Pandemia de coronavírus é oportunidade para crime organizado na Ásia
Disseminação da doença dificulta esforços de governos para combater o tráfico de drogas
* Jeremy Douglas é Representante Regional do Escritório de Drogas e Crimes das Nações Unidas (UNODC, em inglês) no Sudeste Asiático e Pacífico. As opiniões expressadas aqui são dele.
Dizer que a pandemia global do novo coronavírus está gerando caos e afetando vidas de forma real e tangível certamente não é eufemismo. Mas um impacto que não tem recebido muita atenção é como a disseminação da doença está dificultando os esforços dos governos para combater o crime organizado transnacional e o tráfico de drogas – especialmente na Ásia, onde o surto começou.
O vírus e as fortes medidas estabelecidas para combater a propagação dele estão desafiando a habilidade do UNODC de reunir as autoridades de aplicação da lei e de Justiça da Ásia para compartilhar informações e dados de inteligência, planejar e conduzir operações conjuntas.
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Com a redução do movimento de pessoas e produtos pelas fronteiras, a cooperação internacional se faz mais necessária do que nunca, dado a presença de grupos bilionários de tráfico de drogas na região.
Efeitos práticos
Nos bastidores, a COVID-19 impactou a forma como muitos governos e as Nações Unidas funcionam no dia a dia, de uma maneira que nem todos apreciam e muitos ainda precisam entender.
Os seis países ao longo do rio Mekong – Camboja, China, Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã – e o UNODC tiveram que suspender o grande plano cuidadosamente articulado de uma operação conjunta contra o crime organizado e o tráfico de drogas nos principais pontos fronteiriços da região.
Todas as reuniões presenciais das autoridades de inteligência foram adiadas por tempo indeterminado, e diante da trajetória atual do surto, pode levar meses até que elas se encontrem novamente. Ministros de segurança pública e altos funcionários também estão em isolamento, sem saber o que fazer.
Mais exames
Ao mesmo tempo, muitos policiais, além de agentes nas fronteiras e nas alfândegas, precisam agora examinar as pessoas que chegam aos países em busca de sinais da doença. Muitos deles receberam diferentes orientações sobre o que e como deveriam fazer.
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Os policiais paramilitares da Ásia, que monitoram os principais postos de verificação na fronteira, não foram apropriadamente treinados para lidar com a pandemia. Rever as prioridades com relação ao foco desses agentes mal equipados e mal treinados também pode dificultar a forma de lidar com outras prioridades e enfraquecer a já frágil aplicação da lei na região.
E é mais do que provável que os traficantes irão se beneficiar dessa situação.
Distração
O fato é que o comportamento do crime organizado é previsível, e traficantes se aproveitarão para contrabandear, produzir e enviar mais drogas e outros produtos ilícitos enquanto as autoridades estão distraídas e olhando em outra direção.
Eles se movimentarão decisiva e rapidamente para ganhar dinheiro. Não hesitarão – o negócio deles é construído fundamentalmente em torno da capitalização sobre as vulnerabilidades dos governos.
Em resumo, a pandemia é um grande desastre para os já falhos serviços de aplicação da lei, que agora lutam para agir, e abre uma brecha para o crime organizado na Ásia. O novo coronavírus está expondo falhas fatais na capacidade de resposta da segurança pública, e a região deve sofrer.
Quando a situação se acalmar e esses locais controlarem o surto, os países do Mekong, a Ásia e a ONU precisarão rapidamente fazer um balanço e voltar aos esforços de cooperação e colaboração, tirar a poeira dos planos atrasados e reiniciar as operações.
Se não fizerem isso, eles podem perder mais terreno para o crime organizado transnacional e os traficantes – algo com que a região não pode arcar.