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    Cubanos encaram viagens mortais no Mar do Caribe por pandemia e crise econômica

    Sanções americanas durante o governo Trump foram sucedidas pelo recrudescimento da pandemia e da crise econômica na ilha, que vive basicamente do turismo

    Patrick Oppmann, , da CNN, em Caibarién, Cuba

    Quando Beatriz Jimenez fecha os olhos, vê sua filha e dois netos pequenos. Em seus sonhos, eles estão vivos. A família de Jimenez deixou a pequena cidade litorânea de Cabarién, no litoral norte de Cuba, em 4 de março, a bordo de um barco de contrabando lotado.

    O barco veio da Flórida e pegou um grupo de cubanos desesperados para chegar aos Estados Unidos, segundo nota da chancelaria cubana.

    A operação de tráfico de pessoas violou as leis dos Estados Unidos e de Cuba e colocou em risco a vida dos passageiros. Embora a ilha comunista esteja a apenas 90 milhas náuticas dos Estados Unidos, o clima no Estreito da Flórida é traiçoeiro, especialmente na primavera, quando os “ventos da Páscoa”, como os cubanos chamam as mudanças sazonais abruptas no clima, podem fazer do mar um ambiente extremamente hostil.

    Jimenez disse que sua filha Lisbethy fez a viagem porque estava separada do marido na Flórida por mais de um ano, depois que a pandemia obrigou Cuba a cortar a maioria dos voos internacionais. Lisbethy tinha medo de deixar sua filha, Kenna Mariana, de 6 anos, e Luis Nesto, de 4, para trás, em Cuba, e correr o risco de uma longa separação.

    “Minha filha é uma boa mãe. Ela não teria feito isso se tudo não fosse seguro. Ela não os teria feito passar por isso. Seus filhos são tudo para ela”, disse Jimenez à CNN da salinha cheia de brinquedos que sua filha preparou para os filhos.

    De acordo com o comunicado do Ministério das Relações Exteriores de Cuba, os contrabandistas obrigaram os migrantes a trocar de barco assim que chegassem às águas das Bahamas, para tentar confundir qualquer navio da Guarda Costeira que pudesse estar em perseguição.

    Quando o segundo barco acelerou para o norte, perdeu o controle e virou. Não está claro quantas pessoas estavam a bordo.

    Cerca de 14 horas depois, um navio da Defesa Real das Bahamas encontrou 12 sobreviventes e um cadáver, de acordo com um comunicado do governo das Bahamas. Lisbethy e seus filhos não estavam entre eles.

    Jimenez disse que parentes na Flórida, que contataram sobreviventes nas Bahamas, disseram, mais tarde, que os contrabandistas não trouxeram coletes salva-vidas para nenhum dos passageiros.

    À medida que a crise econômica de Cuba piora, funcionários da Guarda Costeira dos EUA dizem que estão vendo mais cubanos tentando a perigosa viagem de barco.

    Beatríz Jímenez segura foto de seus netos desaparecidos
    Jímenez segura uma foto de seus netos, Kenna Mariana, de 6 anos, e Luis Nesto, de 4 anos
    Foto: Patrick Oppmann/CNN

    Desde 1º de outubro, a Guarda Costeira interceptou 90 cubanos no mar, de acordo com o porta-voz Brandon Murray. Esse número já supera os 49 migrantes cubanos do ano fiscal anterior e não contabiliza muitos migrantes que podem chegar a outros países, como as Bahamas, ou que chegam com sucesso aos Estados Unidos.

    Em fevereiro, um pequeno barco que transportava oito cubanos, incluindo duas mulheres grávidas, virou ao chegar à costa da Flórida após 16 dias no mar.

    No mesmo mês, a Guarda Costeira dos Estados Unidos resgatou três cubanos que se alimentavam principalmente de cocos depois de ficarem encalhados em uma ilha deserta nas Bahamas por 33 dias.

    Embora até agora o número de migrantes cubanos indo para os mares seja bem menor do que a crise da década de 1990, quando milhares de pessoas tentaram a perigosa travessia de barco, o aumento está causando alarmes.

    “A Guarda Costeira não recomenda que ninguém leve ao mar embarcações que não estejam em condições de navegar. As embarcações estão frequentemente sobrecarregadas, os mares são imprevisíveis e o risco de perda de vidas é muito grande”, disse a Guarda Costeira dos EUA em um comunicado fornecido para a CNN.

    A maioria dos cubanos apanhados entrando nos Estados Unidos são devolvidos à ilha, depois que o presidente Obama, em seus últimos dias de mandato, em 2017, cancelou a política “Pé molhado, pé seco” que permitia a permanência de quem chegava ao país.

    De acordo com dados divulgados pela Guarda Costeira, 5.396 cubanos foram interceptados no ano fiscal de 2016. Esse número caiu para 1.468 no ano fiscal seguinte, após a mudança de política de Obama, e desde então tem permanecido na casa das centenas.

    Mas a piora do clima econômico pode levar mais cubanos a fazer a viagem, mesmo tendo perdido seu status privilegiado entre os migrantes ilegais nos Estados Unidos. Em 2020, a economia encolheu 11%, segundo dados do governo cubano, já que a indústria do turismo na ilha foi quase totalmente paralisada pela pandemia.

    Isso se seguiu a uma série de sanções punitivas do governo Trump – as mais duras em décadas – que incluíram devolver Cuba à lista de países que apoiam o terrorismo, limitar a capacidade dos cidadãos norte-americanos de viajar para a ilha e cortar canais para cubano-americanos para enviar remessas a parentes na ilha.

    “As remessas basicamente determinam quem pode comer e quem não pode”, disse Ernesto Gonzalez, cuja empresa de remessas Vacuba foi afetada pelas sanções de Trump. Gonzalez disse que está pedindo ao governo Biden que restaure os serviços de transferência de dinheiro antes que os cubanos enfrentem uma crise humanitária.

    Circunstâncias desesperadoras

    Homem faz entrega de comida em Havana
    Homem faz entregas de comida em Havana, Cuba. Pandemia agravou a condição econômica na ilha.
    Foto: Sven Creutzmann/Mambo photo/Getty Images

    Cada vez mais os cubanos esperam em longas filas para comprar comida, que devem pagar em dólares americanos em muitas lojas administradas pelo governo cubano.

    Sem turistas, restaurantes e hotéis ficam vazios. Muitos cubanos comparam a crise em curso aos anos sombrios que a ilha experimentou após o colapso de seu aliado, a União Soviética, em 1991, quando dezenas de milhares de cubanos fugiram para os Estados Unidos de barco e jangada.

    O governo Biden disse que está estudando possíveis mudanças em sua política com relação a Cuba, incluindo as conclusões sobre como dezenas de diplomatas americanos que trabalham na Embaixada dos Estados Unidos ficaram doentes. Os misteriosos incidentes de saúde levaram o Departamento de Estado, em 2017, a retirar a maioria de seus diplomatas da ilha e fechar os serviços da embaixada por meio dos quais os cubanos poderiam receber vistos dos EUA.

    De acordo com um relatório do Departamento de Estado, em novembro de 2020, mais de 78 mil cubanos estavam em uma lista de espera por vistos de imigrante.

    Beatriz Jimenez disse que sua filha esperava solicitar um visto para se reunir com seu marido nos Estados Unidos, mas, com o fechamento da embaixada e as interrupções causadas pela pandemia se prolongando, ela não pode esperar mais.

    Enquanto Jimenez fazia vigília com vizinhos e parentes por sua família desaparecida, ela orou por um anúncio de resgate.

    “Eles estão vivos. Eu sei disso porque acredito em Deus. Sei que será um milagre”, disse ela. “Estou desesperada, mas me apego à ideia de que teremos uma resposta.”

    Mas dez dias depois de seu desaparecimento, o governo cubano anunciou que estava suspendendo a operação de busca. Jimenez ainda não sabe o que aconteceu com sua filha e seus netos.

    Os filhos e a mãe desapareceram no mar.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês).

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