos, por interesses próprios, já que os partidos existentes não têm um projeto de governo e políticos tradicionais tendem a ficar de fora das eleições.”

    Segundo a Proetica, ONG para transparência e contra a corrupção no Peru, o Índice de Percepção de Corrupção (IPC) no país se manteve alto em 2022, registrando a mesma marca de 2021: 36 pontos.

    O índice vai de 0 a 100. Quanto mais próximo de zero, mais alto é o nível de corrupção no país, e quanto mais próximo de 100, menor é o nível de corrupção.

    “É uma instabilidade prolongada que passa por sinais de corrupção de altas autoridades, como ex-presidentes, que estavam envolvidos no caso da Odebrecht [Lava Jato no Peru] e de colarinho branco”, relembra Ana Neyra.

    “Não podemos esquecer que retrocedemos em importantes reformas por conta das trocas constantes de parlamentares, ou seja, ficamos sem uma base sólida para promoção das reformas que o país precisa.”

    Crianças em trabalho informal como carregadoras posam para foto em feira na cidade peruana de Piura, atingida por onda de delinquênciae / Christian Ender/Getty Images

    Números negativos na economia e no social

    A observação da ex-ministra sobre as reformas diz respeito aos desafios que a população peruana enfrenta na atualidade, a exemplo da informalidade — quantidade de pessoas sem benefícios trabalhistas e garantia de uma previdência social –, que atinge 70% da população, e a insegurança alimentar — acesso irregular em quantidade e qualidade a alimentos –, que é uma realidade nos lares de metade dos 33,72 milhões de peruanos.

    “Pesa sobre o Peru o desabastecimento de alimentos que compõem a cesta básica do país e o aumento dos preços, por conta da inflação”, acrescentou Ana Neyra.

    Soma-se a esse contexto de inseguranças sociais a desaceleração econômica enfrentada pelo país, que ainda está se recuperando dos efeitos da Covid-19.

    Para se ter uma ideia, o Peru entrou, tecnicamente, em uma recessão econômica em junho deste ano, já que registrou uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos: em janeiro-março (-0,4%) e abril-junho (-0,5%), com uma queda total de 0,45% no primeiro semestre de 2023.

    Entre especialistas em economia, é certo que o país entrou em desaceleração econômica e teve seu crescimento para este ano rebaixado.

    “Tivemos os fatores climáticos [El Niño e o ciclone Yaku] como um dos principais causadores dessa situação econômica que afetou, sobretudo, a pesca e a agricultura”, aponta Gonzalo Banda.

    “Entretanto, começamos o ano de forma turbulenta e com um governo e Congresso desgastados e concentrados na crise política, desatentos aos problemas que o país enfrenta.”

    Violência: uma problemática crescente

    A violência também se tornou uma preocupação entre a população. No mês passado, ao menos três distritos do Peru entraram em estado de emergência, por conta do alto nível de delinquência e atuação do crime organizado — que atua por meio de extorsões, tráfico de drogas e homicídios, uma operação similar às milícias no Rio de Janeiro.

    As regiões afetadas foram San Juan de Lurigancho, San Martín de Porres, na cidade de Lima, e Talara, no município de Piura. Com a medida — que entrou em vigor em 19 de setembro, válida por 60 dias e prorrogável via novos decretos –, alguns direitos constitucionais dos cidadãos residentes nesses bairros ficam suspendidos, a exemplo de reuniões, inviolabilidade do domicílio e a participação de eventos sociais entre a 0h e 4h da madrugada.

    Para Gonzalo Banda, a inexistência de um plano eficaz a nível nacional sobre segurança pública por parte do governo e Congresso cria um solo fértil para proliferação da violência nas ruas, cooptação de jovens em situação de vulnerabilidade pelo crime organizado e ganho de impulso do narcotráfico nas regiões mais pobres do país.

    “Há uma disfunção no Estado. Ele não te dá nada. Não te dá saúde, educação, então o povo peruano cresce de costas para o Estado, com o entendimento de que ele é o seu inimigo”, diz o analista político.

    “É justamente aí que aparece a informalidade e as ilegalidades, uma vez que você é obrigado a gerar os seus próprios recursos”.

    Questões como narcotráfico também preocupam o país, que funciona como entreposto para exportação de drogas de organizações criminosas internacionais, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), e que também é um dos maiores produtores de folha de coca e cocaína no mundo.

    “O aumento da capacidade do narcotráfico em penetrar em negócios formais e institucionais de um Estado em crise política também é uma preocupação crescente”, pondera Gonzalo.

    “Ainda que não tenha ocorrido a nível nacional, como acontece no Equador, poderemos ver isso futuramente, caso mudanças não ocorram.”