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    O que é um governo no exílio e por que pode ser uma solução para a Ucrânia

    Zelensky garante que vai ficar em Kiev até ao fim mas os especialistas ouvidos pela CNN defendem que a sua sobrevivência é importante para manter a resistência em caso de ocupação

    Maria João Caetanoda CNN , Lisboa

    O que é um governo no exílio?

    Quando, por alguma razão, o governo legítimo de um país não tem condições de segurança para continuar a exercer as suas funções, pode transferir-se para um outro país que seja seu aliado.

    Quando esta solução é adotada?

    Em caso de golpe de estado ou de invasão (ou de ambos), esclarece à CNN o especialista em direito internacional Armando Marques Guedes, professor catedrático da Nova School of Law, em Portugal.

    “É uma situação extraordinária. O governo legítimo é deposto e exila-se num outro país”, explica à CNN o cientista político André Freire. “O poder de fato fica nas mãos de um outro governo, imposto pela força, que muitas vezes até pode ser um governo fantoche. O governo no exílio tem uma função sobretudo simbólica, mas é muito importante desde que seja visto como legítimo pelo seu povo e pelos interlocutores internacionais.”

    A legitimidade de um governo no exílio é maior quando for maior o seu reconhecimento, quer internamente quer por parte de outros países. Os governos no exílio existem partindo do princípio de que um dia podem voltar a assumir o poder no seu país de origem. A sua capacidade de atuação pode ser muito reduzida, no entanto, é um importante ato de resistência, afirma o especialista.

    Os governos no exílio são eficazes?

    “As principais funções de um governo no exílio são, por um lado, receber as informações dos países aliados e, por outro, organizar a resistência”, explica Marques Guedes, diretor do Cedis (Centro de Estudos sobre Direito e Sociedade) da School of Law e professor de geopolítica no Instituto de Estudos Militares. Ele acrescenta que, atuando na clandestinidade, estes governos podem ser muito eficazes.

    Durante a Segunda Guerra Mundial vários países, como a Bélgica, a Grécia e Luxemburgo, tiveram governos no exílio. Dois dos governos no exílio mais eficazes nesse período foram o da Noruega (liderado pelo rei Haakon) e da França (liderado por Charles De Gaulle), ambos estabelecidos no Reino Unido.

    “Nos dois casos, os seus líderes eram bastante respeitados, quer interna quer externamente. O seu papel foi essencial não só na organização da resistência como na articulação com as forças aliadas”, explica Marques Guedes, lembrando o modo apoteótico como De Gaulle foi recebido pelos franceses e o fato de ter sido depois eleito presidente.

    Mas há exemplos também de governos no exílio que não têm qualquer eficácia – ou porque não têm legitimidade interna ou porque não são reconhecidos internacionalmente.

    Zelensky vai se exilar?

    Até agora, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky rejeitou todas as hipóteses de deixar Kiev e tem garantido que vai ficar na cidade até ao fim. “Preciso de munições, não de carona”, disse.

    O exílio pode ser a melhor solução para a Ucrânia?

    “Zelensky vai querer ficar no país o máximo de tempo possível, no entanto se a sua vida estiver em risco, a melhor solução será mesmo o exílio”, afirma Armando Marques Guedes. Apesar de compreender a determinação do presidente ucraniano, o especialista recorda que “se Zelensky morrer teremos um mártir, mas será uma perda enorme para a resistência ucraniana”. “Ele será muito mais útil ao seu país se permanecer vivo, ainda que fora da Ucrânia”, diz. “Os ucranianos confiam muito neste homem, vão fazer tudo o que ele disser.”

    Também os legisladores em Washington dizem que é extremamente importante que Zelensky e os seus altos funcionários permaneçam vivos – mesmo que isso signifique levá-los para outra capital europeia.

    “Há um valor substancial para eles permanecer na Ucrânia e em solo ucraniano. Há uma vantagem política e, francamente, há uma vantagem moral nisso”, disse um responsável à NBC News. “Ficar tem valor, mas não se a sua vida correr risco e não houver continuidade de governo”, acrescentou o parlamentar. “A regra número um da resistência é: tem de se permanecer vivo. Pode parecer estúpido e básico, mas é verdade. Um governante não ajuda ninguém se não permanecer vivo e não puder liderar e ajudar a reunir as pessoas para continuar a lutar.”

    Onde o governo ucraniano poderá ficar sediado?

    Segundo fontes americanas citadas pela CNN, a Polônia seria o local mais óbvio para instalar o governo no exílio. Essa é também a convicção de Armando Marques Guedes: faz fronteira com a Ucrânia, já recebeu mais de um milhão de refugiados ucranianos e é, dos países vizinhos, aquele que mais afinidades tem com a Ucrânia. “Será o sítio mais seguro”, aponta.

    “A outra hipótese seria ir para um país mais distante, como o Reino Unido, mas penso que ele vai querer ficar por perto para organizar a resistência”, prevê Marques Guedes.

    Belarus, Romênia, Hungria e Sérvia são países bem alinhados com a Rússia e Moldova e a Geórgia temem ser os próximos alvos de Vladimir Putin, por isso não serão locais seguros, considera o especialista.

    O que diz a comunidade internacional?

    Nestes últimos dias, à medida que a situação em Kiev fica mais complicada, os líderes dos Estados Unidos e da União Europeia já começaram a discutir como é que podem apoiar o governo da Ucrânia caso Zelensky precise ugir de Kiev.

    A discussão vai desde o apoio ao presidente ucraniano e às principais autoridades da Ucrânia para uma possível mudança para Lviv, no oeste ucraniano, até a possibilidade de Zelensky e os seus assessores serem forçados a fugir da Ucrânia e estabelecer um novo governo.

    Existe ainda a hipótese de um ou mais membros do governo deixarem o país para poderem assegurar a continuidade do governo ucraniano caso Zelensky seja capturado ou morto.

    Robert O’Brien, que foi o último conselheiro de segurança nacional do ex-presidente Donald Trump, defendeu à NBC News que, se Zelensky e o seu governo forem expulsos de Kiev, os Estados Unidos e seus aliados devem continuar a apoiá-los, não importa para onde se mudem. “Devemos reconhecê-los como um governo no exílio, em Varsóvia ou em Londres, e devemos referir-nos à Ucrânia como Ucrânia ocupada”, disse O’Brien. “Os russos não podem ser autorizados a colocar um governo fantoche no seu lugar.”

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