Milei promete padrão europeu em 15 anos e Massa se desculpa pela economia no 1º debate
Candidatos à Presidência da Argentina se reuniram neste domingo (1º) para debater temas como economia, educação e direitos Humanos
No primeiro debate de candidatos à Presidência da Argentina, na noite de domingo (1º), o candidato da extrema-direita, Javier Milei, afirmou que, se eleito, “em 15 anos” a Argentina poderá alcançar níveis de vida similares aos de países europeus e, em 35 anos, aos dos Estados Unidos.
Milei propõe reformar o Estado, diminuir “drasticamente” o gasto público, reduzir impostos, abrir e desregular a economia, privatizar estatais e fechar o Banco Central.
“Com esse conjunto de reformas, em 15 anos a Argentina poderia atingir níveis de vida semelhantes aos da Itália ou da França. Se me derem 20 [anos], Alemanha, e se me derem 35, Estados Unidos”.
Ele também afirmou que com o atual modelo econômico, de emissão monetária e déficit fiscal, a Argentina pode se transformar na “maior favela do mundo” em 50 anos.
Favorito na corrida eleitoral segundo a maioria das pesquisas de intenção de voto do primeiro turno, Milei, do partido A Liberdade Avança, conseguiu manter a calma durante o debate, sem fortes insultos a integrantes de outras forças políticas, uma das características pelas quais se tornou conhecido.
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Ele classificou, porém, a gestão do atual presidente Alberto Fernández como um “governo de delinquentes” e disse que os políticos da atual administração defendem a emissão monetária e o Banco Central porque, com eles, “roubam dos argentinos honestos”.
Já o ministro da Economia e candidato pela coalizão de centro-esquerda do peronismo União pela Pátria, Sergio Massa, disse ter consciência de que a inflação — de 124,4% no acumulado dos últimos 12 meses — é um problema, e pediu desculpas à população.
Há um ano no cargo, ele agora promete resolver a crise econômica argentina com a criação de uma moeda digital, incentivo aos exportadores, prisão para quem retirar divisas do país e um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Segundo colocado nas pesquisas, ele criticou as propostas de Milei de deixar de financiar escolas e universidades públicas e de dolarizar a economia, afirmando que somente o Zimbábue, o Equador e El Salvador adotaram o modelo de substituir a moeda norte-americana em detrimento de suas moedas.
Massa disse que a proposta significa “rifar” o peso argentino e propôs buscar equilíbrio fiscal e acumulação de reservas para combater a inflação.
A proposta de dolarização também foi criticada pela candidata Patricia Bullrich, da coalizão Juntos pela Mudança, de centro-direita.
“Prometeram dolarização para você, mas você sabe que sem dólares não dá para dolarizar”, disse à audiência, sobre a escassez de dólares no Banco Central do país, afirmando também que somente países como a Micronésia, Tuvalu e Kiribati não possuem Banco Central. “Todos são paraísos fiscais”, disse.
A candidata apoiada pelo ex-presidente Mauricio Macri também acusou o kirchnerismo — ala do peronismo liderado pela vice-presidente Cristina Kirchner — de deixar a Argentina “arrasada” e “caótica”.
“Massa já é presidente em funções e a administração é um desastre”, criticou.
Também participaram do debate a candidata socialista, da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT, na sigla em espanhol), Myryam Bregman, que fez fortes críticas a Milei, Massa e Bullrich, e o governador da província de Córdoba, o peronista Juan Schiaretti, que discursou contra a polarização entre o kirchnerismo e o macrismo.
União de peronistas com liberais
Apesar da discussão que travou com seu principal adversário na campanha, o ministro da Economia disse que, se eleito, poderia incluir pessoas do partido “libertário” em seu governo.
“Se for [presidente], tenham certeza de que vamos convocar os melhores. Tanto do radicalismo, do Pro [partido macrista] e inclusive com gente do partido de Javier Milei. Convocando a todos, sem medo do diálogo e das diferenças”, garantiu ele, enquanto o candidato ultraliberal reagia com expressão de incompreensão.
Massa foi muito atacado pelos adversários pela grave crise econômica do país, que atingiu 12,4% de inflação em agosto e tem 40,1% da população da pobreza, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) do primeiro semestre.
“Explique para os argentinos como sendo o pior ministro da economia pode ser um bom presidente, como você pode se dividir em duas pessoas com tanto cinismo?”, questionou Bullrich.
Já Schiaretti questionou se a vida dos argentinos melhorou desde que Massa está no governo e disse que a única coisa que o ministro conseguiu foi deixar a Argentina “à beira da hiperinflação”.
Milei fez a mesma alegação: “Estamos à beira da hiperinflação, por que não nos conta como vai evitar a hiperinflação em vez desse conto de fadas?”, perguntou ao ministro sobre suas propostas.
Massa, porém, tentou se distanciar do governo de Alberto Fernández.
“Agora vem uma etapa nova, o meu governo, não este, e por isso acho que nossa responsabilidade é tentar, por todos os meios, consolidar um projeto de exportações, de desenvolvimento econômico e melhora na distribuição de renda na Argentina. Obviamente corrigindo os erros, mas também fazendo as mudanças que forem necessárias, custe o que custar”, expressou ele, que taxou de “criminoso” e “inflacionário” o acordo com o FMI para o empréstimo contraído em 2019 por Macri.
Desculpas para o papa Francisco
Apesar de dizer que governaria com liberais, Massa definiu a aposta em Milei como “um salto para o escuro e para a loucura”.
Ele pediu que o candidato usasse seus 45 segundos de resposta a uma pergunta sua para pedir desculpas ao papa Francisco.
“A Argentina tem milhões de fiéis católicos e você ofendeu o chefe da igreja”, disse ele, sobre trechos de uma entrevista que Milei concedeu há alguns anos chamando o papa de comunista e definindo o religioso como “representante do maligno na terra”.
Em resposta, Milei afirmou que deu as declarações quando “ainda não estava na política”, que já pediu desculpas ao papa Francisco e que voltaria a fazê-lo. “Faça, faça”, repetiu Massa algumas vezes, durante o tempo de resposta de Milei, ao que foi advertido pelos moderadores que o áudio estava desligado porque não era seu momento de falar.
“Deixe-me falar, que meu tempo está correndo. Seja respeitoso”, pediu o economista ultraliberal.
Desaparecidos da ditadura
Milei gerou polêmica no debate ao questionar a cifra estimada por organizações de Direitos Humanos de que a ditadura argentina (1976-1983) deixou cerca de 30 mil mortos e desaparecidos.
“Valorizamos a visão de memória, verdade e justiça. Então comecemos pela verdade. Não foram 30 mil desaparecidos, foram 8.753”, disse ele, afirmando que o que houve no país nos 70 foi uma “guerra” e que “forças do Estado cometeram excessos, mas terroristas” de grupos guerrilheiros “também cometeram crimes contra a humanidade”.
Neste bloco, que abordava direitos humanos e convivência democrática, Massa disse que, após 40 anos do retorno da democracia, “é preciso cuidar o legado de memória, verdade e justiça” e defendeu os julgamentos aos agentes da ditadura, iniciados em 1985 e retomados nas últimas décadas.
“Esse caminho deu para a Argentina um enorme reconhecimento internacional” quanto a organismos de direitos humanos, afirmou Massa. Schiaretti também defendeu o julgamento aos repressores de 1985, mas disse que é preciso “olhar para frente”.
Já Myriam Bregman foi categórica: “Foram 30 mil e foi um genocídio”.
Bullrich, que integrou os “Montoneros” — organização armada peronista no período da ditadura — , disse que não promoveu a violência e que optou pelo “caminho do Estado de direito”.
Na linha de Milei, disse que é necessário reconhecer tanto os mortos pela ditadura como os assassinados por “organizações armadas civis e militares”.
Para a convivência democrática do país, ela prometeu acabar com protestos que bloqueiam ruas e ocupações de terra na Patagônia argentina.
Férias em iate de luxo
No sábado, a Argentina assistiu ao escândalo pela divulgação de fotos do chefe de gabinete da província de Buenos Aires, o kirchnerista Martín Insaurralde, passando férias em um iate de luxo em Marbella, no Mediterrâneo, ao sul da Espanha.
Entre as fotos publicadas pela modelo que o acompanhava, estavam bolsas e relógio de grifes que ela teria recebido do político, que aparece em uma das imagens servindo espumante em uma taça.
As imagens, a semanas das eleições e dias após a divulgação do índice de pobreza, que revelou que 1,2 milhão de argentinos passaram a ser pobres no último ano, geraram indignação.
O assunto, no entanto, foi pouco explorado no debate. Foi mencionado logo no início por Bregman, que criticou os que “deixam o povo com fome e vão em iates de luxo passear pela Europa” e por Bullrich, quando questionou a proposta de Massa de prender quem não declarar patrimônio em moeda estrangeira.
“Você já tem o primeiro, leve o Insaurralde”, provocou.
O chefe de gabinete da província renunciou horas após o escândalo que reforça a imagem de corrupção entre funcionários kirchneristas e pode por em risco a reeleição do atual governador da província, Axel Kicillof, e incidir na eleição presidencial.
Debate obrigatório
Este foi o primeiro dos dois debates organizados pela Câmara Nacional Eleitoral da Argentina, de caráter obrigatório. Se algum candidato deixasse de participar, perderia os espaços de propaganda eleitoral nas emissoras de rádio e televisão do país.
O próximo debate será no domingo (8), na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires.
Na maioria das pesquisas eleitorais, Milei lidera as intenções de voto com cerca de 35% e Massa aparece em segundo lugar, com aproximadamente 30%.
Para ganhar no primeiro turno, o candidato precisa obter 45% dos votos ou 40% com uma diferença de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado.
As eleições presidenciais da Argentina acontecem em 22 de outubro. Se necessário, o segundo turno será em 19 de novembro.
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