O que é a reforma do Judiciário discutida no México?
Uma das medidas propostas é a eleição de ministros do Supremo Tribunal de Justiça da Nação
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, está promovendo uma reforma do Poder Judiciário. A proposta foi aprovada no plenário da Câmara dos Deputados do país na terça-feira (4).
Isso ocorre em meio a críticas da oposição e à suspensão das atividades de trabalhadores e juízes do Poder Judiciário Federal.
A reforma do sistema judicial faz parte de um pacote de 20 reformas apresentado pelo presidente em fevereiro passado para modificar várias partes da Constituição do país.
O parecer a ser debatido contempla quatro alterações importantes que explicamos a seguir.
Juízes e magistrados eleitos por voto popular
O documento propõe modificar o artigo 95 da Constituição para eleger ministros do Supremo Tribunal de Justiça da Nação (SCJN), da Câmara Superior e do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação (TEPJF) por voto livre, direto e secreto por um período de 12 anos, e não de 15, como acontece atualmente.
Se a reforma for aprovada, serão realizadas eleições extraordinárias em 2025 para renovar ministros, magistrados e juízes. Aqueles que atualmente ocupam esses cargos poderão ser candidatos, informou em fevereiro a chefe do Ministério do Interior, Luisa María Alcalde.
Para serem eleitos ministros, os candidatos devem possuir formação profissional em Direito com média mínima de 8,0 e 9,0 em matérias relacionadas com o cargo a que se candidatam e pelo menos cinco anos de experiência profissional no exercício de atividade jurídica.
Os interessados deverão apresentar “um ensaio de três páginas justificando as razões da sua candidatura e enviando cinco cartas de referência de vizinhos, colegas ou pessoas que apoiem a sua idoneidade para o desempenho do cargo”.
Para os ministros do Supremo Tribunal de Justiça da Nação (SCJN), os eleitos ficariam oito, 11 e 14 anos no cargo, dependendo do resultado da votação.
Atualmente, os ministros são indicados pelo presidente por meio de uma lista restrita, e o vencedor deve ser apoiado por pelo menos dois terços dos senadores no momento da votação, enquanto os magistrados e juízes são nomeados pelo Conselho Federal da Magistratura.
A iniciativa indica que cada Poder (Executivo, Judiciário e Congresso) formará uma comissão avaliadora composta por cinco pessoas “reconhecidas na atividade jurídica” que deverá analisar os candidatos.
O Instituto Nacional Eleitoral (INE) será responsável por fazer os cálculos eleitorais, publicar os resultados e entregar os certificados de maioria aos candidatos que obtiverem maior número de votos.
Nova integração do Supremo Tribunal de Justiça
Está prevista a reforma do terceiro parágrafo do artigo 94 da Constituição, a fim de reduzir o número de ministros do Supremo Tribunal de Justiça de 11 para 9. Além disso, o mandato aumentará de 15 para 12 anos.
A Presidência da corte “será renovada de dois em dois anos, numa base rotativa em função do número de votos que cada candidato obtiver na respetiva eleição, correspondendo à Presidência quem obtiver maior número de votos”, segundo o documento. Atualmente, são os ministros que elegem o seu presidente.
As duas salas do tribunal superior seriam eliminadas e seriam realizadas apenas sessões plenárias, que devem ser públicas e transparentes para que todos tenham acesso aos assuntos em discussão.
A proposta também contempla a eliminação da pensão vitalícia dos atuais e futuros ministros e um ajustedos seus salários ao limite máximo estabelecido para o presidente do México que, segundo o governo federal, é de cerca de 8 mil dólares por mês.
Substituição do Conselho Federal do Poder Judiciário
Outra mudança proposta é a substituição do Conselho Federal do Poder Judiciário, que é responsável pela administração do Poder Judiciário e pelo acompanhamento da atuação dos juízes.
A proposta visa substituí-lo por duas instituições: o Tribunal Judicial Disciplinar e o Órgão de Administração Judicial.
O primeiro ficará encarregado das funções administrativas, da carreira judiciária e do controle interno, além de elaborar o orçamento do Poder Judiciário, conforme o documento da reforma.
O Órgão de Administração Judicial seria composto por cinco pessoas nomeadas por um período de seis anos, da seguinte forma:
- O Poder Executivo nomearia uma pessoa
- O Senado, outra pessoa
- O Supremo Tribunal de Justiça, três
A Presidência desse órgão mudará a cada dois anos e será rotativa entre os seus juízes de acordo com os resultados da votação.
Suas funções incluem receber reclamações de qualquer pessoa ou autoridade e investigar ministros, magistrados, juízes e funcionários judiciais por actos contrários à lei ou à Administração da Justiça.
Outro ponto que é ventilado é a figura dos “juízes sem rosto”, cuja finalidade é proteger quem resolve casos sobre crime organizado.
“No caso do crime organizado, o órgão de administração judicial poderá ordenar as medidas necessárias para preservar a segurança e proteger a identidade dos julgadores”, indica.
Atualmente, o Conselho Judiciário Federal é composto por sete membros:
- Um deles é o presidente do Supremo Tribunal Federal e também do Conselho
- Três magistrados e juízes distritais, nomeados pelo plenário do Tribunal por maioria de pelo menos oito votos;
- Dois conselheiros nomeados pelo Senado
- Um conselheiro nomeado pelo presidente do México
Novas regras processuais
A reforma propõe quatro novas regras:
- Justiça célere: propõe prazo máximo de seis meses para resolução de questões tributárias e de um ano para questões criminais.
- Suspensões: É vedada a concessão de suspensões de leis com efeitos gerais em amparos, controvérsias constitucionais e ações de inconstitucionalidade.
- Justiça local: os poderes judiciários dos entes federados deverão estabelecer regras para a eleição direta de seus magistrados e juízes, bem como de órgãos administrativos e disciplinares independentes.
- Fundos Judiciários: concluídos os julgamentos pendentes, deverão ser devolvidos ao Fundo de Pensões da Previdência, respeitados os direitos e benefícios dos trabalhadores.
Críticas à reforma
Embora o presidente do México e seu partido, o Morena, assegurem que as mudanças no sistema judicial procuram responder à exigência do povo por uma instituição de Justiça austera e independente, a reforma tem sido alvo de críticas.
O Laboratório de Impacto do Estado de Direito da Faculdade de Direito de Stanford e a Ordem dos Advogados do México alertaram que as propostas “constituem uma ameaça direta à independência judicial, violam os padrões internacionais e minam a democracia no México”.
Em relatório publicado em maio passado, eles salientaram que “poucos países no mundo elegem juízes por voto popular, dos quais apenas a Bolívia e os Estados Unidos utilizam eleições judiciais para selecionar juízes para tribunais com jurisdição constitucional”.
“A experiência destes dois países confirma que as eleições judiciais comprometem a independência e a imparcialidade judiciais”, acrescentaram.
O juiz Daniel Sánchez Montalvo, membro da Associação Nacional de Magistrados de Circuito e Juízes Distritais do Poder Judiciário da Federação, pontuou anteriormente à CNN que esta reforma judicial proposta pelo governo representa “um ataque direto à divisão de poderes”.
Sánchez Montalvo disse que o maior risco “é o impacto na independência judicial que deve governar e privar em todos os países”. Ele acrescentou que isso significa “que não deve haver nenhuma influência externa ou interna no momento em que os juízes resolvem ou emitem as suas resoluções”.
Presidente do México defende reforma
López Obrador defendeu a reforma em diversas ocasiões. Em junho, afirmou, por exemplo, que os únicos que se opõem são os “machuchones” – termo usado para se referir a pessoas poderosas – que, nas suas palavras, têm beneficiado alegados criminosos.
“Os verdadeiros empresários querem o Estado de Direito, os especuladores querem um Estado torto, são eles que não querem uma reforma para limpar o Judiciário da corrupção”, afirmou o presidente.
As reformas constitucionais exigem o voto de dois terços das Câmaras dos Deputados e do Senado, bem como da maioria dos Congressos estaduais.
*com informações de Natália Cano