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    Opinião: 6 lições que o Ocidente aprendeu nos 6 meses de guerra na Ucrânia

    Ainda não está claro quando o conflito irá terminar, para o especialista

    Daniel Treisman

    Los Angeles

    Seis meses depois do presidente russo Vladimir Putin enviar tropas para a Ucrânia, ainda não está claro como esta guerra irá terminar.

    A Ucrânia, que confirmou sua intenção de lançar uma nova contraofensiva, pode retomar a cidade de Kherson, ocupada pela Rússia, e outras partes do sul do país.

    Mas também é possível que uma força russa revigorada possa romper as linhas até Odessa, isolando o país do mar. Ou a linha de frente pode ficar estável mais ou menos onde está hoje.

    Seja lá o que aconteça, já podemos retirar algumas lições da guerra até agora. As muitas surpresas do conflito devem nos forçar a
    questionar nossas premissas antigas. Uma visão importante a respeito do último semestre trata da importância dos líderes individuais.

    A teoria do “grande homem” da história está fora de moda nos dias de hoje, dada a tendência de ver os acontecimentos humanos como resultado de forças profundas subjacentes –que obviamente são importantes. Mas, se o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tivesse fugido – como Putin aparentemente esperava – ou não conseguisse se comunicar tão bem, a resistência ucraniana poderia ter sido muito mais fraca.

    Poucos anteciparam que Zelensky, cujos índices de popularidade estavam em baixa antes da invasão russa, se mostraria um herói tão inspirador.

    Da mesma forma, se o presidente russo fosse, digamos, Boris Yeltsin, milhares de vítimas da guerra ainda estariam provavelmente vivas. Sem Putin, não haveria guerra. Com certeza, há muitos nacionalistas irritados na Rússia. Mas, fora do estreito círculo do presidente, apenas uma pequena minoria queria absorver a Ucrânia, de acordo com o Levada Center, um instituto de pesquisa independente russo.

    A julgar pelas caras de choque na reunião do Conselho de Segurança do Kremlin, realizada em fevereiro, pouco antes do ataque, até mesmo muitos dos colaboradores mais próximos de Putin ficaram abismados com a decisão do chefe.

    A proeza do campo de batalha da Ucrânia também ilustra uma segunda lição: o poder subestimado dos azarões. Ao longo da história, muitas vezes apostamos que o lado militarmente mais forte vencerá rapidamente. Mas essa perspectiva negligencia a importância do apoio externo e da moral interna.

    Quando a invasão começou, quase todos pensaram que a capital Kiev cairia em questão de dias. No entanto, como vimos em guerras, de Israel ao Vietnã e agora na Ucrânia, os azarões têm tido um desempenho muito melhor do que o esperado.

    Curiosamente, a Rússia também pode ser vista como uma espécie de azarão. Desde fevereiro, o Ocidente impôs uma série de sanções sem precedentes, que alguns pensavam que iria destruir a economia da Rússia. As perspectivas de médio prazo parecem sombrias. Mas, hoje, o rublo está estável, o sistema sobreviveu, o desemprego continua baixo e os lucros do setor petrolífero estão acima dos do ano passado.

    Também ajuda o fato de que países como China, Índia, Turquia e Indonésia, que também ressentem o domínio ocidental, tenham se recusado a isolar Putin.

    As ações de Putin também nos lembram de outro ponto crucial: autocratas que agem livremente cometem erros terríveis. Muitas vezes, eles começam guerras revisionistas para corrigir “injustiças históricas”. São ações que costumam ir mal – basta lembrar os exemplos da ação do presidente argentino Leopoldo Galtieri de tomar as Ilhas Malvinas do Reino Unido em 1982, da invasão de Saddam Hussein ao Kuwait em 1990 e da tentativa de golpe de estado dos generais gregos no Chipre em 1974. No entanto, fracassos do passado não impediram os tais homens fortes de repetirem tais erros.

    Se há algo que possamos tirar de lição da invasão russa da Ucrânia, é que não podemos nos planejar apenas para a defesa de ataques que parecem racionais.

    Dentro da Rússia, uma surpresa notável é o aparente sucesso da propaganda do Kremlin, mesmo quando ele espalha teorias da conspiração sobre nazistas no governo ucraniano. Vistas de fora, as alegações pareciam muito extremas para funcionarem, especialmente tendo em conta os muitos laços pessoais ligando as pessoas dos lados opostos da fronteira. É claro que é difícil medir a opinião pública num estado policial em guerra.

    Mas os relatos de russos que acreditam mais nas mentiras da TV do que em seus próprios parentes na Ucrânia têm sido impressionantes. O sucesso da desinformação do Kremlin reflete anos de repetição, que estimularam os espectadores a acreditar em coisas terríveis a respeito dos seus vizinhos. Isso se soma ao desejo natural de se negarem a admitir que seus governantes podem ser criminosos de guerra.

    Na verdade, as pesquisas sugerem há um desejo crescente entre russos de falar menos sobre a guerra. Em julho, 32% dos russos entrevistados em pesquisa disseram que a “operação militar especial” era o evento mais importante das quatro semanas anteriores, com redução de 75% em março, segundo o Levada Center.

    O apoio à guerra não é certamente universal. Apesar do aumento da repressão, notáveis 18% dos respondentes russos ainda dizem que se opõem às ações militares do seu país. Uma grande questão para os próximos seis meses é se o descontentamento aumentará até ser uma ameaça ao Kremlin. É menos provável que o perigo venha do sentimento antiguerra por si só do que dos potenciais protestos contra as dificuldades econômicas, caso as sanções tenham efeito.

    Uma lição final é uma da qual o Ocidente não pode fugir. A agressão de Putin à Ucrânia eliminou qualquer última dúvida de que estamos numa nova Guerra Fria. Será preciso muita habilidade para evitar o escalonamento desse cenário. Desta vez, o adversário do Ocidente não é apenas a Rússia, mas sim uma parceria cada vez mais estreita entre o Kremlin e a China. A ideia de que os Estados Unidos poderiam converter um lado contra o outro agora parece pitoresca.

    Presidente russo, Vladimir Putin / 16/05/2022. Sputnik/Sergei Guneev/Pool via REUTERS

    Enquanto Putin permanecer no poder, ele vai trabalhar para enfraquecer o Ocidente. Embora a cooperação com a China continue possível apenas em algumas esferas, Xi Jinping também parece empenhado em desafiar o poder dos Estados Unidos.

    Um cálculo doloroso espera o Ocidente nos próximos seis meses. Vimos em fevereiro que as democracias, embora lentas ao reagir, podem se unir quando uma ameaça se torna inconfundível. A união do Ocidente em apoio à Ucrânia no primeiro semestre foi impressionante.

    O desafio agora será manter essa coesão enquanto o mundo se prepara para enfrentar um inverno com menor fornecimento de gás. Será preciso cuidar do comportamento divisivo dos amigos ocidentais de Putin, entre eles empresas alemãs, ansiosas por reativar o gasoduto Nord Stream 2, e inúmeros políticos franceses e italianos.

    A crise energética iminente é apenas o início. O Ocidente ainda não chegou a um acordo com o custo de se defender contra a China, a Rússia e uma série de outras ameaças emergentes. Desde o final da década de 1980, os líderes ocidentais agem como político populistas, fingindo que podem simultaneamente expandir a OTAN e diminuir os gastos militares de seus orçamentos. Gananciosos por um grande “dividendo da paz”, eles deixaram as novas fronteiras da aliança, e as terras próximas delas, com uma defesa leve. Isso tem de mudar, e não será barato.

    Os últimos seis meses de Putin dificilmente poderiam ter sido um fracasso maior. Mesmo assim, de acordo com analistas bem informados, como relatado pela Bloomberg News, Putin acredita firmemente que o tempo está do seu lado e que o Ocidente irá quebrar perante as pressões econômicas. Os próximos seis meses mostrarão se ele está certo.

    *Daniel Treisman é professor de ciência política na Universidade da Califórnia, em Los Angeles e co-autor de “Spin Dictators: The Changing Face of Tyranny in the 21st Century”. As opiniões expressas neste comentário não refletem a posição da CNN.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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