Novos mísseis enviados pelos EUA à Ucrânia causam problemas para a Rússia
Militares ucranianos suplicaram durante meses a parceiros ocidentais por artilharia de precisão de longo alcance
Existe um fator novo e possivelmente muito significativo no conflito na Ucrânia: a capacidade dos ucranianos de usar sistemas ocidentais recentemente enviados para atingir postos de comando russos, centros de logística e depósitos de munições localizados muito além das linhas de frente.
Na semana passada, enormes explosões ocorreram em diversas áreas ocupadas nas regiões de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson. A evidência disponível, fornecida por imagens de satélite e analistas ocidentais, é que esse direcionamento tem sido muito eficaz.
Durante meses, os militares ucranianos suplicaram a parceiros ocidentais por artilharia de precisão de longo alcance e sistemas de mísseis. Agora, eles possuem esses recursos, que estão sendo implantados com efeito considerável no sul e no leste do país.
Os militares ucranianos não deram detalhes, mas Vadim Denysenko, um funcionário sênior do Ministério do Interior, disse na quarta-feira (13) que, nas últimas duas semanas, “acima de tudo e graças às armas que a Ucrânia recebeu, conseguimos destruir cerca de vinte armazéns com armas e estoques de combustível e lubrificantes. Isso certamente afetará a intensidade do fogo” que os russos podem mobilizar, afirmou.
O melhor dos sistemas avançados de mísseis é o HIMARS fornecido pelos EUA, que é uma unidade móvel que pode fazer o lançamento múltiplo de mísseis guiados, mas os ucranianos também receberam canhões M777 dos EUA e Canadá, e canhões Caesar de longo alcance da França.
Além disso, o Reino Unido se comprometeu a fornecer lança-mísseis de longo alcance M270 (MLRS), que são mais poderosos que o HIMARS, mas não se sabe quando a Ucrânia concluirá seu treinamento e implantará o sistema.
A versatilidade do HIMARS está em seu nome: sistema de artilharia de foguetes de alta mobilidade (High Mobility Artillery Rocket System, em inglês). Sua mobilidade faz com que o sistema seja mais difícil de ser atingido, e ele pode ser tripulado por apenas oito soldados. Os mísseis fornecidos à Ucrânia têm um alcance de 70 a 80 quilômetros, e seu sistema de orientação por GPS os torna extremamente precisos.
Como descreveu Mick Ryan, analista militar e ex-major-general australiano: “Ele é usado para destruir importantes nós de comunicação, postos de comando, aeródromos e instalações de logística”.
Desta forma, oficiais russos sênior ficam especialmente vulneráveis. A precisão do HIMARS também significa que os ucranianos podem se preocupar menos com vítimas civis. Os mísseis guiados têm precisão de dois a três metros, disseram duas autoridades de defesa à CNN, permitindo que os ucranianos usem muito menos munição para atingir alvos à distância.
O HIMARS parece ter sido usado em um ataque maciço contra um armazém na cidade de Nova Kakhovka, na região de Kherson, na noite de segunda-feira (11). O ataque desencadeou explosões secundárias e causou danos generalizados, de acordo com imagens de satélite analisadas pela CNN. As imagens ainda mostraram a precisão do ataque, que deixou apenas uma pequena cratera.
Autoridades locais pró-Rússia disseram que partes de um foguete HIMARS foram recuperadas, e que os números de série batiam com o armamento.
Houve também grandes explosões nas regiões de Luhansk e Donetsk, desencadeando múltiplas detonações. O mesmo aconteceu em Shakhtarsk, em Donetsk, e na região de Kherson, no fim de semana, bem como perto de Melitopol, em Zaporizhzhia, na semana passada.
Ao todo, parece que cerca de dez alvos atrás das linhas de frente russas foram atingidos em julho, a maioria deles a pelo menos 40 quilômetros – uma distância na qual os antigos mísseis Tochka-U teriam dificuldade de ter precisão.
Os ucranianos também têm disparado o HIMARS à noite, tornando a localização e o ataque ao lança-mísseis mais difícil para os russos. As forças russas têm tido dificuldades para combater à noite desde o início do conflito, e os ucranianos ainda usam esse aspecto a seu favor.
Mudanças no campo de batalha
O direcionamento também pode ter sido facilitado pela maneira como os militares russos armazenam e movimentam suas armas.
Phillips O’Brien, professor de estudos estratégicos na Universidade de St. Andrews, disse que o ataque de Nova Kakhovka está revelando “o estado da guerra logística e os verdadeiros problemas que os russos enfrentam”.
O alvo era adjacente a um terminal ferroviário, algo vital para o esforço logístico russo para sustentar sua ofensiva – e por isso mesmo um alvo óbvio.
“Os russos deixaram um grande depósito de suprimentos ridiculamente fácil de se localizar, exatamente onde alguém esperaria encontrá-lo. Assim, ou os russos são incapazes de reagir por causa de uma falha de comando, ou realmente não conseguem mover os depósitos por falta de mobilidade rodoviária”, tuitou O’Brien.
Um oficial ucraniano sugeriu que o ataque ao armazém tinha sido fácil. Serhiy Khlan, membro do conselho regional de Kherson, escreveu no Facebook: “Em Nova Kakhovka, um depósito de munição russo a menos. Eles armazenaram e armazenaram, estocaram e estocaram, e agora têm fogos de artifício à noite”.
Ben Hodges, ex-comandante do Exército dos EUA na Europa, tuitou após o ataque de Kherson no fim de semana: “O pior trabalho no exército russo? Manipulador de Munições e Explosivos”.
Em um briefing na semana passada, um alto funcionário do Departamento de Defesa dos EUA disse que “o foco em armas de longo alcance com maior capacidade e precisão” para a Ucrânia era uma prioridade.
Na sexta-feira (8), o Pentágono anunciou um carregamento para a Ucrânia de 1.000 cartuchos de artilharia de 155mm – mas com munições mais novas e precisas, de acordo com o funcionário. Os ucranianos têm disparado uma média de 3 mil projéteis de 155mm por dia. A exemplo do HIMARS, uma maior precisão significa menor necessidade de munição.
O funcionário ainda alegou que o HIMARS estava mudando o campo de batalha: “O que temos visto é a capacidade dos ucranianos de usar o HIMARS para significativamente desestruturar a capacidade dos russos de avançar”.
“Se os russos acham que podem durar mais que os ucranianos, precisam repensar isso”, acrescentou.
Um repórter militar russo, Yuri Kotenok, disse nesta semana que o HIMARS representa “uma séria ameaça. As áreas libertadas das regiões de Kherson e
Zaporizhzhia, as Repúblicas Populares de Donetsk (DPR) e Luhansk (LPR), bem como o território da Rússia, estão sob o possível fogo do HIMARS”.
Kotenok, que tem quase 300 mil seguidores no Telegram, disse que as defesas aéreas russas precisam melhorar – assim como o direcionamento do HIMARS, seja em trânsito ou implantado. O repórter ainda disse que “se isso continuar, será preciso acionar os centros de tomada de decisão. Nossas limitações em relação a ataques de retaliação contra o inimigo são, até certo ponto, incompreensíveis para mim”.
Outro repórter russo, Roman Sapenkov, disse que testemunhou, no fim de semana, o ataque à base russa no aeroporto de Kherson.
“Fiquei impressionado com o fato de que todo o arsenal, cinco ou seis mísseis, atingiram praticamente uma moeda de um centavo. Normalmente o MLRS atinge uma área ampla, e em seu alcance máximo se espalha como um ventilador”, escreveu Sapenkov, referindo-se a sistemas de lançamento múltiplo de mísseis menos avançados do que o HIMARS ou o M777.
“É claro que isso é só o começo… Eles cobrirão todos os postos de comando e instalações militares, e os dados para tanto foram coletados nos últimos 4 meses”.
A importância dos paletes
Um problema para os russos pode ser a maneira como eles transportam armamento, que é onde os paletes entram em jogo.
Poucos caminhões militares russos possuem um guindaste para levantar munições pesadas, que raramente são transportadas em paletes, mas sim carregadas e descarregadas à mão. Muitos caminhões soviéticos antigos modelo ZIL foram vistos na Ucrânia.
Transportar armas e munições dessa forma é complicado, demorado, e possivelmente oferece ao monitoramento inimigo uma maior oportunidade de detectar tais carregamentos. Em contrapartida, as forças armadas do Reino Unido e dos EUA paletizam grande parte de seu armamento, ou usam contêineres.
O modelo de guerra russo (como visto nos últimos três meses no leste da Ucrânia) depende de enormes barragens de artilharia para pulverizar alvos antes de avançar. A doutrina militar russa sempre enfatizou o uso maciço de artilharia, MLRS e morteiros.
Isso exige reabastecimento constante: alguns analistas calculam que a Rússia estáusando pelo menos 7 mil projéteis e foguetes por dia em Donbas, e por vezes muito mais.
Serhiy Hayday, chefe da administração militar regional de Luhansk, comentou na quarta-feira (13): “O exército russo não para de bombardear. No entanto, muito provavelmente, tem poupado seus estoques de projéteis, porque o fornecimento foi interrompido por nossas novas armas de longo alcance”.
Autoridades da Ucrânia afirmam que os russos estão sendo surpreendidos pela crescente capacidade ucraniana de ataques de precisão de longo alcance.
Em Melitopol e seus arredores, por exemplo, os russos têm imposto restrições ao movimento de civis nos últimos dias. Neste mês, a região testemunhou pelo menos dois grandes ataques contra bases russas.
Contudo, para que os ucranianos possam sustentar essa média de ataques, é preciso um fluxo contínuo de armamento do Ocidente. Em questão de meses, os militares ucranianos estão passando por uma transição: de uma organização em grande parte dependente de sistemas de artilharia e foguetes da era soviética – com munição inadequada – para o uso de armas ocidentais de precisão com munição suficiente.
Além disso, também não se sabe se algum dos HIMARS enviados até agora foram destruídos por fogo russo. Os ministérios das forças armadas e de defesa ucranianos evitam dar detalhes sobre os desdobramentos.
Ryan adverte que, embora os HIMARS “tenham dado às forças armadas ucranianas um novo ‘braço longo’ para atacar os invasores russos, na guerra não existe solução mágica”.
Mesmo assim, as autoridades dos EUA estão confiantes de que a precisão do armamento – bem como de outros sistemas de longo alcance – trará progressivamente mudanças para o campo de batalha.