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    Migrantes podem ser novo bode expiatório da Covid com reabertura da Europa

    Mesmo sem evidências, os populistas reforçam a ideia de que migrantes podem espalhar o vírus pelo continente

    Foto: Pixabay

    Luke McGee, CNN

    Com o lançamento de vacinas na Europa avançando lentamente, a atenção se volta para o que acontecerá quando as fronteiras do continente forem reabertas. Um ponto em que esse debate pode se tornar particularmente tenso é sobre a espinhosa questão da migração.

    No fim de semana passado, o populista eurocético Nigel Farage, a quem muitos creditam por ter feito o Brexit (processo de saída do Reino Unido da União Europeia) acontecer, tuitou sobre uma “crise de Covid em Dover”, alegando, sem fundamento, que um barco que transportava migrantes havia chegado ao sudeste da Inglaterra “com 12 passageiros a bordo e todos testaram positivo para o vírus”.

    O governo do Reino Unido tomou a medida incomum, por meio do Ministério do Interior, de responder diretamente ao tuíte de Farage: “Isso é incorreto. Nenhuma das 12 pessoas testou positivo para Covid-19. Todos os adultos que chegaram hoje foram testados para Covid-19”.

    O Twitter removeu o tuíte original de Farage, por violar as regras do site. A CNN pediu a Farage que comentasse o assunto, mas ele se recusou a responder.

    Um funcionário do Ministério do Interior disse à CNN que, embora a sugestão de que os migrantes estejam espalhando o coronavírus seja uma “opinião marginal”, eles estão preocupados com pessoas que têm muitos seguidores – como Farage – divulgando essa falsa mensagem. E eles notaram que o post de Farage teve muito mais interação dos usuários do Twitter do que a resposta o corrigindo.

    Farage tem uma maneira de usar a difícil situação dos migrantes para promover sua ambição política.

    Durante a campanha do referendo do Brexit, em 2016, seu grupo revelou um famoso cartaz mostrando uma longa fila de pessoas –supostamente migrantes– ao lado do slogan: “Ponto de ruptura: A UE (União Europeia) falhou com todos nós”.

    Nos meses que antecederam o referendo, a Europa viu um grande fluxo de refugiados desesperados para fugir do conflito no Oriente Médio, especialmente da Síria.

    Defendendo o cartaz, Farage fez uma ligação direta entre a migração da Síria e o terrorismo, dizendo: “Quando o ISIS [Estado Islâmico do Iraque e da Síria] diz que usará a crise dos migrantes para inundar o continente com seus terroristas jihadistas, ele provavelmente está falando sério”.

    O cartaz, que obscureceu a única pessoa branca proeminente na imagem original, foi posteriormente denunciado à polícia por incitar o ódio racial.

    O fotógrafo que fez a imagem, na fronteira entre a Eslovênia e a Croácia, em 2015, disse que o cartaz “traiu” as pessoas retratadas.

    Farage não está sozinho em suas tentativas de espalhar informações incorretas, sugerindo uma ligação entre a Covid e os migrantes.

    Migration Watch, influente grupo de reflexão britânico que defende níveis mais baixos de migração, tuitou recentemente que uma cepa do vírus detectada pela primeira vez no sudeste da Inglaterra foi responsável por 61% das infecções no país, apesar de ter sido descoberta apenas em setembro. Ele continuou: “Setembro de 2020 também viu as travessias do Canal da Mancha mais ilegais de todos os tempos em um mês. Coincidência…”.

    Não há provas de que os cruzamentos de migrantes no Canal da Mancha tenham relação com uma mutação do vírus.

    Acadêmicos que trabalham com política de migração estão preocupados com o fato de que, à medida que a Europa começa a se abrir, os populistas se agarrem ao pensamento de que os migrantes podem espalhar o vírus, com ou sem evidências para comprovar isso.

    “Os sentimentos anti-migrantes podem aumentar durante as crises econômicas, já que os migrantes podem ser responsabilizados por aceitar empregos ou usar excessivamente recursos públicos em áreas como saúde”, disse Marina Fernandez-Reino, consultora sênior do Observatório de Migração da Universidade de Oxford.

    Ela observou que, até agora, pelo menos “as atitudes negativas em relação aos migrantes não parecem ter aumentado durante a crise atual”.

    Fernandez-Reino adverte, no entanto, que, embora o público esteja focado em coisas como recuperação econômica e o fim do bloqueio, há evidências preliminares de que a pandemia pode ter levado a “um aumento na discriminação contra os migrantes chineses”.

    Se os cidadãos estão dispostos a apontar o dedo para um grupo minoritário, a implicação é que eles ficarão felizes em fazê-lo em outro, caso surjam as circunstâncias.

    O instinto de culpar os migrantes pelas desgraças nacionais não é exclusivamente britânico.

    “Temos visto muitos políticos usando retórica barata para atribuir essa questão como um saco de pancadas político fácil”, disse Roberta Metsola, primeira vice-presidente do Parlamento Europeu.

    Políticos na Grécia usaram o vírus para justificar campos de imigrantes fechados, enquanto, na Itália, figuras da oposição se apoiaram na chegada de refugiados para atacar o governo durante a pandemia.

    Metsola acredita que uma forma de neutralizar essa narrativa é fortalecer a fé na Frontex, a Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira.

    Grande parte do debate sobre a migração e Covid-19 ignora a imagem real do que está acontecendo nas fronteiras da Europa. Um funcionário da UE que trabalha no controle de fronteiras disse à CNN que, em abril e maio de 2020, o número de migrantes que entraram na UE foi o menor desde o início dos registros em 2009.

    O responsável explicou que muitos dos que conseguiram entrar no bloco durante a crise do coronavírus têm tentado entrar sem serem detectados, para evitar serem detidos nos campos: “Queriam continuar a andar ou evitar ficar presos num campo onde o vírus pudesse se espalhar facilmente”.

    Os campos de imigrantes são excepcionalmente bons em provocar fortes emoções na política europeia. Para alguns, eles são um destino infernal e indigno aguardando pessoas que fogem de nações devastadas pela guerra; para outros, são uma fonte de medo: milhares de pessoas indesejadas apenas esperando para invadir sua nação.

    “É um presente para pessoas como Farage. Pessoas de lugares perigosos, incapazes de se distanciar socialmente e prontas para trazer doenças para o país”, disse o funcionário da UE.

    Por enquanto, este pode ser um debate acontecendo à margem da política europeia, mas é quase inevitável que se torne mais um problema, uma vez que as eleições estão marcadas nas principais nações europeias, como Holanda, Alemanha e França, nos próximos 13 meses.

    Nos três países, possivelmente os partidos populistas de extrema direita obterão um número significativo de votos. Na França, a eleição presidencial de 2022 provavelmente se reduzirá, mais uma vez, a um confronto direto entre o titular, Emmanuel Macron, e Marine Le Pen, da extrema direita.

    Embora seja improvável que esses partidos cheguem ao poder, eles já remodelaram a centro-direita europeia, arrastando figuras como o francês Macron e Mark Rutte, da Holanda, para a direita em várias questões, principalmente em relação ao Islã.

    “Eu posso ver uma narrativa emergente em que muitos cidadãos europeus são vacinados, mas os países de onde vêm um grande número de migrantes não e, por isso, novas variantes estão se espalhando”, disse Sarah de Lange, professora de ciências políticas da Universidade de Amsterdã. “Isso ajudará os populistas, que podem usar a pandemia para influenciar o debate em torno da migração e do controle de fronteiras de forma mais ampla”.

    A crise migratória de 2015 foi um momento decisivo na política europeia, quando milhões de pessoas que fugiam da guerra e da fome entraram no continente, forçando os líderes a fechar acordos com o líder autocrático da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

    O imprevisível homem forte concordou em manter os migrantes em seu país. Mas isso o deixou com um trunfo que ele poderia jogar a qualquer momento: a ameaça de inundar a Europa com migrantes.

    Desde então, políticos que defendiam o acolhimento de um grande número de refugiados, principalmente a líder alemã Angela Merkel, enfrentaram críticas de todos os lados sempre que um migrante cometia um crime violento ou um barco virava, afogando pessoas que sabiam que a morte era um risco, mas assim mesmo aceitaram, porque chegar à Europa era alternativa melhor do que viver em uma zona de guerra.

    O medo sempre foi uma ferramenta política eficaz. À medida que a vida pós-pandêmica se estabelece, parece inevitável que os políticos vejam a vantagem de usar a questão da migração como forma de se provarem corajosos, que respondem a um dos obstáculos políticos mais difíceis da Europa.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).