Possível proibição do aborto gera protestos contra e a favor nos EUA; entenda o caso
Reversão de caso Roe vs. Wade, de 1973, pode fazer com que mulheres sejam criminalizadas em alguns estados e protegidas em outros se interromperem gravidez nos EUA
O vazamento do rascunho de uma decisão que derrubaria o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o caso Roe vs. Wade, que garante o direito ao aborto em todo o país, instou apoiadores do banimento e pessoas a favor do aborto a protestarem ao longo desta terça-feira (3).
De acordo com a minuta, o tribunal anularia completamente o direito constitucional federal à interrupção de uma gestação, válido desde 1973. Cerca de vinte estados americanos já têm projetos destinados a limitar o acesso ao aborto caso a decisão seja revogada.
O rascunho, que foi identificado como autêntico pela própria Suprema Corte, mostra uma decisão possível de ser aprovada no país, já que a cinco dos nove juízes do Supremo são conservadores — três deles foram indicados pelo ex-presidente Donald Trump.
Entenda o caso Roe vs. Wade
Fundamentalmente, o direito ao aborto nos Estados Unidos baseia-se em uma jurisprudência do famoso caso Roe vs. Wade, que argumentou, com base na Constituição americana, para garantir a uma mulher a interrupção da gravidez.
O caso foi protagonizado por Norma McCorvey, em 1971, conhecida nos documentos judiciais como Jane Roe — uma mulher residente do Texas que não queria continuar com sua gestação.
McCorvey processou Henry Wade, o procurador de Dallas entre 1951 e 1987, que aplicava uma lei texana que proibia o aborto, exceto para salvar a vida de uma mulher. Esta lei havia sido declarada inconstitucional em um caso anterior de um tribunal federal distrital.
Wade ignorou a decisão do tribunal e ambos os lados apelaram. Daí o nome “Roe vs. Wade”.
O caso foi discutido mais tarde na Suprema Corte dos EUA em 13 de dezembro de 1971 e, quase um ano depois, novamente discutido em 11 de outubro de 1972. Finalmente, em 22 de janeiro de 1973, a Suprema Corte dos EUA afirmou a legalidade do direito de uma mulher a fazer um aborto segundo a 14ª Emenda à Constituição.
A Corte decidiu que o direito da mulher ao aborto foi incluído no direito à privacidade (reconhecido em Griswold v. Connecticut), protegido pela 14ª Emenda. A decisão concedeu à mulher o direito de fazer um aborto durante toda a gravidez e definiu diferentes níveis de interesse estatal em regular o aborto no segundo e terceiro trimestres.
Roe atualmente protege, dentro dos limites, o direito de uma mulher de abortar. Sem ele, os estados seriam livres para fazer suas próprias leis.
Um grande número de estados do sul e centro-oeste dos Estados Unidos já têm leis que tornariam o aborto ilegal quase imediatamente após a derrubada do caso Roe, o que agora parece extremamente provável. Outros estados, como Nova York, têm leis que protegeriam o acesso ao aborto mesmo sem a jurisprudência.
A situação seria então muito parecida com a do início dos anos 70, com uma colcha de retalhos de leis estaduais em todo o país, cada uma com regulamentos e exigências diferentes.
As mulheres poderiam ter acesso ao aborto em alguns estados e enfrentar sanções criminais por ele em outros.
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O que diz o voto vazado
No rascunho, Alito rejeitou argumentos de que outras disposições da Constituição que tratam de privacidade ou liberdade poderiam ser invocadas para defender o direito a um aborto.
Ele disse que, embora os defensores de Roe apontem para a Cláusula da 14ª Emenda, eles estão enganados. Isso porque, de acordo com Alito, embora a Cláusula possa garantir alguns direitos que não são mencionados explicitamente na Constituição, tais direitos têm que estar “profundamente enraizados na história e tradição desta nação”.
“O direito ao aborto não se enquadra nesta categoria”, disse ele. Na verdade, de acordo com Alito, o caso Roe estava “terrivelmente errado” desde o início e seu raciocínio é “excepcionalmente fraco”.
Alito concluiu que é hora de voltar a questão aos estados: “É isso que a Constituição e o Estado de Direito exigem”. “O entendimento histórico de liberdade ordenada de nossa Nação não impede que os representantes eleitos do povo decidam como o aborto deve ser regulamentado”, acrescentou ele.
O que pode acontecer depois
As primeiras restrições entrariam em vigor em 13 estados com as chamadas “leis-gatilho” a serem promulgadas se a decisão fosse anulada.
Os estados são Arkansas, Idaho, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Missouri, Dakota do Norte, Oklahoma, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah e Wyoming, de acordo com o Instituto Guttmacher, um grupo de pesquisa de defesa do aborto.
Algumas leis proíbem quase completamente o aborto, enquanto outras o limitariam após 6 ou 15 semanas. A rapidez com que essas leis afetariam o aborto poderia variar.
Por exemplo, a lei-gatilho do Arkansas entra em vigor assim que o procurador geral do estado certificar que Roe vs. Wade foi derrubado, diz o instituto. No Texas, uma proibição quase total do aborto entraria em vigor 30 dias após uma decisão da Suprema Corte.
O Instituto Guttmacher estima que 26 dos 50 estados americanos têm certeza ou probabilidade de proibir o aborto se Roe v. Wade cair, deixando as mulheres em grandes faixas do sudoeste e meio-oeste dos EUA sem acesso ao procedimento médico nas proximidades.
A maioria dos estados onde o aborto ainda seria legal estão na costa oeste — como na Califórnia, Nevada, Oregon e Washington — ou no nordeste. O governador Gavin Newsom, da Califórnia, propôs na segunda-feira a consagração do direito ao aborto na constituição do estado.
De acordo com o Instituto Guttmacher, um punhado de estados do Meio Oeste e do Sudoeste devem manter o aborto legal, como Colorado, Illinois, Kansas, Minnesota e Novo México.
Sob esse cenário, uma mulher em Miami, Flórida, pode ter que dirigir 11 horas, ou mais de 1.100 quilômetros, para chegar à Carolina do Norte, onde se espera que o aborto permaneça legal.
Colorado, Connecticut, Maryland, Nova Jersey e Vermont aprovaram legislação este ano visando proteger ou expandir o acesso ao aborto.
*Com informações da CNN e Reuters