Sánchez recebe Lula com divergências sobre Rússia e apoio a acordo UE-Mercosul
CNN apurou que primeiro-ministro espanhol vê a parceria com o Brasil como uma das mais importantes na esfera global e deseja relação cada vez mais estratégica entre União Europeia e Mercosul
O primeiro-ministro Pedro Sánchez apresenta na manhã desta quarta-feira (26) em Madri ao presidente Lula as percepções da Espanha, que coincidem com as da União Europeia, a respeito da Rússia e da China. O líder socialista esteve em Pequim duas semanas antes do presidente Lula.
Sánchez tinha planos de explicar a Lula que grandes empresas espanholas, como o Banco Santander, atuam na China. Mesmo assim, a Espanha diverge do governo em Pequim sobre temas geopolíticos, como a aparente intenção chinesa de anexar Taiwan e o apoio econômico e político à Rússia, expresso na “parceria sem limites” firmada pelos autocratas Xi Jinping e Vladimir Putin.
A posição da Espanha e da União Europeia em relação a Taiwan é a mesma dos Estados Unidos, observou à CNN uma funcionária do governo espanhol.
Trata-se da chamada “política de uma China”, que não reconhece a soberania de Taiwan, mas ao mesmo tempo não aceita uma anexação à força.
Lula assinou com Xi um comunicado final no qual reafirma a política de uma China, mas a interpretação chinesa é bem diferente da ocidental. As Forças Armadas chinesas têm feito constantes exercícios que simulam a tomada da ilha, e Xi não descarta a possibilidade de uma “solução” militar.
Com relação à Rússia, as posições são ainda mais discrepantes. O governo socialista espanhol impôs sanções comerciais à Rússia e enviou à Ucrânia munição de artilharia de 155 mm, que é o padrão Otan, assim como bombas e outros armamentos, e se declarou disposto a lhe entregar seus tanques Leopard 2.
Antes da invasão de fevereiro do ano passado, já viviam mais de 100 mil imigrantes ucranianos na Espanha. Desde o início da guerra, vieram mais 170 mil.
Diante das reações na Europa e nos Estados Unidos, cujos porta-vozes também criticaram as posições de Lula, o presidente brasileiro está recalibrando seu discurso.
No Fórum Empresarial nesta terça-feira em Madri, ele defendeu que “a Ucrânia conserve seu território e a Rússia fique com o território russo”.
Participaram do evento na Casa América cerca de 150 empresários dos dois países. O governo espanhol considera a visita de Lula uma oportunidade de “relançar” a relação bilateral, praticamente paralisada nos quatro anos de Jair Bolsonaro.
A CNN apurou que Pedro Sánchez vê a parceria com o Brasil como uma das mais importantes na esfera global. E deseja uma relação cada vez mais estratégica entre União Europeia e Mercosul.
O primeiro-ministro espanhol pretendia fazer, na reunião com Lula, um diagnóstico preciso do acordo UE-Mercosul, e examinar o que falta para referendá-lo ainda este ano.
Os dois devem discutir o protocolo adicional, que proíbe a importação de produtos originários de desmatamento.
A Espanha assume em julho a presidência da UE. Nos 17 e 18 daquele mês, será realizada em Bruxelas reunião de cúpula UE-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), e Lula deverá comparecer.
Além disso, a Espanha considera importante a entrada do Brasil na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual é integrante.
Sánchez pretendia explorar com Lula as exigências e vantagens de pertencer ao chamado “clube dos ricos”, composto por 36 países.
Ele diria ainda a Lula que deseja que mais empresas brasileiras invistam na Espanha, além de intensificar a já grande presença espanhola no Brasil.
Os principais setores de atuação e de interesse da Espanha no Brasil são: água e saneamento, digitalização, energias renováveis, transporte e turismo.
As mensagens de Sánchez são parecidas com as de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, primeiro-ministro e presidente de Portugal, respectivamente. Sánchez e Costa são de esquerda; Sousa, de centro-direita.
Lula enfrentou protestos ruidosos do partido Chega, de extrema-direita, na Assembleia da República, em Lisboa. Mas houve também o protesto silencioso do Iniciativa Liberal (IL), da direita moderada, cujos deputados não compareceram.
A oposição rejeitou o plano dos governos dos dois países de Lula participar de sessão solene de comemoração do aniversário da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura salazarista em 1974.
O líder do IL, Rui Rocha, disse na semana passada: “Nós não aceitamos, quando estamos com uma guerra na Europa, que o lobby putinista de que Lula da Silva faz parte venha impor-se aos portugueses numa data tão importante como 25 de Abril”.