Mudança climática gera calor mortal na Índia e coloca desenvolvimento em risco
De acordo com novo estudo, o calor extremo representará uma ameaça à segurança energética e à saúde das pessoas e reverterá o progresso na desigualdade e na redução da pobreza
Ondas de calor mortais alimentadas pela mudança climática estão ameaçando o desenvolvimento da Índia e correm o risco de reverter o progresso feito pelo país na redução da pobreza, saúde e crescimento econômico, descobriu um novo estudo.
As ondas de calor já afetaram criticamente o país, levando a quedas de energia, aumento da poeira e da poluição do ar e derretimento glacial acelerado no norte da Índia, disseram pesquisadores da Universidade de Cambridge no estudo publicado na revista PLOS Climate na quarta-feira (19).
Desde 1992, mais de 24 mil pessoas morreram por causa das ondas de calor na Índia, segundo o estudo. E os impactos devem se agravar à medida que se tornam mais frequentes, intensas e letais devido à crise climática.
“A Índia está atualmente enfrentando uma colisão de múltiplos riscos climáticos cumulativos”, disseram os pesquisadores. “As projeções de longo prazo indicam que as ondas de calor no país podem ultrapassar, até 2050, o limite de sobrevivência de um ser humano saudável descansando na sombra”.
O estudo mostra que milhões de pessoas a mais na Índia são vulneráveis às mudanças climáticas do que se pensava inicialmente. Mais de 90% do país pode ser severamente afetado por ondas de calor, caindo em uma zona de “perigo” de calor extremo, de acordo com o índice de calor, segundo o estudo.
O índice de calor mede a sensação térmica e considera a temperatura e a umidade do ar para avaliar o impacto do calor na população. No ano passado, a Índia experimentou uma onda escaldante, durante a qual partes do país atingiram mais de 49 graus Celsius.
Em 2022, a Índia experimentou seu abril mais quente em 122 anos e seu março mais quente já registrado, disse o estudo. E passou também pelo clima extremo em 242 dos 273 dias entre janeiro e outubro de 2022, descobriram os pesquisadores.
Esse estresse térmico repetido afetará milhões de vidas e meios de subsistência.
“Estimativas mostram uma redução de 15% na capacidade de trabalho ao ar livre durante o dia devido ao calor extremo até 2050”, constatou o estudo. “Espera-se que o aumento do calor custe à Índia 2,8% e 8,7% de seu Produto Interno Bruto (PIB) e reduza os padrões de vida até 2050 e 2100, respectivamente”.
Até meados do século, 70 cidades indianas devem ter mais de 1 milhão de habitantes, segundo o estudo.
O calor extremo representará uma ameaça à segurança energética e à saúde dessas pessoas e reverterá o progresso na desigualdade e na redução da pobreza, descobriram os pesquisadores.
“Minha família em Calcutá está sofrendo com as atuais ondas de calor que levam a frequentes reduções de carga”, disse o autor do estudo, Dr. Ramit Debnath, em referência a quedas de energia forçadas que reduzem a tensão na rede. “O nexo clima-energia está se tornando mais relevante”, acrescentou.
Normalmente, são os mais pobres e vulneráveis que mais sofrem. As ondas de calor “terão consequências sem precedentes na população de baixa renda”, disse o estudo.
Como exemplo, os autores apontam para a capital em rápida urbanização, Nova Deli, que “tem um alto nível de atividades de construção, principalmente envolvendo uma força de trabalho de baixa renda, que também corre sério risco de impactos de ondas de calor”.
Embora a Índia tenha um “índice de vulnerabilidade climática” por meio do qual avalia sua vulnerabilidade à crise climática, os autores acreditam que isso subestima o impacto das ondas de calor no desenvolvimento do país.
A Índia se comprometeu com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, uma lista de 17 objetivos que incluem reduzir a pobreza, a fome, a desigualdade e as doenças, além de promover saúde, educação e saneamento. Ao não entender a verdadeira ameaça das ondas de calor sobre sua população, a Índia corre o risco de perder esses objetivos.
A coautora do estudo, professora Ronita Bardhan, disse que as recomendações podem ser usadas para criar resiliência ao calor para moradias de baixa renda, pois “essas comunidades são mais vulneráveis aos impactos”.
“Pacotes focados no calor e na saúde para moradores de baixa renda e favelas são especialmente críticos, pois mostramos que as ondas de calor têm impactos devastadores na sustentabilidade urbana”, disse ela.
Outra aplicação prática são as estratégias de tornar a área urbana mais verde, principalmente em torno de áreas altamente densas, que “podem fornecer alívio dos efeitos das ilhas de calor urbanas”, disse Bardhan.
Os autores enfatizam a “urgência” ao recomendar que a Índia atualize sua avaliação de clima extremo para incluir o índice de calor e seu impacto no desenvolvimento sustentável do país.
“A Índia demonstrou uma tremenda liderança na ampliação dos planos de ação contra o calor nos últimos cinco anos, declarando as ondas de calor um desastre natural e mobilizando recursos de socorro apropriados”, disseram os autores.
Mas “à medida que as ondas de calor na Índia e no subcontinente indiano se tornam recorrentes e duradouras, é hora de especialistas em clima e formuladores de políticas reavaliarem as métricas para estimar a vulnerabilidade climática do país”.