Qual impacto um terremoto de grandes proporções teria em Portugal; veja simulação
Estudos mostram que fenômeno poderia deixar milhares de casas reduzidas a escombros e causar prejuízo de milhões de euros; tremor de magnitude 5,3 atingiu Lisboa na madrugada desta segunda-feira (26)
Um terremoto como aquele que devastou o Portugal em 1755 não está no horizonte, mas investigadores em sismologia acreditam que mesmo um abalo de dimensão média teria capacidade de paralisar a sociedade, a economia e infraestruturas críticas, como hospitais.
Tendemos a utilizar o “cisne negro” de 1755 quando abordamos o risco que existe em diversos territórios de Portugal, mas cientistas da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica apelam a um olhar diferente.
Fenômenos como o abalo sísmico de 1909 em Benavente, considerado o mais devastador no Século XX em Portugal Continental e com uma magnitude estimada de 6,7, podem ajudar a perceber como a nossa realidade poderia ser distorcida perante uma catástrofe natural.
De fato, argumenta o professor Carlos Sousa Oliveira, um abalo sísmico como o de Benevente, se ocorresse hoje, “seria capaz de causar danos idênticos ao do Plano de Recuperação e Resiliência Português”. Perto de 16,6 mil milhões de euros.
“Uma Ponte Vasco da Gama custa, a preços de hoje, por volta de 1,3 bilhões de euros. Estudos nos mostram que um terremoto destes podia provocar custos totais por volta de dez Pontes Vasco Gama”, diz Oliveira, sublinhando que os danos ficariam concentrados na Área Metropolitana de Lisboa e poderiam ascender aos 13 bilhões de euros.
Distinguido em setembro pela Associação Europeia de Engenharia Sísmica, Carlos Sousa Oliveira calcula que, para um terremoto com uma magnitude entre 6,3 e 6,7 em Lisboa e Vale do Tejo, o número de vítimas pode ascender aos dois mil.
Para além disso, seria provável que dezenas de edifícios pudessem vir a colapsar. O especialista aponta para 40 ou 50, mas o número poderia escalar de acordo com o estado de conservação da infraestrutura.
“Uma coisa é certa: o terremoto vai à procura dos edifícios em pior estado.”
Só 15% das casas em Lisboa sobreviveriam
No âmbito do projeto europeu KnowRISK, em 2018, foi determinado um cenário de um terremoto de magnitude 6,5 com epicentro a 15 quilômetros da capital.
Os investigadores do Instituto Superior Técnico calcularam, através do Quake IST – um simulador de terremoto – que, num universo de 27.144 casas de alvenaria em Lisboa, que corresponde a 57% do parque habitacional da capital, 9.084 casas ficariam reduzidas a escombros.
De acordo com o mesmo estudo, 4.475 fogos sofreriam danos moderados, 1.321 habitações ficariam com ligeiros estragos e 166 passariam incólumes.
Em contraste, do total de casas de concreto armado existentes em Lisboa – 20.668, ou 43% de todo o parque habitacional – 6.926 resistiriam ao abalo, com 4.118 a registarem danos ligeiros e 3.221 a ficarem inabitáveis.
Do total, apenas 15% do parque habitacional de Lisboa sobreviveriam são e salvos a esta simulação.
Contudo, a engenheira Inês Vilas Boas propõe uma leitura mais visual. Na sua tese de mestrado, ela analisou os diferentes cenários que poderíamos observar em Lisboa, de acordo com a intensidade do abalo sísmico.
Na referida tese de mestrado, indicada pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa à CNN Portugal, é reiterado que um abalo sísmico com intensidade IX na Escala de Mercalli produziria “grandes fendas nas paredes, queda de chaminés e colapso de telhados”.
Graus de intensidade e respectiva descrição, de acordo com a escala de Mercalli:
Grau I | Imperceptível / Não sentido |
Grau II | Muito fraco / Sentido por pessoas em repouso em andares elevados |
Grau III | Fraco /Sentido dentro de casa. Os objetos pendentes balançam |
Grau IV | Moderado / objetos suspensos balançam. Vibração semelhante à provocada pela passagem de veículos pesados |
Grau V | Forte/ Sentido fora de casa; portas oscilam, se fecham ou se abrem. persianas e quadros se movem |
Grau VI | Bastante forte / Sentido por todos. Muitos se assustam e correm para a rua |
Grau VII | Muito forte / Difícil permanecer de pé. Os móveis se rompem |
Grau VIII | Ruinoso / Mudanças nos fluxos ou nas temperaturas das fontes e dos poços |
Grau IX | Desastroso / Pânico geral. Vários edifícios colapsam. Fraturas importantes no solo |
Grau X | Destruidor / Maioria das infraestruturas destruídas com as suas fundações. Grandes desmoronamentos de terrenos |
Grau XI | Catastrófico / Vias-férreas grandemente deformadas. Canalizações subterrâneas completamente avariadas |
Grau XII | Danos quase totais / Grandes massas rochosas deslocadas. Objetos atirados ao ar. |
No trabalho, publicado em 2016 com o título “Vulnerabilidade Sísmica dos Edifícios de Lisboa em 3D”, é possível observar quais seriam os danos causados no bairro da Graça, se fosse registado um abalo sísmico com intensidade IX na Escala de Mercalli.
De acordo com esta simulação, a área registará o colapso total de catorze edifícios e o colapso parcial para a maior parte dos prédios e casas da zona.
Mónica Ferreira, doutora em Engenharia do Território no Técnico, participou num variado número de missões de reconhecimento pós-terremoto a nível nacional e internacional, nomeadamente na China, no Haiti, no Japão e em Itália, por onde esteve em 2016 para estudar os efeitos do terremoto de magnitude 6.6 que culminou na morte de 299 pessoas.
Perante os constantes avisos da comunidade científica, a especialista sublinha que “o país não está de todo preparado” e que um terremoto como o da Itália pode deixar Portugal “em reconstrução durante 10 anos”.
Destacando que “não há muita vontade política” em preparar melhor as zonas de maior risco sísmico, como Lisboa e o Algarve, para um eventual terremoto, Mónica Ferreira realça que as obras de ampliação, conservação e reabilitação de prédios e edifícios em zonas nobres da capital estão deixando os prédios e casas “mais vulneráveis”.
A Baixa de Lisboa, que trouxe ao mundo a gaiola pombalina, uma das origens da engenharia sísmica, está sendo “adulterada”, reconhece a investigadora, salientando que as autarquias não têm meios para fiscalizar as obras.
Alterações climáticas podem antecipar catástrofe
Alguns minutos depois de o violento abalo sísmico de 1755 ter se manifestado, um tsunami invadiu a costa portuguesa, com relatos históricos que descrevem vagas de vinte metros.
Este ocorrido tem ainda sido alvo de várias análises ao longo dos anos. Vários estudos internacionais conduzidos nos últimos cinco anos levaram à conclusão de que o grande terremoto de Lisboa provocou o mais intenso tsunami a atravessar o Oceano Atlântico, tendo percorrido mais de 5700 km até chegar às Antilhas.
Em terreno nacional, os danos materiais foram “incalculáveis”, como descreve o professor Carlos Oliveira, referindo-se a todo o passado histórico que foi levado pelas águas, pelo abalo e pelas chamas.
O Paço da Ribeira e a Torre do Tombo estão entre os edifícios, igrejas e bibliotecas que se perderam em 1755.
Um tsunami como o de 1755, no entanto, hoje, não seria tão destruidor, assegura o professor Rui Ferreira, do Instituto Superior Técnico. Isto porque a capital “avançou quilômetros ao longo do Tejo e subiu a cota”, a sua altitude máxima de edificação.
A Baixa aumentou em quase dois metros, o que leva a entender que a onda gerada por um abalo sísmico como o de 1755 “não seja particularmente alta”, afirma o investigador.
Contudo, destaca, o ritmo de subida do nível dos oceanos – 3,1 mm por ano, de acordo com o programa Copernicus -, pode colocar a cidade ao nível de base de 1755.
Em junho deste ano, Rui Ferreira apresentou um projeto à Câmara Municipal de Lisboa, onde é demonstrado o impacto que um tsunami como o de 1755 teria na capital em 2050.
No cenário elaborado pela investigação, percebemos que, depois de a onda passar o bugio, demoraria quinze segundos para a Praça do Comércio e a estátua D. José I ficarem inundadas.
Em trinta e três minutos, o mar atravessaria o Arco da Rua Augusta e chegaria à Rua da Conceição.
Na mesma investigação, tendo por base as previsões do nível do oceano para 2100, é demonstrado que, em caso de tsunami, as águas avançariam até ao Mosteiro dos Jerónimos.
É ainda referido que há uma “perigosidade extrema” em Xabregas e no Parque das Nações, com toda a zona entre Alcântara e Belém registrando máxima exposição de risco.
Todos estes cenários, afirma o professor Rui Ferreira autor da investigação, podem ocorrer mais cedo do que o esperado se o glaciar Thwaites, na Antártida Ocidental, colapsar.
Conhecido como o glaciar do “Dia do Juízo Final”, a comunidade científica acredita que o seu derretimento pode levar a um aumento do nível do mar em até 80 centímetros.
“Se o que está em terra, vier para o mar, um cenário catastrófico pode acontecer mais cedo do que esperamos, em 2030”, afirma, apontando para as previsões de que o aquecimento global pode chegar a 1,5 graus Celsius na próxima década.
“A natureza nos deu uma arma muito importante”
Os terremtos têm duas ondas principais: uma que anda mais depressa, a que se dá o nome de “onda p”, que anda a uma velocidade de cerca de oito quilômetros por segundo, e outra de maior dimensão, a “onda f”, “aquela que destrói”, descreve o professor Carlos Oliveira.
“A natureza deu-nos uma arma muito importante que foi a de percebermos que não temos de esperar que venha o terremoto todo para percebermos a sua magnitude”, afirma o especialista, destacando que a onda p funciona como uma espécie de aviso de que chegará uma nova onda.
A partir da onda p, é possível perceber “a assinatura do terremoto”, ou seja, se vem um abalo gigante ou pequeno.
A diferença entre a chegada das duas ondas é, em média, trinta segundos, tempo suficiente para que as autoridades possam enviar esta informação diretamente por satélite, se existir um sistema de coordenação, como funciona quase universalmente na Califórnia e no Japão.
Este sistema de alarme precoce tem um sinal, onde é enviada uma contagem decrescente e que, quando chega ao zero, a terra começa a tremer.
Trinta segundos parece pouco tempo, mas Carlos Oliveira reitera que um sistema integrado pode salvar vidas em Portugal.
“Não é possível prever quando é o abalo sísmicosmo, porque existem muitas variáveis e não conseguimos perceber exatamente onde rompe, mas com trinta segundos paramos os comboios, abrimos as portas dos bombeiros, colocamos geradores para funcionar nos hospitais, tomar precauções durante cirurgias. Pessoas num segundo andar conseguem sair do prédio. A ponte 25 de Abril pode interromper o tráfego”, enumera o professor jubilado, insistindo sobre a necessidade de ser concebido e implantado este sistema.
*As entrevistas realizadas para este artigo foram feitas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022.
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