Nem todo mundo aprova o casamento desta princesa, mas ela vai em frente
Embora a saída “dramática” da princesa Mako da família real japonesa seja comparável ao "Megxit" britânico, há poucas semelhanças com Meghan e Harry
Havia todas as características de um conto de fadas real moderno: o casamento de um aspirante a advogado com uma princesa da vida real que estava preparada para deixar seu palácio de Tóquio para uma nova vida em Nova York.
Mas desde que a princesa japonesa Mako e Kei Komuro anunciaram seu noivado, em 2017, sua união tem sido atolada em escândalos, desaprovação pública e frenesi dos tabloides.
Alguns japoneses não consideram o filho plebeu de uma mãe solteira digno de uma princesa. O desdém foi confirmado no mês passado, quando Kei chegou ao Japão para o casamento deles, que será em 26 de outubro, com cabelos longos presos em um rabo de cavalo.
Tabloides publicaram fotos do rabo de cavalo de Komuro, que tem 30 anos de idade, sob todos os ângulos, com alguns comparando-o ao coque dos samurais. Nas redes sociais, alguns tuitaram apoiando seu novo visual, enquanto outros disseram que não era adequado para o noivo de uma noiva real.
Um rabo de cavalo pode não causar agitação no Ocidente, mas espera-se que as pessoas no Japão reflitam seu status e função por meio de suas ações e palavras. As pessoas viram o rabo de cavalo como um sinal de que Komuro não estava correspondendo às expectativas sociais, de acordo com Hitomi Tonomura, professora de estudos femininos e de gênero da Universidade de Michigan.
“Se ele fosse um cantor ou artista, estaria tudo bem, mas as pessoas pensam que ele não se parece com um advogado nem parece apropriado para uma pessoa que vai se casar com uma mulher da realeza”, acrescentou ela.
Komuro cortou seu rabo de cavalo antes do casamento de terça-feira. Mas não foi o fim da polêmica.
Embora a maioria dos casamentos reais seja marcada por pompa e circunstância, este será silencioso, em um cartório, seguido por uma entrevista coletiva, e, depois, pela saída de Mako da família real e sua mudança para os Estados Unidos. Alguns observadores reais dizem que é um sinal dos tempos para os membros da realeza menores, que não se contentam mais em seguir as regras do passado sobre o que podem fazer – e com quem podem se casar.
Impróprio para uma princesa?
A princesa Mako, que fez 30 anos no sábado (23), é sobrinha do imperador Naruhito e cresceu na década de 1990 dentro da casa imperial.
Quando criança, a neta primogênita do ex-imperador e imperatriz rapidamente conquistou o público. “Seus modos são impecáveis. As pessoas a viam como a perfeita da realeza”, disse Mikiko Taga, uma jornalista real japonesa.
Esperava-se que a princesa Mako frequentasse a universidade particular de Gakushuin com outros membros da elite rica, mas ela optou por se formar em arte e herança cultural na Universidade Cristã Internacional de Tóquio.
Foi lá que ela conheceu Komuro, nascido apenas três semanas antes dela, em outubro de 1991, em uma família de recursos muito mais modestos.
Criado por uma mãe solteira, Komuro perdeu o pai e ambos os avós ainda jovem, de acordo com relatos da mídia local. Depois de se formar na Universidade Cristã Internacional em 2014, ele trabalhou em um escritório de advocacia em Tóquio, antes de ganhar uma bolsa para estudar direito na Fordham School of Law em Nova York.
Os estudos da princesa Mako a levaram em outra direção.
Em 2014, ela foi para a Leicester University, no Reino Unido, como estudante de intercâmbio antes de se formar no mestrado em museus de arte e galerias.
Logo depois, o casal se reencontrou e em 2017 anunciou seu noivado para um público japonês arrebatado.
Em uma coletiva de imprensa lotada, a princesa disse que foi atraída pelos “sorrisos brilhantes como o sol” de Komuro e aprendeu com o tempo que ele era “sincero, obstinado, um trabalhador esforçado com um grande coração”.
A mídia japonesa o apelidou de “Príncipe do Mar”, em homenagem ao personagem que interpretou em uma campanha de turismo de praia para a cidade de Fujisawa, ao sul de Tóquio.
Tudo parecia estar indo bem, mas então veio o primeiro sinal de águas turbulentas.
O casal tinha planejado se casar em 2018, mas o casamento foi adiado. A família imperial disse que o atraso se deveu à “falta de preparo”, mas outros suspeitam que foi devido a relatos de que a mãe de Komuro não pagou US$ 36.000 emprestados de seu ex-noivo.
Komuro contestou a conta, até mesmo divulgando um comunicado de 28 páginas no início deste ano, afirmando que sua mãe acreditava que o dinheiro era um presente e que ele pagaria para resolver a disputa. Mas a fofoca dos tabloides já havia disparado para dissecar todos os aspectos de sua família e de sua vida; algumas reportagens até o pintaram como um golpista indigno de confiança.
“Embora, nos Estados Unidos, pensemos que o negócio da mãe não tenha relação com Komuro Kei, um homem adulto, as pessoas no Japão consideraram isso problemático e o transformaram de um jovem bom, gentil e verdadeiro em um oportunista calculista que estava atrás prestígio e possivelmente dinheiro”, disse Tonomura, a especialista em estudos de gênero.
Uma união não convencional
Um encontro casual na universidade não é o caminho normal para um casamento real para um membro da realeza japonesa.
Kaori Hayashi, especialista em estudos de mídia e vice-presidente executivo da Universidade de Tóquio, disse que os parceiros reais geralmente são escolhidos cuidadosamente dentro dos círculos tradicionais com os quais a família imperial se socializa.
No Japão, também há uma misoginia intensa que avilta as mães solteiras moral e economicamente
Hitomi Tonomura, Universidade de Michigan
Além disso, no Japão, ainda existe a percepção de que mães solteiras são incapazes de criar filhos adequadamente, acrescentou Tonomura, especialista em estudos de gênero.
Alguns dizem que a desaprovação sobre a criação de Komuro diz mais sobre a desigualdade de gênero no Japão, que tem a maior diferença de gênero entre todos os países do G7.
“Há um tipo tradicional de papel segregado por gênero para homens e mulheres que ocorre não apenas na família real, mas em muitas instituições daqui”, disse Nancy Snow, professora de diplomacia pública na Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto.
Os supostos problemas financeiros da mãe de Komuro contaminaram a imagem dos monarquistas ardentes da casa real, que idealmente deveria parecer simbolicamente pura e existir para o bem-estar espiritual do povo japonês, disse Tonomura.
Essa opinião, por exemplo, é defendida por Kei Kobuta, um YouTuber de assuntos reais, que organizou uma marcha em Tóquio com a presença de cerca de 100 pessoas no último sábado. Ele disse que muitos observadores reais como ele consideram a princesa Mako como uma irmã ou filha que fez a escolha errada.
“Existem tantas dúvidas e receios sobre Kei Komuro e sua mãe, e as pessoas temem que a imagem da família real seja manchada”, disse Kobuta.
Pressões da vida imperial
Os anos de especulação e calúnias afetaram a princesa Mako.
No início deste mês, o palácio divulgou que ela sofre de um complexo transtorno de estresse pós-traumático.
A princesa “se sente pessimista e acha difícil se sentir feliz devido ao medo persistente de sua vida ser destruída”, disse o psiquiatra da princesa Mako, Tsuyoshi Akiyama, diretor do NTT Medical Center Tokyo, à mídia na Imperial Household Agency.
A princesa Mako acha difícil se sentir feliz devido ao medo persistente de sua vida ser destruída
Tsuyoshi Akiyama, diretor do NTT Medical Center Tokyo
A princesa não é a primeira mulher japonesa da família real a sentir a pressão da vida imperial. A imperatriz Masako do Japão casou-se com o imperador Naruhito em 1993, abandonando uma carreira diplomática de alto nível pela vida na casa real. A transição foi difícil para Masako, que por muito tempo lutou contra uma doença que os médicos descreveram como “transtorno de ajustamento”.
“Cada caso de um membro feminino da família real que luta contra uma doença mental envolve diferentes circunstâncias”, disse Ken Ruoff, diretor do Centro de Estudos Japoneses da Universidade Estadual de Portland e autor de “Casa Imperial do Japão na Era do Pós-guerra, 1945- 2019”.
“No caso da então princesa Masako, ele girava quase inteiramente em torno de ela ser culpada por não produzir o herdeiro masculino necessário”, acrescentou.
“Avancemos para o caso da princesa Mako, e ele gira inteiramente em torno de seu casamento ser submetido a um nível de escrutínio a que poucos casamentos são submetidos, especialmente quando você considera que ela deixará a casa real assim que for formalmente casada.”
A família imperial japonesa
Segundo a lei japonesa, os membros da família real devem abrir mão de seus títulos e deixar o palácio caso se casem com um plebeu. Como existem apenas 18 membros da família imperial, a princesa Mako não é a primeira a sair. A última da realeza a fazer isso foi sua tia, Sayako, a única filha do imperador Akihito, quando ela se casou com o urbanista Yoshiki Kuroda em 2005.
Como mulher, a princesa Mako não estava na linha de sucessão ao trono – a lei de sucessão exclusivamente masculina do Japão impede que isso aconteça. Seu papel na vida real era dar suporte a seus parentes do sexo masculino.
Como parte da realeza, a princesa Mako tinha direito a um pagamento único de um milhão de dólares, mas em um esforço para apaziguar um público que a desaprovava, ela decidiu renunciar a isso.
É um aviso para a casa imperial. Quero dizer, ela claramente se cansou
Ken Ruoff, Portland State University
Após o casamento, ela se mudará para Nova York, onde Komuro trabalha em um escritório de advocacia.
“Esta é uma saída dramática”, disse Ruoff. “É um aviso para a casa imperial. Quero dizer, ela claramente se cansou.”
Uma vida tranquila
A retirada da princesa Mako e Komuro dos holofotes reais está sendo comparada a outro casal famoso –Meghan Markle e o príncipe Harry.
O noivado de Markle com o príncipe Harry da Grã-Bretanha gerou polêmica quando foi anunciado pela primeira vez em novembro de 2017. Alguns acreditavam que uma atriz americana birracial e divorciada não tinha lugar na família real britânica.
Com o tempo, a cobertura dos tabloides britânicos sobre o casal se tornou tão tóxica que Harry emitiu um comunicado em novembro de 2016, condenando a “onda de assédio” que Meghan teve de suportar. O casal acabou abandonando o navio, deixando a família real britânica em janeiro de 2020.
Mas embora a saída “dramática” da princesa Mako da família real seja comparável a “Megxit” – o termo para a saída do casal britânico – o historiador Ruoff disse que as semelhanças terminam aí.
“Os membros da família real britânica cresceram em meio a uma grande riqueza. E eles também gastam muito tempo levantando dinheiro diretamente para várias causas de caridade, então sabem como funciona. Então, quando Harry e Meghan foram para os Estados Unidos, contando várias histórias sobre o família real, eles conseguiram ganhar milhões e milhões de dólares, ao mesmo tempo em que se empenhavam em causas progressistas que os deixavam bem”, disse Ruoff.
Acho que o que vai acontecer é que eles vão simplesmente desaparecer
Ken Ruoff, Portland State University
“Eu diria que não há quase nenhuma chance de Mako e seu futuro marido se comportem assim depois de se casarem. Na verdade, acho que o que vai acontecer é que eles simplesmente vão desaparecer.”
Segundo Taga, a jornalista de assuntos reais, os dias em que se pedia a alguém que cumprisse os deveres com que nasceu estão chegando ao fim.
“É por isso que acho significativo que dois membros diferentes da realeza do Oriente e do Ocidente estejam escolhendo viver da maneira que desejam”, disse ela.
(Este texto é uma tradução. Clique aqui para ler o original, em inglês)