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    Navio abandonado há 30 anos com 1 milhão de barris de petróleo pode causar “catástrofe ambiental” na África, diz ONU

    Vazamento fecharia os portos do Iêmen dos quais seu povo empobrecido depende para obter ajuda alimentar e combustível, impactando 17 milhões de pessoas durante uma crise humanitária em curso

    Nadeen EbrahimAimee LookZeena Saifida CNN

    Ancorado a oito quilômetros da costa do Iêmen por mais de 30 anos, um superpetroleiro decadente carregando um milhão de barris de petróleo está sendo finalmente descarregado por uma missão liderada pelas Nações Unidas, na esperança de evitar o que ameaçava ser um dos piores desastres ecológicos do mundo em décadas.

    Os especialistas agora estão lidando delicadamente com a embarcação de 47 anos – chamada de FSO Safer – trabalhando para remover o petróleo bruto sem que o petroleiro se desfaça, o óleo exploda ou ocorra um derramamento maciço.

    Sentado no topo do Endeavour, o navio de salvamento da ONU que supervisiona o descarregamento, o residente e coordenador humanitário da ONU para o Iêmen, David Gressly, disse que a operação está estimada em US$ 141 milhões (cerca de R$ 660 milhões) e está usando a experiência da SMIT, a empreiteira de dragagem e offshore que ajudou a desalojar o navio Ever Given, que bloqueou o Canal de Suez por quase uma semana em 2021.

    Vinte e três estados-membros da ONU estão financiando a missão, com outros US$ 16 milhões (cerca de R$ 75 milhões) provenientes de contribuintes do setor privado.

    Os doadores incluem a maior empresa privada do Iêmen, HSA Group, que prometeu US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 5,6 milhões) em agosto de 2022. A ONU também se envolveu em um esforço único de crowdfunding, contribuindo para o fundo que levou um ano para ser levantado, de acordo com Gressly.

    A equipe está bombeando entre 4.000 e 5.000 barris de petróleo a cada hora e, até agora, transferiu mais de 120.000 barris para a embarcação de substituição que transporta o petróleo descarregado, disse Gressly. A transferência completa deve levar 19 dias.

    O petroleiro transportava um milhão de barris de petróleo. Isso seria suficiente para alimentar até 83.333 carros ou 50.000 residências nos Estados Unidos por um ano inteiro. O petróleo a bordo vale cerca de US$ 80 milhões (cerca de R$ 377 milhões), e quem fica com isso continua sendo um assunto controverso.

    Por que a ONU tem soado alarmes sobre essa “bomba-relógio”?

    O navio está abandonado no Mar Vermelho desde 2015 e a ONU alerta regularmente que a “bomba-relógio” pode quebrar devido à sua idade e condição, ou o óleo que contém pode explodir devido aos compostos altamente inflamáveis ​​nele.

    O FSO Safer reteve quatro vezes a quantidade de óleo derramado pelo Exxon Valdez no Alasca em 1989, que resultou em uma mancha que cobriu 1.300 milhas de costa.

    Um potencial vazamento deste navio seria suficiente para torná-lo o quinto maior derramamento de óleo de um navio-tanque na história, disse um site da ONU. O custo da limpeza de tal incidente é estimado em US$ 20 bilhões (cerca de R$ 94 bilhões).

    Jornalistas alcançam o casco do petroleiro iemenita Safer, perto do porto de Ras Isa, no Mar Vermelho, em 15 de julho de 2023 em Hudaydah, Iêmen. / Mohammed Hamoud/Getty Images

    O Mar Vermelho é uma hidrovia estratégica vital para o comércio global. Em sua extremidade sul fica o estreito de Bab el-Mandeb, por onde passa quase 9% do petróleo total comercializado por via marítima.

    E ao norte está o Canal de Suez que separa a África da Ásia. A maioria das exportações de petróleo e gás natural do Golfo Pérsico que transitam pelo Canal de Suez passa pelo Bab el-Mandeb, de acordo com a agência governamental norte-americana Energy Information Administration.

    O mar também é um ponto de mergulho popular que possui um impressionante ecossistema subaquático. Em alguns lugares, suas margens são pontilhadas de resorts turísticos, e sua costa leste é o local de ambiciosos projetos sauditas de desenvolvimento no valor de centenas de bilhões de dólares.

    Uma operação complexa e arriscada

    O primeiro passo da missão foi estabilizar e proteger a embarcação para evitar o colapso, declarou Gressly. Isso já foi alcançado nas últimas semanas.

    “Há uma série de coisas que precisam ser feitas para impedir que o óleo exploda”, disse Gressly à CNN, incluindo o bombeamento de gases em cada um dos 13 compartimentos que contêm o óleo. Os sistemas de bombeamento foram reconstruídos e parte da iluminação foi consertada.

    Barreiras flutuantes temporárias usadas para conter derramamentos marinhos foram espalhadas ao redor da embarcação para capturar possíveis vazamentos.

    A segunda etapa é transferir o óleo para a embarcação de substituição, que já está em andamento.

    O FSO Safer em decomposição ancorado 60 quilômetros ao norte do porto de Hudaydah, Iêmen, em 15 de julho de 2023.

    Depois que o Safer é esvaziado, ele deve ser limpo para garantir que nenhum resíduo de óleo seja deixado, disse Gressly. A equipe então anexará uma boia gigante à embarcação substituta até que uma decisão sobre o que fazer com o óleo seja tomada.

    “A transferência do óleo para [a embarcação de substituição] evitará o pior cenário de um derramamento catastrófico no Mar Vermelho, mas não é o fim da operação”, afirmou Gressly.

    Embora a parte mais difícil da operação tenha acabado, um derramamento ainda pode ocorrer. E mesmo após a transferência, o navio-tanque “continuará a representar uma ameaça ambiental resultante do resíduo pegajoso de óleo dentro do tanque, especialmente porque o navio-tanque permanece vulnerável ao colapso”, disse a ONU, enfatizando que para terminar o trabalho, um valor extra de US$ 22 milhões (cerca de R$ 103 milhões) é necessário com urgência.

    E se ocorrer um derramamento?

    Um derramamento fecharia os portos iemenitas dos quais seu povo empobrecido depende para obter ajuda alimentar e combustível, impactando 17 milhões de pessoas durante uma crise humanitária em curso causada pela guerra civil do país e um ataque militar liderado pelos sauditas ao país.

    O petróleo pode vazar até a costa africana, prejudicando os estoques de peixes por 25 anos e afetando até 200.000 empregos, segundo a ONU.

    Um possível vazamento causaria ramificações “catastróficas” à saúde pública no Iêmen e nos países vizinhos, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, nos EUA. Iêmen, Arábia Saudita e Eritreia arcariam com o peso.

    O petroleiro FSO Safer flutua perto do porto de Ras Isa, no Mar Vermelho, em 15 de julho de 2023 em Hudaydah, no Iêmen./Mohammed Hamoud/Getty Images

    A poluição do ar de um derramamento dessa magnitude aumentaria o risco de hospitalização por doenças cardiovasculares ou respiratórias para aqueles diretamente expostos em 530%, de acordo com o estudo, que informou ainda que o vazamento poderia causar uma série de outros problemas de saúde, como transtornos psiquiátricos a neurológicos.

    “Dada a escassez de água e alimentos nesta região, pode ser um dos derramamentos de óleo mais desastrosos já conhecidos em termos de impactos na vida humana”, disse David Rehkopf, professor da Universidade de Stanford e autor sênior do estudo, à CNN.

    Até 10 milhões de pessoas lutariam para obter água potável e 8 milhões teriam seu acesso a alimentos ameaçado. A pesca no Mar Vermelho no Iêmen pode ser “quase completamente eliminada”, acrescentou Rehkopf.

    O navio-tanque tem sido um problema para muitas pessoas no Iêmen nos últimos anos, disse Gressly.

    O sentimento nas mídias sociais em torno da remoção do petróleo é muito positivo, já que muitos no Iêmen sentem que o navio-tanque é uma “ameaça que está além de suas cabeças”, disse ele.

    Quem fica com o petróleo?

    A questão dos petroleiros continua sendo um ponto de disputa entre os rebeldes Houthi que controlam o norte do Iêmen e o governo reconhecido internacionalmente, os dois principais lados em guerra no conflito civil do país.

    Embora a guerra, que viu centenas de milhares de pessoas mortas ou feridas, e o Iêmen deixado em ruínas, tenha diminuído ultimamente, ela está longe de ser resolvida.

    Ahmed Nagi, analista sênior para o Iêmen no think tank International Crisis Group em Bruxelas, na Bélgica, vê a questão do navio-tanque Safer como “uma personificação do conflito no Iêmen como um todo”.

    “O governo vê as milícias Houthi como um grupo ilegítimo que controla o navio-tanque, e os Houthis não reconhecem [o governo]”, disse Nagi à CNN.

    A embarcação foi abandonada após a eclosão da guerra civil iemenita em 2015. A maior parte do petróleo pertence à empresa estatal iemenita SEPOC, dizem os especialistas, e há alguns relatos de que pode ser vendida.

    “Do ponto de vista técnico, o proprietário do navio-tanque e do petróleo dentro dele é a SEPOC”, disse Nagi, acrescentando que outras empresas de energia que trabalham no Iêmen também podem compartilhar a propriedade do petróleo.

    A questão principal, acrescentou Nagi, é que a sede do Safer está na cidade de Marib, controlada pelo governo, enquanto o navio-tanque está em uma área controlada pelos Houthis. O Safer está ancorado na costa da província ocidental de Hodeidah.

    As discussões para determinar a propriedade do petróleo estão em andamento, disse Gressly. Os direitos sobre o petróleo não são claros e há questões legais que precisam ser resolvidas.

    O coordenador da ONU espera que os dias necessários para descarregar o petróleo ganhem tempo para “discussões políticas e jurídicas que precisam ocorrer antes que o petróleo possa ser vendido”.

    Embora a ONU consiga resolver metade da questão, disse Nagi, ainda é preciso entender a situação do petróleo.

    “Ele ainda representa um perigo se o mantivermos perto de uma zona de conflito”, disse ele.