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    Netanyahu deixa Israel um país mais rico e dividido, e um processo de paz parado

    Ele recebeu apelidos como Rei Bibi, o mágico, o grande sobrevivente, e obteve recordes como o primeiro-ministro de Israel mais jovem e o que ficou mais tempo

    Por Hadas Gold, da CNN

    Ele recebeu apelidos como Rei Bibi, o mágico, o grande sobrevivente, e obteve recordes como o primeiro-ministro mais jovem de Israel e que ficou mais tempo no cargo.

    Mas no domingo, 13 de junho, Benjamin Netanyahu foi forçado a deixar o cargo de primeiro-ministro após um mandato recorde de 12 anos consecutivos, o seu segundo.

    Para seus apoiadores, ele é o protetor incansável da Israel moderna, que ajudou a transformar a pequena nação em uma potência econômica com influência descomunal no cenário mundial. Para seus críticos, ele é um divisor que ajudou a destruir as instituições democráticas do país e ao mesmo tempo possibilitou o surgimento de extremistas.

    Sem dúvida, Netanyahu deixou uma marca indelével em Israel, mudando e moldando sua história. E, embora esteja deixando o mais alto cargo por enquanto, sua influência está longe de estar no fim.

    “Em alguns aspectos, Israel está mais forte depois de Netanyahu. Certamente, Israel está muito mais forte, econômica e militarmente… Por outro lado, ele deixa o país muito mais fraco, em especial no caso das divisões internas”, disse Natan Sachs, Diretor do Centro de Política para o Oriente Médio da Instituição Brookings. “Após 12 anos, ele merece tanto crédito como culpa”.

    Aprofundando as divisões

    Apesar de seus anos de domínio, Netanyahu raramente conseguiu um grande apoio popular israelense. Ele mal venceu Shimon Peres em 1996 para se tornar primeiro-ministro em uma das poucas eleições diretas para o cargo e, nas eleições subsequentes como líder do Likud, seu partido nunca recebeu mais de 30% dos votos.

    “A genialidade de Bibi não está na quantidade de votos que ele trouxe para o Likud, mas como ele construiu suas coalizões”, disse Anshel Pfeffer, correspondente da revista “The Economist” e do jornal “Haaretz”, que escreveu uma extensa biografia sobre Netanyahu intitulada “Bibi: The Turbulent Life and Times de Benjamin Netanyahu” (“Bibi: a vida turbulenta e os tempos de Benjamin Netanyahu”, em tradução livre).

    Ao incluir os partidos ultra ortodoxos e trazê-los para o âmbito do Likud e de outros partidos de direita, Netanyahu “criou uma situação em que ele é quase impossível de ser substituído”, comentou Pfeffer.

    “Ele criou o que chama de aliados naturais do Likud, e esses partidos não apoiarão mais ninguém, em parte porque conhecem seus eleitores, que votam neles em grande parte porque sabem que seguirão Bibi de qualquer maneira”, acrescentou.

    Os críticos também dizem que o cortejo de Netanyahu e os acordos com partidos políticos religiosos e de extrema direita ajudaram a encorajá-los e trazê-los das periferias para a corrente dominante de uma forma que incita divisões entre esquerda e direita, judeus religiosos e seculares, e judeus e árabes.

    Netanyahu também defendeu uma polêmica lei de estado-nação em 2018, que rebaixou o idioma árabe, não mencionou os direitos das minorias e declarou que o povo judeu “tem o direito exclusivo de autodeterminação nacional” em Israel. Embora grande parte da lei seja simbólica, ela foi criticada como sendo a “gota d’água” para o fim da democracia israelense.

    No entanto, desde 2019 Netanyahu não conseguiu criar um governo funcional – eleição após eleição resultou no mesmo impasse político. Uma investigação seguida de um julgamento sobre alegações de corrupção levaram ao aumento dos ataques ao sistema judiciário de Israel.

    “Nos últimos dois anos, ele subordinou o destino do país ao seu destino pessoal, o que também exacerbou as divisões dramaticamente”, disse Sachs. “Ele atacou o judiciário simplesmente por causa de suas questões pessoais, e prejudicou profundamente a confiança nessas instituições”.

    Mesmo a gestão bem-sucedida de uma enorme campanha de vacinação contra a Covid-19, que essencialmente trouxe o país de volta à normalidade bem à frente do resto do mundo, não foi suficiente para Netanyahu e seus aliados obterem o controle total após as eleições de 2021.

    Um processo de paz estagnado e acusações de apartheid

    Qualquer tipo de progresso no processo de paz palestino fracassou nos últimos anos, já que Netanyahu se concentrou em acordos de normalização com outras nações árabes, enquanto irritava os palestinos ao permitir que uma enorme quantidade de assentamentos israelenses fosse construída na Cisjordânia.

    A posição de Netanyahu sobre um futuro Estado palestino mudou várias vezes ao longo de sua carreira. Ele começou seu primeiro mandato como um forte oponente dos Acordos de paz de Oslo, que abriram o caminho para uma solução de dois Estados. Em seguida, Netanyahu disse que tentaria implementar os acordos como primeiro-ministro porque eles eram a lei, irritando alguns de sua base de direita com negociações e acordos que fez com os palestinos, como o Memorando de Wye River.

    Em 2009, ele endossou uma solução de dois Estados, desde que certas condições fossem cumpridas. Porém, antes das eleições israelenses de 2015, ele parecia negar completamente a ideia, antes de suavizar mais uma vez. Pouco ou nenhum progresso foi feito durante os anos do governo Obama, que afirmou que isso seria uma prioridade, embora o ex-diplomata dos EUA Martin Indyk, que serviu como enviado de paz ao Oriente Médio, também tenha dito que houve intransigência do presidente palestino Mahmoud Abbas.

    Quando o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump assumiu o cargo, o processo congelou quase que por completo. Trump reconheceu Jerusalém como a capital de Israel e, em resposta, a liderança palestina cortou laços com a Casa Branca.

    Trump também apresentou seu próprio plano de paz – liderado por seu genro Jared Kushner e apoiado por Netanyahu – que descartou qualquer noção convencional de dois Estados para dois povos. A proposta foi imediatamente rejeitada pelos líderes palestinos, que descreveram o chamado “acordo do século” de Trump como o “tapa na cara do século”.

    “Netanyahu passou muito tempo basicamente criando uma situação em que não havia solução”, comentou Sachs. “Ele criou uma situação em que Israel e Cisjordânia estão cada vez mais emaranhados um com o outro. A questão fundamental de quais fronteiras Israel deseja e que cidadãos deseja são questões essenciais que ele deixa muito mais críticas do que quando entrou”.

    Seu apoio às políticas que promovem os assentamentos israelenses na Cisjordânia e a soberania judaica em detrimento de uma Jerusalém unida levaram a acusações de apartheid por parte de organizações como a Human Rights Watch.

    “O governo israelense demonstrou intenção de manter o domínio dos judeus israelenses sobre os palestinos em Israel e no território palestino ocupado”, afirmou a Human Rights Watch em um relatório em abril. “Essa intenção foi associada à opressão sistemática dos palestinos e atos desumanos cometidos contra eles. Quando esses três elementos ocorrem juntos, eles equivalem ao crime de apartheid”.

    Netanyahu e outras autoridades israelenses negaram veementemente a alegação de apartheid, com o Ministério das Relações Exteriores de Israel chamando o relatório da Human Rights Watch de “ficção”, com uma “agenda anti-israelense de longa data”.

    Três conflitos sangrentos em Gaza desde 2009 com militantes liderados pelo Hamas, e uma situação política palestina cada vez mais dividida, apenas cimentaram ainda mais o status quo, acrescentou Sachs, embora Netanyahu tenha mantido Israel fora do grande conflito militar.

    “Por 12 anos ele foi o primeiro-ministro da maior potência nesse conflito e não fez absolutamente nada para reformulá-lo”, disse Sachs. “Pelo contrário, ele tem feito muito para manter o estado atual das coisas… que só está piorando”.

    Em vez disso, Netanyahu se concentrou em acordos de normalização históricos com países árabes como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, acordos que estavam em andamento por anos, mas foram muito facilitados por Trump.

    Pfeffer comentou ainda que tais acordos de paz mostram como Netanyahu mudou o paradigma na região, para longe da ideia de que a paz com os palestinos deve vir antes que Israel possa desfrutar de relações com outras nações árabes.

    “Israel não deu nada a mais e, apesar de estar sob um dos governos mais direitistas e não ter feito nenhum progresso com os palestinos em tantos anos, Sudão, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos assinaram os acordos”, disse Pfeffer.

    Para os apoiadores de Netanyahu, esses acordos mostraram uma atitude corajosa e um novo pensamento, especialmente como uma forma de enfrentar a ameaça de um Irã nuclear – uma preocupação comum entre muitos desses países árabes e Israel.

    “Os acordos com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão exemplificam a Doutrina Netanyahu de paz por meio da força, e da paz em troca de paz – em oposição ao paradigma testado e fracassado de concessões territoriais israelenses unilaterais em troca de promessas vazias de paz”, escreveu Aaron Klein, o assessor estratégico de Netanyahu, em um artigo de opinião para a revista “Newsweek” neste mês.

    Influência internacional desproporcional

    Israel pode ter uma população de menos de 10 milhões de habitantes, mas sua presença no cenário mundial sempre foi maior – aumentando ainda mais sob Netanyahu.

    Em suas memórias, o ex-presidente Barack Obama descreveu Netanyahu como “inteligente, astuto, duro e um comunicador talentoso”, que empregou seu inglês fluente e seu profundo conhecimento da política norte-americana para ajudar a influenciar a política dos EUA.

    Netanyahu se autodenominou o líder da luta contra o antissemitismo em todo o mundo e contra um Irã nuclear, assim como contra representantes regionais de Teerã, como o Hezbollah.

    Sua campanha contra o acordo nuclear com o Irã prejudicou ainda mais uma relação já instável com Obama. O ponto crítico chegou em 2015, quando Netanyahu foi convidado a falar sobre o acordo perante um Congresso controlado à época pelo partido republicano, enfurecendo a Casa Branca.

    Em seguida veio Trump, com um relacionamento que deu a Netanyahu um presente político após o outro, incluindo o reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel e o endosso da soberania israelense nas Colinas de Golã.

    Netanyahu nunca criticou Trump publicamente e elogiou seu relacionamento próximo em outdoors gigantes durante sua campanha eleitoral, até mesmo inaugurando um assentamento com o nome de Trump nas Colinas de Golã.

    Mas sua maneira de lidar com a questão palestina e sua proximidade com Trump e outros líderes populistas ao redor do mundo ajudou a corroer o apoio bipartidário de longa data dos EUA a Israel, disseram Sachs e Pfeffer.

    “Israel está sendo condenado mais do que nunca pela esquerda norte-americana”, afirmou Sachs.

    Além dos Estados Unidos, Netanyahu tem tentado fortalecer os laços diplomáticos e econômicos de Israel na América Latina e na Ásia, enquanto mantém relações estratégicas importantes com potências mundiais como Índia e Rússia.

    “Netanyahu foi muito bom em capitalizar os desenvolvimentos geopolíticos”, disse Pfeffer, ressaltando ainda que “ele não inventou o populismo”.

    Ainda não é o fim

    Embora não seja mais o primeiro-ministro, a vida política de Netanyahu está longe do fim. Amigo ou inimigo, muitos se encantam com a energia aparentemente ilimitada do homem de 71 anos.

    Ele deve continuar no parlamento como um importante líder da oposição, tentando destruir o que será um governo frágil, composto de muitos partidos políticos díspares que não parecem concordar em muito mais além de sua oposição a Netanyahu.

    Se o novo governo fracassar, novas eleições serão convocadas, dando a Netanyahu um caminho de volta ao gabinete de primeiro-ministro.

    Mas Pfeffer observou que Netanyahu pode ter uma grande motivação para deixar o parlamento: dinheiro. Netanyahu ainda enfrenta um julgamento de corrupção em andamento, que deve durar vários e custosos anos. Ao deixar o parlamento, Netanyahu poderia começar a cobrar alto para dar palestras e ganhar dinheiro em outros lugares e, ao mesmo tempo, exercer uma grande influência na política israelense sem as restrições das regras do cargo.

    “Se você fosse Bibi, iria querer continuar sendo o rei no exílio”, disse Pfeffer. “Mas para ser o rei no exílio, não pode ser na oposição”.

    (Texto traduzido, clique aqui e leia o original em inglês).

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