Kremlin pode trocar liberação de jornalista dos EUA por russo preso no Brasil
Governo Vladimir Putin poderá tentar trocar correspondente do "The Wall Street Journal" por Sergey Cherkasov, acusado pelos Estados Unidos de espionagem
A prisão do jornalista americano Evan Gershkovich, correspondente do “The Wall Street Journal” em Moscou, está gerando especulações sobre as intenções da Rússia de trocá-lo por presos que tenham valor estratégico para o Kremlin.
Entre eles, está Sergey Cherkasov, acusado pelos Estados Unidos de espionagem, que está preso em São Paulo.
Usando identidade falsa de brasileiro, sob o nome Victor Muller Ferreira, ele construiu uma carreira acadêmica no Ocidente. De 2015 a 2018, estudou ciência política no Trinity College, em Dublin, na Irlanda. Depois partiu para o mestrado em relações internacionais na prestigiada Johns Hopkins, em Washington.
De posse desse currículo, Cherkasov se candidatou no ano passado para um emprego de analista júnior no Tribunal Penal Internacional de Haia –uma posição estratégica, no momento em que o presidente Vladimir Putin e outros integrantes do regime são investigados em Haia por crimes de guerra e contra a humanidade cometidos na Ucrânia.
O governo holandês, no entanto, havia sido informado das investigações do FBI, e deportou Cherkasov em abril do ano passado para o Brasil, onde ele foi condenado em julho a 15 anos de prisão por falsidade ideológica.
Em setembro, a Rússia pediu a extradição, alegando que ele seria procurado por narcotráfico no país natal. Já o governo americano pede que ele seja extraditado para os Estados Unidos.
A Justiça russa, controlada pelo regime de Putin, tem condenado cidadãos americanos a penas desproporcionais aos seus supostos delitos, com o evidente propósito de trocá-los por russos que prestaram serviços ao Kremlin.
Houve duas trocas desse tipo no ano passado.
Em abril, os EUA trocaram o russo Konstantin Yaroshenko, condenado por tráfico de drogas, pelo ex-fuzileiro naval americano Trevor Reed, condenado a 9 anos de prisão em 2020 por ter agredido policiais russos, ao sair bêbado de uma festa.
A jogadora de basquete americana Brittney Griner foi condenada a 9 anos de prisão por entrar na Rússia com óleo de cânhamo. Em dezembro, foi trocada pelo traficante de armas russo Viktor Bout.
Em 2018, o ex-fuzileiro naval americano Paul Whelan foi preso, acusado de espionagem, e condenado em 2020 a 16 anos de trabalhos forçados. Aparentemente a Rússia gostaria de trocá-lo pelo ex-coronel Vadim Krasikov, da agência de espionagem russa FSB, condenado à prisão perpétua em dezembro pelo assassinato de um ex-combatente checheno em Berlim.
O pedido é problemático não só porque Krasikov é acusado de assassinato mas também porque ele está sob custódia alemã.
No caso do correspondente do “Journal”, no entanto, há também um outro incentivo: desde a invasão da Ucrânia, o trabalho dos jornalistas tem sido ainda mais reprimido do que já era na Rússia.
O jornal “Novaya Gazeta”, o mais importante veículo independente do país, por exemplo, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2021, foi fechado pela Justiça russa, e agora opera do exterior, principalmente de Riga, na Letônia.
A prisão do jornalista americano, sob acusação de espionagem, é o caso mais grave de assédio a um correspondente estrangeiro, e preocupa os outros profissionais que ainda trabalham na Rússia.