Papa Pio XII possivelmente sabia do holocausto, aponta carta descoberta no Vaticano
Documento, datado em 14 de dezembro de 1942, foi escrito pelo padre Lother Koenig, um jesuíta que fez parte da resistência antinazista na Alemanha, e foi dirigida ao secretário pessoal do papa
Uma carta amarelada e datilografada, tornada pública com o apoio de um funcionário do Vaticano e reproduzida no domingo (17) no jornal italiano Corriere della Sera, tornou questionável a postura da igreja católica sobre o holocausto durante a Segunda Guerra Mundial.
A carta, datada de 14 de dezembro de 1942, escrita pelo padre Lother Koenig, um jesuíta que fez parte da resistência antinazista na Alemanha, foi dirigida ao secretário pessoal do papa no Vaticano, padre Robert Leiber, também alemão.
O arquivista do Vaticano, Giovanni Coco, disse ao Corriere della Sera que a importância da carta é “enorme, um caso único” porque mostrava que o Vaticano tinha informações de que os campos de trabalho eram, na verdade, fábricas de morte.
Na carta, Koenig diz a Leiber que suas fontes lhe confirmaram que cerca de 6.000 poloneses e judeus eram assassinados por dia em “fornos da SS [grupo antissemita do nazismo]” no campo de Belzec, perto de Rava-Ruska, que então fazia parte da Polônia ocupada pelos alemães e agora está localizado no oeste da Ucrânia.
“A novidade e a importância deste documento derivam de um fato: temos agora a certeza de que a Igreja Católica na Alemanha enviou a Pio XII notícias precisas e detalhadas sobre os crimes que estavam a ser perpetrados contra os judeus”, disse Coco ao jornal cujo artigo foi publicado e intitulado como “Pio XII sabia de tudo”, em tradução livre.
Quando o entrevistador do Corriere lhe perguntou se a carta provava que Pio XII sabia do holocausto, Coco respondeu: “Sim, e não somente deles”.
Relembre:
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Documentos organizados aleatoriamente
A carta fazia referência a dois outros campos nazis – Auschwitz e Dachau – e sugeria que havia outras cartas entre Koenig e Leiber que desapareceram ou ainda não foram encontradas.
Os apoiadores de Pio XII dizem que ele trabalhou nos bastidores para ajudar os judeus e não se manifestou para evitar o agravamento da situação dos católicos na Europa ocupada pelos nazis. Os seus detratores afirmam que lhe faltou coragem para divulgar as informações que possuía, apesar dos apelos das potências aliadas que lutavam contra a Alemanha.
A carta estava entre os documentos que Coco disse estarem armazenados aleatoriamente na Secretaria de Estado do Vaticano e só recentemente foram entregues aos arquivos centrais onde ele trabalha.
Suzanne Brown-Fleming, diretora de Programas Acadêmicos Internacionais do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington, disse à Reuters por e-mail que a divulgação mostrava que o Vaticano estava levando a sério a declaração do Papa Francisco de que “a Igreja não tem medo da história” quando ele ordenou que os arquivos de guerra fossem abertos em 2019.
“Há um desejo e um apoio para uma avaliação cuidadosa dos documentos de uma perspectiva científica, seja favorável ou desfavorável no que os documentos revelam”, disse ele.
Num e-mail à Reuters, David Kertzer, vencedor do Prémio Pulitzer e autor de “O Papa em Guerra”, um livro de 2022 sobre os anos de Pio XII, disse que Coco era um “estudioso sério de primeira linha”, situado numa posição central na o Vaticano para descobrir a verdade.
Brown-Fleming, Coco e Kertzer participarão de uma grande conferência sobre Pio XII e o Holocausto no próximo mês, na Pontifícia Gregoriana, patrocinada por organizações católicas e judaicas, pelo Departamento de Estado dos EUA e por grupos de pesquisa israelenses sobre o Holocausto e americanos, entre outros.
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