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    “OEA vive crise de legitimidade”, diz embaixador do Brasil

    Benoni Belli avalia que Organização dos Estados Americanos, com sede em Washington, perdeu relevância em solução de crises no continente

    Fernanda Magnottada CNN

    O embaixador Benoni Belli, representante brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA), avalia que a entidade com sede em Washington vive uma “crise de legitimidade” e diminuiu sua relevância na mediação de conflitos regionais.

    Para ele, a OEA tem servido para discursos e críticas, principalmente que lideranças políticas ganhem pontos em embates domésticos, mas sua capacidade para mediar qualquer coisa na Venezuela, por exemplo, é “praticamente nula”.

    “O maniqueísmo pode ser eficiente em campanhas políticas, mas é péssimo conselheiro nas relações internacionais”, afirma o embaixador, entrevistado desta semana no Vozes da Diplomacia.

    Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e diplomata desde 1994, Benoni Belli foi diretor do Departamento de Estados Unidos e cônsul-geral em Chicago antes de assumir a representação permanente do Brasil na OEA, onde está há pouco mais de um ano.

    Leia os principais trechos da entrevista:

    CNN – O papel do Brasil na OEA tem sido marcado por uma abordagem de diálogo e cooperação, especialmente em momentos de crise regional. Como o senhor  avalia a posição do Brasil na atual conjuntura, em que o cenário político especialmente na América do Sul parece cada vez mais fragmentado? Há um espaço efetivo para que o Brasil atue como líder na reconstrução do projeto de integração regional?

    Na OEA, o Brasil tem atuado para que a fragmentação política não encontre terreno fértil para vicejar. Esse foi o sentido da declaração conjunta sobre negociações abertas, transparentes e inclusivas que propusemos no ano passado. A ideia é evitar que grupos de países imponham sua vontade, muitas vezes empregando a estratégia de efeito surpresa, por meio da redação de propostas em grupos pequenos e na calada da noite; e explorando regras de procedimento demasiado frouxas que permitem forçar deliberações sem ampla discussão.

    Temos de nos bater contra o cacoete de usar a OEA para ganhar pontos em embates políticos domésticos, o que leva quase sempre à adoção do discurso fácil do “nós, defensores do bem, contra eles, os malignos”. O maniqueísmo pode ser eficiente em campanhas políticas, mas é péssimo conselheiro nas relações internacionais. Temos buscado criar um espaço de diálogo e negociação. No entanto, é sempre um desafio na nossa era das redes sociais, que não favorece o diálogo, mas a lacração. O resgate da boa e velha diplomacia para evitar o esvaziamento da OEA é nossa prioridade nos temas de maior sensibilidade política.

    CNN – Diante da crise interna pela qual passa a OEA já há alguns anos, quais são as prioridades do Brasil para promover uma agenda mais sólida e coesa entre os países sul-americanos? O senhor acredita que a organização, em sua forma atual, possui a legitimidade e a estrutura necessárias para liderar esse processo?

    A OEA é uma organização política multilateral de caráter regional, mas não pretende ser um esquema de integração regional, no sentido do que é a União Europeia ou o Mercosul. Foi criada em 1948 com o objetivo principal de manter a paz. Acabou desenvolvendo também competências na defesa da democracia, respeito aos direitos humanos e cooperação para o desenvolvimento.

    Apesar da crise a que você se refere, creio que a OEA tem sido útil em diversas áreas. Seria muito difícil, senão impossível, ter uma cooperação eficaz no combate ao tráfico de drogas ou ao flagelo do crime transnacional organizado sem a participação de todos os países do hemisfério, e essa é uma plataforma que apenas a OEA oferece.

    A OEA vive hoje uma crise de gestão e governança, com ineficiências que precisam ser corrigidas tanto no funcionamento do secretariado quanto de seus órgãos políticos. E isso é consenso entre todos os Estados membros e boa parte do secretariado. Mas a maior crise é de legitimidade, com consequente diminuição relativa de relevância para ajudar a solucionar crises em certas situações.

    CNN – A crise eleitoral na Venezuela tem sido um desafio constante para a diplomacia regional. Quais são os principais obstáculos que a diplomacia brasileira enfrenta nessa mediação? E de que maneira a OEA pode contribuir efetivamente para uma solução negociada?

    É preciso reconhecer que a OEA, ao longo do tempo, privou-se dos instrumentos para ser um ator relevante em qualquer tentativa de mediação ou de bons ofícios no caso da Venezuela. Para entender as razões, vale a pena comparar com a situação de outro país, a Guatemala, em que a OEA teve um papel positivo e relevante.

    A principal diferença é que o então governo da Guatemala, apesar de estar na berlinda, participava da OEA e encontrou um espaço para dialogar. O Brasil, aliás, foi essencial para que se calibrasse a pressão política sem romper o diálogo, sem recorrer de maneira automática à ideia de eventual suspensão do país por desrespeito à Carta Democrática Interamericana.

    Não é fácil impedir que a opção preferencial pela sanção prevaleça, mas essa tem sido nossa batalha diária. Com uma estratégia prudente, contando com a participação do país nas negociações, foi possível avançar. A OEA enviou missão de observação eleitoral, missão de acompanhamento da transição, time de mediação entre governo e movimentos sociais, além da visita de grupo de cinco embaixadores do qual participei.

    Já com a Venezuela, erros em série cometidos desde 2017 e antes, acompanhados do afastamento do país da organização, comprometeram a capacidade de fazer a diferença na vertente política. É por isso que a OEA pode servir de palco para discursos e críticas, o que não deixa de ter certo impacto, mas sua capacidade de mediar qualquer coisa na Venezuela é praticamente nula.

    CNN – Como o senhor avalia os riscos de que as tensões geopolíticas entre Estados Unidos e Rússia/China sejam exacerbadas na América Latina, especialmente em razão da situação na Venezuela? De que forma o Brasil pode atuar para evitar que o cenário regional se torne um palco de disputas indiretas entre essas grandes potências?

    O Brasil é um ator global e fator de estabilidade, desenvolvimento e integração na nossa região, em particular na América do Sul. Não nos interessa a importação de conflitos e rivalidades geopolíticas de qualquer tipo para nosso entorno. Temos relações com todos os países e não queremos ser levados ou constrangidos a optar por qualquer um deles em detrimento de outro.

    Não creio que um país como a Venezuela deva ter como destino tampouco o alinhamento ou a subordinação, virando área de influência de quem quer que seja. É um país grande, de enorme potencial econômico, que precisa encontrar o caminho do desenvolvimento, da concórdia, da paz e da solução pela via democrática de seus conflitos. Claro que apenas os venezuelanos podem conduzir esse processo, construindo um caminho soberano, com o direito de manter boas relações com quem desejem. E o Brasil quer ser um parceiro nessa caminhada.

    CNN – De forma geral, como o senhor avalia a convivência entre Estados Unidos e China na América Latina, considerando a crescente influência econômica e estratégica de ambos na região? Quais são, na sua visão, os principais riscos e oportunidades para o Brasil nesse contexto de competição entre essas duas potências?

    Existe obviamente uma rivalidade crescente, que tem suas dimensões política, econômica e tecnológica. Como já disse, o Brasil tem a preocupação de que a competição seja sempre regulada, dentro de parâmetros e regras aceitas. Ninguém ganha com guerras comerciais e aumento da tensão geopolítica. Por isso, nos foros internacionais defendemos o cumprimento das regras, o respeito ao direito internacional, a solução pacífica das controvérsias.

    Para o Brasil, o cenário ideal é que EUA e China baixem a tensão, encontrem um “modus vivendi” e contenham a competição com aumento da cooperação em áreas em que seja possível a convergência.

    Na nossa região, não vejo problema em que haja competição econômica, inclusive porque somos uma região que precisa de investimentos para aumentar a competitividade, fazer transição energética, ampliar a criação de empregos de qualidade. Se essa competição for civilizada, como deve ser, pode ser benéfica para os países da região, desde que eles saibam como negociar os projetos e as parcerias.

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