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    Míssil que atingiu hospital em Gaza não foi de ataque de Israel, aponta análise da CNN

    CNN analisou dezenas de vídeos publicados nas redes sociais, assim como imagens de satélite

    Paul P. MurphyKatie PolglaseBenjamin BrownGianluca MezzofioreEliza Mackintoshda CNN

    Nos dias seguintes à explosão que atingiu o lotado Hospital Batista Al-Ahli, na Faixa de Gaza, e que matou centenas de pessoas, ainda persistem dúvidas de quem seria o culpado.

    Análise forense de imagens e filmagens disponíveis publicamente, no entanto, começou a indicar algumas pistas sobre o que causou a explosão.

    A CNN analisou dezenas de vídeos publicados nas redes sociais, transmitidos ao vivo e filmados por um jornalista freelancer, que trabalha para a CNN em Gaza, assim como imagens de satélite, para expor o que aconteceu com o máximo de detalhes possível.

    Sem a capacidade de acessar o local e coletar evidências no terreno, nenhuma conclusão pode ser definitiva. Mas a análise da CNN aponta que um foguete lançado de dentro de Gaza se partiu no ar e parte dele explodiu no complexo hospitalar.

    Especialistas em armas e explosivos – com décadas de experiência na avaliação de danos causados por bombas – analisaram evidências visuais e disseram à CNN que acreditam ser este o cenário mais provável. Os profissionais fizeram a ressalva, no entanto, que a ausência de restos de munições ou estilhaços no local dificulta qualquer leitura definitiva.

    Todos concordaram que as provas disponíveis dos danos no local não são consistentes com um ataque aéreo israelense.

    Israel afirma que a “falha” de um foguete do grupo radical Jihad Islâmica causou a explosão. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse na última quarta-feira que esta versão é apoiada pela inteligência norte-americana.

    Um porta-voz do Conselho de Segurança da ONU disse pouco depois que a análise de imagens aéreas, interceptações e informações de código aberto sugeriria que Israel “não é responsável”.

    Autoridades palestinas e vários líderes árabes, no entanto, acusam Israel de atingir o hospital durante os ataques aéreos em curso em Gaza. A Jihad Islâmica – um grupo rival do Hamas – negou a responsabilidade.

    A guerra entre Israel e Hamas desencadeou uma onda de conteúdos enganosos e falsas alegações online. Esta desinformação, aliada à natureza polarizada do conflito, tornou difícil separar fatos de ficção.

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    Nos últimos dias, vários meios de comunicação publicaram investigações sobre a explosão no hospital. Alguns chegaram a conclusões diametralmente diferentes, refletindo os desafios de fazer tal análise remotamente.

    Mas à medida que mais informações surgem, a investigação da CNN – que inclui uma revisão de um vídeo na noite da explosão e imagens horríveis dos feridos e mortos dentro do complexo hospitalar – é um esforço para explicar detalhes da explosão além do que Israel e os EUA produziram publicamente.

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    Um flash de luz no escuro

    Na noite de terça-feira, uma série de mísseis iluminou o céu da Faixa de Gaza antes da explosão mortal, de acordo com vídeos analisados pela CNN.

    Uma câmera da Al Jazeera, localizada no oeste de Gaza e voltada para o leste, estava transmitindo ao vivo às 18h59 no horário local [12h59 no horário de Brasília], de acordo com a gravação.

    A filmagem parece mostrar um foguete disparado de Gaza viajando em uma trajetória ascendente antes de inverter a direção e explodir, deixando um breve e brilhante raio de luz no céu noturno acima da Faixa de Gaza. Momentos depois, duas explosões são visíveis no solo, incluindo uma no Hospital Batista Al-Ahli.

    Ao verificar a posição da câmera, a CNN conseguiu determinar que o foguete foi disparado de uma área ao sul da Faixa de Gaza. A CNN localizou, geograficamente, a explosão no hospital referenciando edifícios próximos a oeste do complexo.

    Imagens tiradas de uma webcam em Tel Aviv apontando para o sul em direção a Gaza, que a CNN sincronizou com a transmissão ao vivo da Al Jazeera, mostram uma série de mísseis vindos de Gaza pouco antes da explosão.

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    Vários especialistas em armas contaram à CNN que o vídeo da Al Jazeera parecia mostrar um míssil queimando no céu antes de cair no hospital, mas que não podiam dizer com certeza se os dois incidentes estavam ligados – devido aos desafios de calcular a trajetória de um míssil que falhou ou mudou de rumo durante o voo.

    “Acredito que isso aconteceu – um míssil falhou e não caiu inteiro. É provável que ele tenha se desintegrado no ar por algum motivo e parte do foguete tenha caído no estacionamento. Lá, os restos de combustível pegaram fogo e incendiaram carros e outros combustíveis no hospital, causando a grande explosão que vimos”, disse Markus Schiller, especialista em mísseis baseado na Europa, que trabalhou em análises para a Otan e União Europeia, à CNN.

    “Mas é impossível confirmar para mim. Se um míssil apresenta mau funcionamento (…) é impossível prever a trajetória de voo e o comportamento, então não seria capaz de recorrer à análise usual baseada na altitude, trajetória de voo e tempo de queima”, acrescentou.

    O coronel aposentado da Força Aérea dos EUA, Cedric Leighton, ex-vice-diretor da Agência de Segurança Nacional dos EUA e analista militar da CNN, disse que a explosão aérea foi “consistente com um míssil com defeito”, acrescentando que o raio de luz era consistente com “um foguete queimando combustível enquanto tenta atingir a altitude”.

    Chad Ohlandt, engenheiro sênior da Rand Corporation, em Washington, concordou que o clarão de luz sugere que o motor sólido do míssil estava “com defeito”.

    Tem ocorrido alguma especulação nas redes sociais de que a quebra do míssil poderia ter sido causada pelo sistema de defesa, Domo de Ferro, de Israel. Mas especialistas disseram que não há evidências de que outro míssil o tenha interceptado, e Israel afirma que não usa o sistema em Gaza.

    Às 19h [13h do horário de Brasília], o braço militar do Hamas, as Brigadas Al-Qassam, publicou no canal do Telegram que tinha bombardeado Ashdod, uma cidade costeira israelense ao norte de Gaza, com “uma barragem de mísseis”.

    Poucos minutos depois, a PIJ disse no Telegram que o braço armado, as Brigadas Al-Quds, tinha lançado ataques contra Tel Aviv em resposta ao “massacre de civis pelo inimigo”.

    Outro vídeo noturno da explosão, que parece ter sido filmado em um telefone celular de uma varanda e também geolocalizado pela CNN, capturou um som sibilante antes do céu se iluminar e uma grande explosão irromper.

    Dois especialistas em armas que analisaram as imagens para a CNN disseram que o som do vídeo não era consistente com o de um explosivo militar de alta qualidade, como uma bomba ou projétil. Ambos afirmaram que não foi possível tirar conclusões definitivas a partir do áudio do clipe, alertando que o celular pode ter afetado a confiabilidade do som.

    Um importante especialista em acústica dos EUA, que não tinha permissão para falar publicamente na universidade dele, analisou a forma de onda sonora do vídeo e concluiu que, embora houvesse mudanças na frequência sonora, indicando que o objeto estava em movimento, não havia informação direcional que pudesse ser extraída dele.

    Pânico e carnificina

    Dentro do hospital, o som era ensurdecedor. Fadel Na’eem, chefe do departamento de ortopedia, disse que estava realizando uma cirurgia quando a explosão soou no hospital. Ele disse que o pânico se instalou quando os funcionários correram para a sala de cirurgia, gritando por ajuda e relatando várias vítimas.

    “Acabei de terminar uma cirurgia e, de repente, ouvimos uma grande explosão”, disse o Dr. Na’eem à CNN em um vídeo gravado. “Pensamos que fosse fora do hospital porque nunca pensamos que iriam bombardeá-lo.”

    Depois de sair da sala de operações, o Dr. Na’eem disse que encontrou uma cena impressionante. “A equipe médica lutou para cuidar dos feridos e moribundos, mas a magnitude da devastação foi avassaladora.”

    Dr. Na’eem disse que não foi a primeira vez que o hospital foi atingido. Em 14 de outubro, três dias antes, ele disse que dois mísseis tinham atingido o edifício e que os militares israelenses não tinham telefonado para avisá-los.

    “Achamos que foi por engano. E no dia seguinte, [os israelenses] ligaram para o diretor médico do hospital e disseram: ‘Nós avisamos vocês ontem, por que vocês ainda estão trabalhando? É preciso evacuar o hospital”, disse o Dr. Na’eem, acrescentando que muitas pessoas e pacientes fugiram antes da explosão, com medo de que o hospital fosse atingido novamente.

    A CNN não conseguiu verificar, de forma independente, os detalhes do ataque de 14 de outubro descrito pelo Dr. Na’eem e entrou em contato com o IDF para comentar. O IDF disse que não têm como alvo hospitais, embora a ONU e os Médicos Sem Fronteiras afirmem que os ataques aéreos israelenses atingiram instalações médicas, incluindo hospitais e ambulâncias.

    Embora seja difícil confirmar de forma independente quantas pessoas morreram na explosão, o derramamento de sangue pode ser visto nas imagens do rescaldo compartilhadas nas redes sociais. Em fotos e vídeos, crianças pequenas cobertas de poeira são levadas às pressas para tratar dos ferimentos. Outros corpos são vistos sem vida no chão.

    Um voluntário local, que não forneceu o nome, descreveu as terríveis consequências da explosão no Hospital Batista Al-Ahli, dizendo que chegou às 8h [2h no horário de Brasília] e ajudou a reunir os restos mortais das pessoas mortas.

    “Reunimos seis sacos cheios de pedaços de cadáveres – pedaços”, disse. “O mais velho que reunimos tinha talvez oito ou nove anos de idade. Mãos, pés, dedos, tenho aqui meio corpo no saco. O que eles estavam fazendo, o que eles fizeram. Nenhum deles tinha escova de dente e muito menos arma.”

    Um jornalista freelancer, que trabalha para a CNN em Gaza, foi ao local no dia seguinte, entrevistando testemunhas oculares e filmando o raio da explosão detalhadamente, capturando o raio de impacto, que tinha cerca de 1×1 metro de largura e 30 centímetros de profundidade. Alguns destroços e danos eram visíveis na área mais ampla, incluindo carros queimados, edifícios marcados e janelas quebradas.

    Analisando as consequências

    Oito especialistas em armas e explosivos que analisaram as imagens da CNN concordaram que o pequeno tamanho da cratera e os danos generalizados à superfície eram inconsistentes com uma bomba de avião, que teria destruído a maior parte das coisas no ponto de impacto. Muitos disseram que as evidências apontavam para a possibilidade de um míssil ter sido o responsável pela explosão.

    Marc Garlasco, ex-analista de inteligência de defesa e investigador de crimes de guerra da ONU, com décadas de experiência na avaliação de danos causados por bombas, disse que o que quer que tenha atingido o hospital em Gaza, não foi um ataque aéreo.

    “Mesmo a menor JDAM [munição conjunta de ataque direto] deixa uma cratera de 3 metros”, disse ele à CNN, referindo-se a um sistema guiado que faz parte do arsenal de armas israelense fornecido pelos EUA.

    Chris Cobb-Smith, um especialista em armas britânico que fez parte de uma equipe da Amnistia Internacional que investigava armas usadas por Israel durante a Guerra de Gaza em 2009, disse à CNN que o tamanho da cratera o levou a descartar uma bomba pesada lançada do ar.

    “O tipo de cratera que vi nas imagens até agora não é grande o suficiente para ser o tipo de bomba que vimos cair na região em muitas ocasiões”, disse.

    Um investigador de armas disse que o impacto foi “mais característico de um ataque de míssil com marcas de queimadura de sobras de combustível ou propelente de foguete”, e não algo que você veria em “um típico projétil de artilharia”.

    Cobb-Smith disse que o incêndio que se seguiu após a explosão foi inconsistente com um ataque de artilharia, mas que não poderia ser totalmente descartado.

    Outros disseram que os danos observados no local – especificamente nos carros queimados – não parecem sugerir que a explosão tenha sido o resultado de uma espoleta de explosão aérea, que ocorre quando um projétil explode no ar antes de atingir o solo, ou de fogo de artilharia.

    Patrick Senft, coordenador de pesquisa da Armament Research Services (ARES), disse que esperava que os tetos dos carros mostrassem danos de fragmentação significativos e que o local do impacto fosse mais profundo, nesse caso.

    “Para um projétil de artilharia de 152/155 mm com um fuz de detonação pontual [aquele que inicia a explosão ao atingir o solo], esperaria uma cratera de cerca de 1,5 metro de profundidade e 5 metros de largura. A cratera aqui parece substancialmente menor”, disse Senft.

    Um especialista em explosivos, que atualmente trabalha na aplicação da lei e não estava autorizado a falar com a imprensa, disse que é provável que os estilhaços do projétil tenham inflamado o combustível e o líquido inflamável dos carros, razão pela qual a bola de fogo era tão grande. Esses tipos de explosões geram uma onda de choque que é particularmente mortal para crianças e pessoas frágeis.

    O mesmo especialista, que passou décadas conduzindo investigações forenses em zonas de conflito em todo o mundo, também disse que os danos no local da cratera e no local não eram congruentes com os danos normalmente observados em um local de bombardeio de artilharia.

    Sem saber que tipo de projétil produziu a cratera, é difícil tirar conclusões sobre a direção de onde veio. No entanto, os destroços e as marcações no solo apontam para algumas possibilidades.

    Existem manchas escuras no solo espalhando-se na direção sudoeste da cratera. As árvores atrás dele estão queimadas e um poste de luz está totalmente derrubado. Em contrapartida, as árvores do outro lado da cratera ainda estão intactas, mesmo com folhas verdes.

    Isso seria consistente com um foguete se aproximando do sudoeste, já que os foguetes queimam e danificam a Terra ao se aproximarem do solo. Se a munição fosse de artilharia, entretanto, essas marcas poderiam indicar que ela veio do nordeste, espalhando destroços para o sudoeste.

    Mas se o projétil avariasse e se partisse no ar, como sugere a análise da CNN, a direção do impacto refletida pela cratera não seria uma descoberta confiável.

    Narrativas contrastantes

    Israel apresentou duas narrativas contrastantes sobre a direção de origem do suposto foguete do Hamas.

    Em uma gravação de áudio divulgada por autoridades israelenses, que dizem ser militantes do Hamas discutindo a explosão e atribuindo a um  míssil lançado pela Jihad Islâmica (ou PIJ), um “cemitério atrás do hospital” é mencionado como local de lançamento.

    A CNN analisou imagens de satélite dos dias anteriores ao ataque e não encontrou nenhuma evidência aparente de um local de lançamento de mísseis no local. A CNN não conseguiu verificar a autenticidade da interceptação de áudio.

    O IDF também publicou um mapa indicando que o foguete foi lançado a vários quilômetros de distância, na direção sudoeste, mostrando a trajetória em direção ao hospital. O mapa não é detalhado, mas indica um local de lançamento de mísseis que corresponde a um local que a CNN identificou anteriormente como local de treinamento do Hamas.

    Imagens de satélite desse site indicam alguma atividade nos dias anteriores à explosão no hospital, mas a CNN não conseguiu determinar se um foguete foi lançado de lá e também pediu ao IDF mais detalhes sobre o mapa.

    Até que seja permitida uma investigação independente no terreno e sejam recolhidas provas no local, a perspectiva de determinar quem esteve por detrás da explosão é remota.

    “Muita coisa dependerá dos restos encontrados nos destroços”, disse Chris Cobb-Smith à CNN. “Podemos analisar imagens, podemos ouvir áudio, mas a resposta definitiva virá da pessoa ou da equipe que entrar e vasculhar os escombros e encontrar restos da própria munição.”

    Levar especialistas independentes para lá será um desafio, dada a guerra ainda em curso e a iminente ofensiva terrestre de Israel a Faixa de Gaza.

    Marc Garlasco, ex-analista de inteligência de defesa e investigador de crimes de guerra da ONU, diz que há sinais de falta de provas nas instalações do Hospital Al-Ahli.

    “Quando investigo um local de um potencial crime de guerra, a primeira coisa que faço é localizar e identificar partes da armas. A arma diz quem fez isso e como. Nunca vi tanta falta de evidências físicas de uma arma em um local. Nunca. Sempre há um pedaço de bomba depois do fato. Em 20 anos de investigação de crimes de guerra, essa é a primeira vez que não vejo quaisquer restos de armas. E trabalhei em três guerras em Gaza.”

    Imagens coletadas pela CNN, no dia seguinte da explosão, mostram um grande número de pessoas atravessando o local. O risco de que, no meio do caos e do pânico da guerra, as provas sejam perdidas ou adulteradas, é elevado.

    Mesmo antes desse conflito, o acesso aos locais era um desafio para os investigadores independentes. Cobb-Smith já investigou em Gaza antes.

    “As autoridades locais não me deram livre acesso à área ou ficaram muito descontentes por estar tentando investigar algo que tinha claramente ocorrido errado do ponto de vista deles.”

    Teele Rebane da CNN, Eve Brennan, Yong Xiong e Alex Marquardt contribuíram para essa reportagem.

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