Rússia joga “água fria” em expectativa de redução da crise na Ucrânia
Presidente francês, Emmanuel Macron, se reuniu com presidente ucraniano nesta terça (8) após conversa com Putin no dia anterior
Enquanto presidente francês Emmanuel Macron visitou seu colega ucraniano Volodymyr Zelensky, na capital Kiev, para conversas diplomáticas sobre a crise do país com a Rússia, Moscou indicou que havia “pontos de convergência” estabelecidos por Macron durante sua reunião de cinco horas com o presidente russo Vladimir Putin um dia antes.
Mas o Kremlin jogou um balde de água fria em relatos de que os dois líderes concordaram em diminuir o tenso impasse na fronteira da Ucrânia, onde dezenas de milhares de forças russas se concentraram nos últimos meses, atraindo a atenção de autoridades ocidentais de uma invasão iminente.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, não confirmou nesta terça-feira (8) nenhum passo tangível em direção a uma resolução, lançando uma nuvem sobre a diplomacia do presidente francês ao se dirigir à mídia em uma coletiva de imprensa conjunta ao lado de Zelensky.
Macron disse a jornalistas em Kiev que sua viagem a Moscou trouxe soluções concretas para a estabilidade no continente europeu e que Putin disse que “não seria a causa de uma escalada”. Ele acrescentou que o presidente russo prometeu respeitar os acordos de Minsk, um protocolo de cessar-fogo assinado pela Ucrânia e pela Rússia em 2015, depois que a Rússia anexou a Crimeia e fomentou uma rebelião no leste da Ucrânia. Apesar do acordo, os dois lados não viram uma paz estável.
Putin insistiu na segunda-feira em termos inequívocos que Zelensky deve implementar o plano de paz em uma entrevista coletiva com Macron na segunda-feira. “Goste ou não goste, é seu dever, meu lindo”, disse Putin sobre Zelensky.
Zelensky afirmou recentemente que não gosta de um único ponto dos acordos de Minsk, que exigem que a Ucrânia dê autonomia a duas regiões separatistas apoiadas pela Rússia no leste do país. Para os críticos, o acordo poderia dar a Moscou influência sobre a política ucraniana.
Respondendo a uma pergunta sobre a linguagem dura e pouco diplomática de Putin, Zelensky respondeu em russo, dizendo sem rodeios: “Nós não somos dele”.
Enquanto Putin testa a determinação do Ocidente, Macron se colocou no centro do palco, assumindo o lugar da ex-chanceler alemã Angela Merkel como principal mediador para a Europa enquanto se prepara para uma candidatura à reeleição em casa. Atualmente no comando da presidência rotativa da União Europeia, Macron falou várias vezes por semana com Putin e fez seu terceiro telefonema em uma semana para Biden na noite de domingo.
O Palácio do Eliseu alardeou uma lista das principais conclusões da reunião de Macron com Putin, incluindo o “compromisso da Rússia de não tomar novas iniciativas militares, o que permite a desescalada” e que Moscou retiraria tropas da Bielorrússia.
Mas quando questionado sobre a declaração da presidência francesa, Peskov disse que não sabia nada sobre isso: “Não posso comentar sobre isso, não entendo muito bem o que os colegas franceses estavam falando”.
E embora o porta-voz de Putin tenha confirmado que as forças militares russas deixarão a Bielorrússia assim que os exercícios conjuntos entre os dois países forem concluídos, ele não deu mais detalhes ou uma noção do cronograma para a retirada. Autoridades de inteligência ucranianas temem que a Rússia possa usar a Bielorrússia como um “teatro de operações de pleno direito”, tendo aumentado sua presença militar de vários milhares de soldados em janeiro para cerca de 30.000 em algum momento deste mês.
“Estamos falando de exercícios aliados e entende-se que, após a conclusão desses exercícios, as tropas retornarão às suas bases permanentes”, disse Peskov em uma teleconferência com repórteres. Questionado se uma data concreta havia sido dada por Putin, Peskov disse: “Não”.
Com base nas últimas estimativas da inteligência dos EUA, Putin reuniu 70% do pessoal militar e das armas necessárias para uma invasão em larga escala da Ucrânia, mas autoridades dos EUA dizem que ainda não sabem se o líder da Rússia decidiu lançar um ataque.
O Kremlin negou repetidamente que esteja planejando uma incursão, mas argumentou que o apoio da Otan ao país constitui uma ameaça crescente à Rússia.
Falando na coletiva de imprensa conjunta, Zelensky disse: “Nós defendemos a desocupação do nosso território”. Ele acrescentou que as negociações com Macron foram “frutíferas”.
À medida que a Rússia envia mais tropas para a fronteira da Ucrânia e os EUA movem milhares de forças para reforçar a frente oriental da Otan, os comentários evasivos do Kremlin na terça-feira prejudicaram outro dia diplomático movimentado para Macron.
O presidente francês, que em 2019 disse sem rodeios que a Europa estava enfrentando a “morte cerebral da OTAN”, causada pela indiferença americana à aliança transatlântica, e pediu à União Europeia que assuma um papel maior na defesa da Europa, agora está recebendo um oportunidade de expor a sua visão de como poderá ser uma Europa mais independente da influência dos EUA.
Para Moscou, Macron se apresentou como um “interlocutor de qualidade”, como Putin o descreveu, segundo um funcionário da presidência francesa.
As apostas não poderiam ser maiores. Macron está tentando impedir que o maciço acúmulo militar russo de mais de 100.000 soldados borbulhe para a guerra e acalme as queixas de segurança da Rússia.
“Ninguém é ingênuo”, disse Macron a repórteres na terça-feira. “A França, desde o início desta crise, nunca fez declarações excessivas sobre o assunto, mas da mesma forma não acredito que esta crise possa ser resolvida em algumas horas de discussão.”