Milhares tentam escapar do Sudão pelo mar, mas apenas alguns conseguem
Milhares se reunem no cais de Port Sudan, principal cidade portuária do país, na esperança de embarcar em um navio em segurança
No escuro da noite, o pesadelo está quase no fim para os poucos sortudos reunidos no cais de Port Sudan, principal cidade portuária do Sudão.
Sob holofotes, um rebocador atraca e resgata dezenas de desabrigados em uma rua tranquila perto do movimentado cais. Soldados sauditas vestindo balaclavas verificam seus passaportes e dão passagem, deixando-os um passo mais perto da segurança.
Eles estão entre os milhares que fugiram desde que combates mortais eclodiram no Sudão entre forças militares rivais há mais de duas semanas, através da traiçoeira jornada de 830 quilômetros da capital até o porto oriental, na esperança de embarcar em um navio em segurança. Uma pessoa disse à CNN que levou 36 horas para chegar à cidade.
A CNN se juntou a uma missão de evacuação saudita no domingo, da cidade de Jeddah, na Arábia Saudita, até o cais em Port Sudan, e de volta pelo Mar Vermelho – rota que se tornou uma tábua de salvação para aqueles cujas vidas foram prejudicadas pelo conflito, alguns dos quais partiram com apenas um passaporte e alguns itens pessoais.
O empresário sudanês-americano Adil Bashir foi um dos 52 evacuados que embarcaram no navio da Marinha Real Saudita HMS Al-Diriyah no domingo. Ele disse à CNN que fugiu de Cartum, capital sudanesa, depois que sua concessionária foi atacada e alguns de seus veículos foram roubados e outros queimados. “Há muitos cadáveres na rua”, disse.
Ele falou que foi detido por homens vestindo uniformes das Forças de Apoio Rápido do Sudão (RSF) depois de lhes dizer que era cidadão americano. “Acredito que eles queriam que fôssemos escudos humanos”, disse ele à CNN.
Centenas foram mortos e milhares ficaram feridos nos combates. Milhares de estrangeiros foram evacuados do país, enquanto muitos sudaneses permanecem presos em condições cada vez mais deterioradas e mortais.
E como os combates expulsaram mais pessoas de Cartum, Port Sudan se tornou um importante centro de evacuação.
A equipe internacionalmente recrutada pela ONU na cidade portuária do leste e milhares estão na espera de voos para fora.
Pelo menos dois comboios de cidadãos americanos e funcionários locais da Embaixada dos EUA chegaram no fim de semana, aumentando os números. O primeiro comboio chegou a Port Sudan no sábado (29) e o segundo na noite de domingo (30), sendo os primeiros esforços liderados pelos EUA para evacuar cidadãos americanos do Sudão.
Faris Asad, cônsul-geral dos EUA em Jeddah, na Arábia Saudita, disse à CNN que 100 americanos estavam entre as pessoas que chegaram na manhã desta segunda-feira (1º) no navio USNS Brunswick, um navio de transporte rápido que possui tripulação militar e civil.
Os EUA montaram um centro de recepção no porto de Jeddah, processando qualquer cidadão americano antes de sua viagem em andamento.
Hanadi Ahmed, uma das evacuadas sudanesas-americanas que chegaram ao porto nesta segunda-feira, disse à CNN que estava com o coração partido por ter que deixar alguns membros de sua família para trás.
“É muito ruim, toda a minha família está lá, minha mãe, meu pai, é muito difícil”, disse ela à CNN, soluçando.
Até domingo, os sauditas disseram ter evacuado 5.197 pessoas de 100 nacionalidades do país.
“Os ativos e as capacidades – militares e civis – na Arábia estão envolvidos na retirada de civis do Sudão”, disse à CNN o porta-voz do Ministério da Defesa, general Turki Al-Maliki. “Enquanto for seguro, continuaremos fazendo nosso papel.”
Viagem para a segurança
Os evacuados foram recebidos a bordo do HMS Al-Diriyah com flores, chocolates, garrafas de água e suco de laranja embalado.
“É muito difícil e muito doloroso para mim [sair] porque o Sudão é como uma segunda casa”, disse à CNN o trabalhador imigrante paquistanês Hamza Navid.
Ele atuou como tradutor não oficial para seus colegas da equipe, ouvindo as instruções em inglês da tripulação e transmitindo-as em urdu. Outros no grupo eram de países como Omã e Nepal, todos juntos em um triste adeus à terceira maior nação da África.
A viagem de Port Sudan a Jeddah pode levar até 12 horas, dependendo das condições do mar. Embora a frota da Marinha Real Saudita esteja indo e voltando pelo Mar Vermelho, a demanda supera em muito a oferta.
Mas cada desembarque em Jeddah recebe uma cerimônia com oficiais uniformizados fazendo fila do lado de fora de uma embarcação para dar as boas-vindas aos evacuados e oficiais disponíveis para fotos. É também um espetáculo de mídia bem coreografado com dezenas de câmeras apontadas para viajantes cansados enquanto desembarcam. Às vezes, há lágrimas – com partes iguais de alívio e culpa dos sobreviventes.
Antes da chegada do navio na Arábia Saudita, as Forças Armadas do Sudão (SAF) disseram no domingo que concordaram em estender um cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos e Arábia Saudita por 72 horas depois que seu rival, as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares, concordaram anteriormente em estender a trégua.
Apesar de múltiplos cessar-fogos, no entanto, confrontos esporádicos entre os dois grupos continuaram e tiros foram ouvidos no domingo e na segunda-feira perto do disputado palácio presidencial em Cartum, disseram testemunhas à CNN.
Oito toneladas de ajuda médica chegaram ao Sudão no domingo, disse o Comitê Internacional da Cruz Vermelha em um comunicado, oferecendo alívio às instalações médicas do país duramente atingidas.
Mas especialistas dizem que o país corre o risco de um desastre humanitário, já que aqueles que ainda estão presos em suas casas enfrentam escassez de alimentos, água, remédios e eletricidade.
“O número de cadáveres espalhados pelas ruas está aumentando e isso está criando uma catástrofe ambiental”, disse o sindicato dos médicos do Sudão em um comunicado no domingo.
A declaração do Comitê Preliminar de Médicos do Sudão pede o fim da “guerra” e o estabelecimento de corredores humanitários para assistência médica, ambulâncias, pacientes e pessoal de saúde.
Há também uma situação terrível na fronteira de Walfa Hadia, entre o Egito e o Sudão, com várias mortes por desidratação relatadas, acrescentou.