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    Perdido na tradução: plano inclusivo da Nova Zelândia para sinais de trânsito bilíngues tomou um rumo inesperado

    Governo neozelandês quer implementar sinalização no idioma maori e inglês, mas gesto inclusivo à comunidade indígena, que representa um quinto da população do país, foi criticado pela oposição e gerou debate divisivo às vésperas das eleições gerais

    Como podem ser os sinais de trânsito bilíngues propostos pelo governo da Nova Zelândia
    Como podem ser os sinais de trânsito bilíngues propostos pelo governo da Nova Zelândia Waka Kotahi NZ Transport Agency

    Chris Lauda CNN

    Era para ser um gesto inclusivo para a comunidade Maori indígena da Nova Zelândia. Mas os planos de introduzir sinais de trânsito bilíngues com os idiomas inglês e te reo maori provocaram um debate divisivo e racialmente carregado antes das próximas eleições gerais do país.

    A Nova Zelândia – ou Aotearoa, como é conhecida em maori – organizou recentemente uma consulta pública sobre a inclusão do te reo maori em 94 tipos de placas de trânsito, incluindo nomes de lugares, limites de velocidade, advertências e avisos de vias expressas.

    A ideia, de acordo com a Waka Kotahi NZ Transport Agency (cujo nome significa “viajar juntos como um”), é promover “entendimento cultural e coesão social” com a comunidade maori, que compõe quase um quinto da população de 5,15 milhões da Nova Zelândia.

    Mas a ideia não caiu bem para os partidos de oposição de direita, que atacaram as placas alegando que elas colocariam em risco a segurança no trânsito. Um idioma extra significará menos espaço para as palavras em inglês, segundo a teoria, e letras menores serão mais difíceis de ler para os motoristas.

    “As placas precisam ser claras. Todos nós falamos inglês, e elas deveriam estar em inglês”, disse o principal porta-voz do Partido Nacional da oposição, Simeon Brown, a repórteres, insistindo que as placas podem confundir as pessoas “viajando em alta velocidade”.

    Essa afirmação gerou críticas do governo do Partido Trabalhista, com o primeiro-ministro Chris Hipkins acusando a oposição de política racial mal disfarçada. “Não tenho certeza para onde eles estão indo com isso, a menos que seja apenas um apito de cachorro [linguagem sugestiva em mensagens políticas para falar com um público-alvo]”, disse ele.

    Embora o Partido Nacional tenha insistido desde então que não se opõe às placas bilíngues “per se” – ao contrário, ele diz que quer que o governo priorize outras coisas, como consertar buracos e melhorar as redes de tráfego – as questões provocaram um debate acalorado na corrida para a votação em outubro, onde o partido trabalhista está enfrentando uma dura luta para se manter no poder.

    Nova vida para uma língua que estava morrendo

    Para muitos na comunidade maori, o plano é tanto para sinalizar e preservar sua herança cultural quanto para entender as direções das estradas. Pouco menos de um quarto dos 892.200 maori da Nova Zelândia falam te reo maori como uma de suas primeiras línguas, de acordo com os dados mais recentes do governo.

    Enquanto os oponentes usam isso como argumento contra as placas – apontando que 95% dos neozelandeses falam inglês, de acordo com o censo mais recente de 2018 – os defensores usam os mesmos dados como argumento a favor.

    Parte do motivo pelo qual o te reo maori não é tão amplamente falado é que, na era colonial da Nova Zelândia, houve esforços ativos para eliminá-lo. A Lei das Escolas Nativas de 1867 exigia que as escolas ensinassem em inglês sempre que possível e as crianças eram frequentemente punidas fisicamente por falarem te reo maori.

    Isso levou a um declínio na linguagem que o atual governo da Nova Zelândia está tentando reverter. O projeto quer preservar a língua como patrimônio cultural do país e vê nas placas bilíngues uma forma de incentivar seu uso.

    Como disse o especialista em língua maori, Awanui Te Huia, da Victoria University of Wellington: “Ter sinalização bicultural nos permite ver nossa língua como parte de nosso ambiente diário e contribui para o desenvolvimento de uma identidade nacional bilíngue”.

    Para tanto, o governo lançou em 2018 um plano quinquenal destinado a revitalizar o idioma. Cinco anos atrás, apenas 24% dos neozelandeses eram capazes de falar “mais do que algumas palavras ou frases” em te reo maori; em 2021, esse número havia subido para 30%. No mesmo período, o apoio a sinais bilíngues aumentou de 51% para 56%.

    A visão de longo prazo é que até 2040, 85% dos neozelandeses valorizarão o te reo maori como uma parte fundamental de sua nacionalidade; 1 milhão de pessoas serão capazes de falar o básico e 150 mil maoris com 15 anos ou mais usarão tanto quanto o inglês.

    Para a professora Tania Ka’ai, diretora do International Center for Language Revitalization da Auckland University of Technology, as placas bilíngues são pelo menos um movimento na direção certa.

    “Eu descreveria isso como um ‘trabalho em andamento’ porque a língua ainda corre o risco de morrer e não merece morrer – nenhuma língua merece”, disse Ka’ai.

    Sinalização bilíngue é segura?

    Embora a agência de transportes reconheça que algumas pessoas têm “preocupações com a segurança” em relação ao plano, ela aponta o exemplo do País de Gales, no Reino Unido, onde diz que placas em inglês e galês conseguiram “melhorar a segurança” ao atender aos falantes dos dois idiomas locais mais comuns.

    Ela também diz que o paralelo entre a Nova Zelândia e o País de Gales será “particularmente saliente se o te reo Maori se tornar mais amplamente compreendido no futuro”, como o governo espera.

    Vários outros especialistas minimizaram a sugestão de que os sinais bilíngues representam um perigo. Mesmo assim, a questão não é totalmente clara. Kasem Choocharukul, um estudioso de engenharia especializado em comportamento do tráfego, disse à CNN que não há evidências de que os sinais de trânsito bilíngues em si tenham um impacto negativo na compreensão do motorista.

    No entanto, o design e a colocação dos sinais de trânsito, bem como os idiomas e o contexto em que são usados, devem ser tratados com cuidado, disse Kasem, reitor associado da faculdade de engenharia da Universidade Chulalongkorn, na Tailândia.

    Uma pesquisa da Universidade de Leeds sugere que sinais de trânsito compostos por quatro linhas, ou mais, provavelmente diminuem significativamente o tempo de resposta dos motoristas.

    Kasem disse que nos casos em que os sinais apresentam vários idiomas, todos baseados no mesmo alfabeto – por exemplo, tanto o galês quanto o inglês são baseados no alfabeto latino – é necessário maior cuidado para diferenciá-los, como o uso de cores ou tamanhos de fonte diferentes.

    “O principal objetivo desses padrões é garantir que todos os sinais de trânsito sejam inequívocos, uniformes e legíveis para todos”, disse ele.

    Essencialmente, um design ruim pode ser perigoso se mal feito, não vários idiomas.

    Um sinal de trânsito bilíngue na A465 em Tredegar, no País de Gales / Huw Fairclough/Arquivo CNNi

    Um conto de duas línguas

    O exemplo do País de Gales – situado a mais de 16 mil quilômetros de distância da Nova Zelândia – não é tão aleatório quanto parece. Os especialistas dizem que há uma série de paralelos desconfortáveis entre o histórico da língua te reo maori e do galês, que também já esteve em perigo de extinção, mas desde então testemunhou um ressurgimento.

    Ao mesmo tempo em que os colonos europeus do século 19 na Nova Zelândia puniam os estudantes por falarem te reo maori, o governo britânico desencorajava ativamente o uso da língua galesa, ou Cymraeg, devido à agitação social generalizada.

    Em 1847, 20 anos antes da Lei das Escolas Nativas da Nova Zelândia, um relatório do governo britânico em galês vinculou o idioma à estupidez, promiscuidade sexual e comportamento indisciplinado, levando a uma campanha para remover o idioma das escolas locais.

    Isso levou à notória punição conhecida como Welsh Nots. Eram tábuas de madeira com as iniciais W.N. que seriam penduradas no pescoço dos alunos que fossem pegos falando o idioma na escola.

    O ponto de virada para o galês veio um século depois, após uma série de campanhas de desobediência civil da Welsh Language Society na década de 1960. Uma dessas campanhas envolveu ativistas desfigurando e removendo placas somente em inglês nas ruas e estradas. Sinais de trânsito bilíngues começaram a surgir.

    Três décadas depois, o Parlamento britânico estava encorajando ativamente o uso do galês. Em 1993, aprovou o Welsh Language Act para garantir que o idioma compartilhe o mesmo status do inglês durante os negócios do dia-a-dia no País de Gales. A língua agora é falada por mais de 900 mil pessoas no País de Gales, de uma população de mais de 3 milhões.

    James Griffiths, autor de “Speak Not: Empire, Identity and the Politics of Language” e ex-jornalista da CNN, disse que o País de Gales é um excelente exemplo de como políticas sólidas podem reviver uma língua nativa, mas observou que, como na Nova Zelândia, houve resistência de alguns grupos.

    “Acho que muitas pessoas, se falam o idioma da maioria, não apreciam o tipo de reconhecimento e representação de tê-lo nos sinais de trânsito”, disse ele.

    Na República da Irlanda, sinais bilíngues com gaélico irlandês e inglês existem desde o início do século 20.

    A comparação com o Havaí

    Outros especialistas traçam paralelos de como o estado americano do Havaí usou sinais de trânsito para encorajar o uso do olelo hawai’i, que, como te reo maori, é uma língua polinésia. Antes da aprovação da Convenção Constitucional do Estado do Havaí em 1978, que tornou o havaiano uma língua oficial do estado, havia preocupações de que pudesse ser extinto.

    Na década de 1980, o ensino do havaiano nas escolas começou a ganhar impulso e os pais começaram a se esforçar mais para transmitir o idioma às gerações posteriores, disse Puakea Nogelmeier, professor emérito de língua havaiana na Universidade do Havaí.

    A lígua havaiana quase foi extinta, mas em 1978 o havaiano tornou-se a língua oficial do estado / Foto: Divulgação

    Esse ímpeto continua a crescer até hoje, com o Departamento de Transportes do Havaí no ano passado se movendo para introduzir marcações diacríticas como okina e kahako – pontos e linhas que indicam paradas glotais ou vogais mais longas – em seus sinais de trânsito para ajudar falantes havaianos não nativos entender as pronúncias corretas.

    De acordo com uma pesquisa do governo local em 2016, cerca de 18 mil residentes agora falam havaiano em casa em um estado com uma população de mais de 1,4 milhão. Mas Nogelmeier diz que, embora tenha se tornado mais comum ouvir conversas conduzidas em olelo hawai’i, a batalha para reviver o idioma está longe de terminar.

    Ao contrário da Nova Zelândia, onde o povo maori chegou a um acordo com o governo neozelandês para preservar o te reo maori sob o Maori Language Act 2016, ele diz que o movimento no Havaí é impulsionado principalmente pela comunidade, tornando a causa “mais decorativa do que funcional” e semelhante a “um pouco de hobby”.

    Nogelmeier também diz que os esforços no Havaí são amplamente limitados ao uso de olelo hawai’i para nomes de lugares, em vez de usos linguísticos mais complicados. Ele deve saber: nos ônibus havaianos, é a voz de Nogelmeier que chama os nomes das paradas no idioma local.

    Perdido na tradução

    O uso de nomes de lugares indígenas também permite que pessoas de fora tenham uma melhor compreensão de como pronunciar as palavras e impulsionar o turismo. Tanto o País de Gales quanto a Nova Zelândia têm alguns trava-línguas famosos para aqueles que não estão familiarizados com o idioma local.

    Llanfairpwllgwyngyll – ou para dar-lhe o título completo Llanfair-pwllgwyngyll-gogery-chwyrn-drobwll-llan-tysilio-gogo-goch – é uma pequena vila na ilha galesa de Anglesey e afirma ser o maior nome de cidade na Europa.

    No entanto, é ofuscado pelo Taumatawhakatangihangakoauauotamateaturipukakapikimaungahoronukupokaiwhenuakitanatahu da própria Nova Zelândia, uma colina perto de Hawke’s Bay que se orgulha de ser o nome de lugar mais longo do mundo.

    Com a Nova Zelândia encerrando sua consulta pública sobre a sinalização no final de junho, outro desafio permanece se o plano for adiante: garantir que não haja erros de tradução.

    Um sinal de trânsito no País de Gales ganhou as manchetes nacionais em 2008, quando funcionários do conselho local buscaram uma tradução para uma placa que dizia: “Proibida a entrada de veículos pesados de mercadorias. Área residencial apenas”.

    O erro deles foi enviar um e-mail para o serviço de tradução interno e não examinar a resposta com muita atenção.

    As autoridades solicitaram uma placa que dizia: “Nid wyf yn y swyddfa ar hyn o bryd. Anfonwch unrhyw waith i’w gyfieithy”.

    Só mais tarde perceberam que é o galês para: “Não estou no escritório no momento. Envie qualquer trabalho para ser traduzido”.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

    versão original