Rússia envia tanques do início da Guerra Fria para a Ucrânia, mas eles ainda podem ser eficazes
Segundo especialistas, os equipamentos antigos são fáceis de serem utilizados e não precisam de muito treinamento –ideais para serem operados por recrutas
Um trem de carga carregado com tanques segue sob o sol fresco da primavera. “Uau”, diz uma mulher, apontando a câmera do celular para o comboio. “Este é o segundo trem, acabou de passar um outro igual”.
O vídeo, aparentemente filmado no fim de março, mostra velhos tanques soviéticos sendo transportados para algum lugar da Rússia. Moscou é conhecida por trazer do armazenamento equipamentos militares mais antigos para ajudar nos esforços de guerra na Ucrânia, mas esses são diferentes.
Os tanques são T-55, um modelo encomendado pela primeira vez pelo Exército Vermelho da União Soviética em 1948, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. As peças são tão antigas que você pode encontrá-las em museus.
“Este foi o primeiro tanque de guerra usado pela União Soviética na era da Guerra Fria”, disse o historiador John Delaney, curador sênior do Imperial War Museum (IWM) em Duxford, Cambridge, enquanto mostra um para a CNN.
“Até aquele ponto, você tinha três tipos distintos de tanques, leves, médios e pesados, que tinham papéis diferentes no campo de batalha”, disse Delaney. “A partir de meados dos anos 50, surgiu esse conceito que tentava criar um tanque que pudesse fazer de tudo um pouco e que ficou conhecido como tanque principal de batalha”.
Para o Exército Vermelho, era o T-55 e suas muitas variantes, que mais tarde se tornou o tanque mais produzido no mundo, com mais de 100 mil unidades construídas. Barato, confiável, fácil de usar e fácil de manter, foi um esteio militar do Egito à China e ao Sudão, onde ainda estão em uso.
No leste europeu, eles foram usados para reprimir revoltas nos antigos países do Pacto de Varsóvia, rolando pelas ruas da Hungria em 1956, e depois em Praga, capital da então Tchecoslováquia, em 1968.
Mas nas décadas seguintes, quando implantados contra tanques construídos pelo Ocidente – em alguns conflitos árabe-israelenses e depois na Guerra do Golfo – eles não foram páreo.
“Na primeira Guerra do Golfo, em 1991, por exemplo, os tanques americanos e britânicos estavam derrubando os T-55 iraquianos de 23 quilômetros de distância”, disse Delaney.
A versão dentro do salão de guerra terrestre do IWM foi construída na década de 1960 e pertencia ao exército da Alemanha Oriental. Ele foi adquirido pelo museu após a reunificação alemã, com Berlim favorecendo as versões padrão da Otan, como o Leopard 1 e depois o Leopard 2 – que recentemente enviou para a Ucrânia – e deixando de lado equipamentos soviéticos desatualizados.
Quando a Rússia começou a desativar seus próprios T-55s na década de 1980, ainda havia mais de 28 mil deles, disse Delaney, acrescentando que eles foram desativados em vez de descartados.
“Os soviéticos nunca jogaram nada fora”, explicou. “Provavelmente há um número significativo deles encostados em galpões esperando para serem reconfigurados”.
A Rússia parece disposta a fazer exatamente isso.
Do armazenamento para o campo de batalha
Imagens de satélite indicam que a Rússia está retirando dezenas de tanques do armazenamento em uma base em Arsenyev, no extremo leste da Rússia. Fotos disponíveis publicamente mostram que um dos tanques armazenados na base é o T-55.
“Eles estão encostados lá por uma década ou mais”, diz Delaney. “Eles precisarão de uma quantidade considerável de trabalho para colocá-los de volta em boas condições de funcionamento”.
Depois que a filmagem de um trem cheio de tanques apareceu nas mídias sociais no final de março, a Equipe de Inteligência de Conflitos (CIT), um grupo de voluntários que usa inteligência de código aberto para investigar conflitos na Ucrânia e na Síria, foi o primeiro a relatar que os T- 54/55 estavam sendo retirados do armazenamento em Arsenyev.
Autoridades ocidentais disseram à CNN em abril que viram o tanque velho aparecer perto da linha de frente.
A Rússia não confirmou que está implantando o T-55 na linha de frente e o Ministério da Defesa em Moscou não respondeu ao pedido de comentário da CNN. Mas, nas últimas semanas, blogueiros pró-Kremlin bem relacionados compartilharam fotos mostrando esses tanques, supostamente em territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia.
O site de inteligência de código aberto Oryx, com sede na Holanda, diz ter evidências visuais de que a Rússia perdeu mais de 1.900 tanques desde o início da invasão, quase dois terços de uma frota inicial de cerca de 3 mil. Além da quantidade, um grande problema é a velocidade com que os blindados russos estão sendo derrubados.
“No geral, a Rússia perdeu muitos equipamentos, é difícil construir novos equipamentos”, disse Robert Lee, ex-fuzileiro naval dos EUA e membro sênior do Instituto de Pesquisa de Política Externa dos EUA.
“Eles estão produzindo alguns tanques novos –eles ainda estão produzindo T-90– mas, na escala [necessária], eles precisam de mais equipamentos do que podem produzir, então estão contando com tanques cada vez mais antigos para compensar”, acrescentou Lee.
Trevor Taylor, diretor do Programa de Defesa, Indústrias e Sociedade do Royal United Services Institute, diz que as sanções ocidentais também estão desacelerando a produção de armas da Rússia.
“Temos várias evidências de que a indústria russa, que teve acesso à tecnologia ocidental nos anos 90, está realmente sofrendo com as restrições”, disse Taylor. “Estamos ouvindo falar que eles estão tirando chips das máquinas de lavar. E quando você está fazendo isso, então obviamente você está com um pouco de dificuldade”.
“Facilidade de uso” para recrutas
Lee tem acompanhado a invasão russa da Ucrânia desde o início, usando tecnologia de código aberto para coletar informações sobre os combates na Ucrânia. Desde então, ele visitou as linhas de frente no leste da Ucrânia e, à medida que a Rússia fica na defensiva, as batalhas tanque contra tanque até agora são raras e ele acredita que o uso dos T-55 será limitado em escopo.
“Alguns desses sistemas provavelmente serão usados inicialmente em uma área mais traseira”, disse ele. “Portanto, não necessariamente tanques avançando, mas mais tipos de disparos a longa distância”.
Se esse for o objetivo, Delaney acredita que o T-55 ainda pode ser útil.
“Uma das coisas que você pode obviamente usar este [tanque] se você está tentando evitar um engajamento tanque contra tanque é cavar eles, em posições defensivas, colocar o tanque no fosso para que você possa ver apenas a torre e então isso pode ser usado para defender uma linha de frente contra o contra-ataque”, disse ele.
“Se você foi o agressor em uma guerra e de repente está prestes a ficar na defensiva, isso seria eficaz para posições defensivas estáticas”.
Enquanto as forças russas se preparam para receber o peso de uma ofensiva ucraniana amplamente esperada e equipada com a Otan, elas estão contando com um exército recruta, menos preparado do que o de seu oponente.
E para soldados mal treinados, o T-55 oferece algo que os tanques modernos não oferecem: facilidade de uso.
“Se você tem muitos recrutas entrando em seu exército, o que acontece no momento com as forças russas, será mais fácil, mais rápido treinar pessoas para usá-los do que usar um modelo mais moderno de tanque de batalha”, disse Delaney.
“É realmente fácil de manter e com um exército conscrito, é isso que você está procurando, você está procurando a capacidade de manter as coisas operacionais”.
A Ucrânia, aliás, também tem uma versão do T-55 em seu arsenal, 28 M-55 altamente modernizados fornecidos pela Eslovênia.
“Tudo se resume à Ucrânia”
Enquanto a Ucrânia se prepara para sua esperada contraofensiva de primavera, a Rússia se empenha. Imagens de satélite revelaram as extensas linhas defensivas construídas pelas forças de Moscou nas regiões que continuam a ocupar.
Lee acredita que uma contraofensiva bem sucedida dependerá da inteligência ucraniana encontrar o local perfeito para avançar. “Não é impossível, mas muito disso se resume à Ucrânia encontrar pontos fracos em uma linha e tentar penetrar aos poucos”, disse ele.
E é aí que o equipamento moderno e mais avançado da Otan, com melhor blindagem, alcances mais longos e mais capacidade de manobra, pode se destacar, especialmente ao enfrentar equipamentos soviéticos muito mais antigos.
“Acho que, diante das armas ocidentais, os russos devem esperar baixas muito pesadas se quiserem avançar usando o sistema T-55”, disse Taylor. “É um movimento de desespero usar armas tão antigas”.
E embora as batalhas de tanques sejam raras, a Ucrânia tem uma vantagem se elas ocorrerem.
“Se você tem um grande campo aberto e está lutando em um grande confronto de tanques blindados em vastas extensões de terra, então isso te dá uma desvantagem muito distinta”, disse Delaney sobre os T-55 russos.
“(Contra um Leopard ou um Challenger), se for um confronto de tanque um contra um, isso (T-55) sempre perderá”.