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    Massacre em Burkina Faso deixou 600 mortos, aponta relatório francês 

    Nova estimativa de massacre causado por grupo jihadista foi um dos piores da história recente do continente africano

    Saskya VandoorneNick Paton WalshGianluca Mezzofioreda CNN*

    Cerca de 600 pessoas foram mortas a tiro em questão de horas por militantes ligados à Al Qaeda num ataque em agosto a uma cidade no Burkina Faso, de acordo com uma avaliação de segurança do governo francês que quase duplica o número de mortos citado em relatórios anteriores. O novo número tornaria o ataque, no qual civis foram mortos a tiros enquanto cavavam trincheiras para defender a remota cidade de Barsalogho, num dos ataques isolados mais mortíferos no continente africano nas últimas décadas.

    Militantes do Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM), um afiliado da Al Qaeda baseado no Mali e ativo no Burkina Faso, abriram fogo metodicamente enquanto invadiam os arredores de Barsalogho em motos, deixando os moradores mortos em uma trincheira recém-revolvida, de acordo com vários vídeos do ataque de 24 de agosto publicados por contas pró-JNIM nas redes sociais. Muitos dos mortos eram mulheres e crianças, e a filmagem é pontuada pelo som de tiros automáticos e gritos das vítimas enquanto são baleadas enquanto aparentemente tentam se fingir de mortas.

    O terrível número de mortos, se a estimativa do governo francês for confirmada, marcaria um momento invulgarmente brutal no Sahel, uma região cada vez mais sem lei da África Ocidental, ao sul do Sahara, onde projetos de segurança liderados pelos militares dos Estados Unidos e franceses têm lutado para abrandar a marcha dos jihadistas. Uma série de golpes de Estado no Mali, no Burkina Faso e no Níger levou à saída das forças francesas e americanas.

    Os mercenários russos convocados pela junta para reforçar o seu controle deixaram, em vez disso, um vácuo no qual os jihadistas prosperaram, diz a avaliação dada à CNN por um responsável de segurança francês.

    As Nações Unidas estimaram inicialmente que o número de mortos era de pelo menos 200. O JNIM disse ter matado quase 300 pessoas, mas alegou que tinha como alvo membros da milícia afiliados ao exército, em vez de civis, de acordo com uma tradução do Site Intelligence Group citada pela Reuters.

    “Ataques mortais em grande escala (pelo menos uma centena de mortes) contra populações civis ou forças de defesa e segurança têm ocorrido há várias semanas a um ritmo que parece insustentável para o governo”, diz o relatório sobre Burkina Faso, “que já não tem uma estratégia militar a oferecer e cujo discurso de propaganda parece sem fôlego e sem ideias”.

    O responsável francês disse à CNN que houve uma “deterioração muito significativa na situação de segurança” no Burkina Faso, onde “grupos terroristas armados desfrutam de uma liberdade de ação crescente porque as forças de segurança são incapazes de lidar com a situação”. O relatório regista um ataque a um comboio militar na aldeia de Tawori, 15 dias antes do ataque em Barsalogho, onde “nada menos de 150 soldados” foram mortos por jihadistas, acrescentando que os militares estão lutando para manter a potência e a credibilidade.

    Em 17 de setembro, a capital do vizinho Mali, Bamako, foi abalada por outro ataque da JNIM, que atingiu o aeroporto, entre outros edifícios importantes, e matou mais de 70 pessoas.

    Corpos em trincheira em Burkina Faso • Reuters

    ‘Trincheiras defensivas’ tornaram-se mais sérias

    O massacre em Barsalogho ocorreu quando os militares ordenaram aos moradores locais que escavassem uma vasta rede de trincheiras ao redor da cidade para protegê-la dos jihadistas que circulavam nas proximidades. Os homens armados do JNIM atacaram então as defesas, a meio da construção, alegando falsamente que os civis eram combatentes devido ao seu envolvimento, segundo testemunhas oculares.

    Um sobrevivente, que pediu anonimato quando falou à CNN porque ainda temia pela sua segurança apesar de ter fugido da cidade, disse que era um das dezenas de homens que foram instruídos pelo exército a cavar trincheiras naquele sábado. Ele estava a quatro quilômetros da cidade por volta das 11h, em uma trincheira, quando ouviu os primeiros tiros.

    “Comecei a rastejar para dentro da trincheira para escapar”, disse ele. “Mas parecia que os agressores estavam seguindo as trincheiras. Então, rastejei para fora e encontrei a primeira vítima ensanguentada. Na verdade, havia sangue por todo lado no meu caminho. Houve gritos por toda parte. Fiquei de bruços debaixo de um arbusto, até o final da tarde, me escondendo.”

    “Depois disso, restaram poucos homens na cidade. Ver os corpos chegarem em carroças motorizadas vindos do local do massacre foi a coisa mais horrível que já vi na minha vida. Nem as mulheres nem as crianças tinham lágrimas para derramar. Ficamos mais do que chocados. Como você pode chorar se não há lágrimas para derramar?”

    “Nós, os sobreviventes, não somos mais normais. O problema está além de todos nós. O massacre começou na minha frente. Os primeiros tiros foram disparados bem na minha frente. Fui uma das pessoas que recolheu os corpos e os enterrou. Vejo meus amigos falecidos quando estou dormindo”, disse ele, acrescentando que os relatos iniciais de 300 mortos eram muito baixos. “Qualquer um que negue, deveria vir me ver.”

    Outro sobrevivente disse à CNN que dois membros de sua família foram mortos no ataque. “Eles mataram pessoas o dia todo. Durante três dias recolhemos corpos – espalhados por todo o lado. O medo entrou em nossos corações. Na hora do enterro, havia tantos corpos caídos no chão que foi difícil enterrar”.

    O ataque levou a protestos furiosos nos quais o líder da junta do Burkina Faso, Capitão Ibrahim Traore, que tomou o poder no segundo de dois golpes militares sucessivos em 2022, foi ridicularizado como “Capitão Zero do IB” por endossar a construção de trincheiras por civis. O relatório francês afirma que a sua construção fazia parte de um plano do Ministro da Função Pública, segundo o qual cada povoado “deve organizar-se e ter o seu próprio plano de resposta a um ataque”.

    A junta militar não assumiu a responsabilidade por ter dito aos civis para cavarem nas trincheiras sem qualquer proteção, num contexto de ameaça acrescida dos jihadistas. Os sobreviventes disseram que o regime não queria que eles falassem sobre o que aconteceu. O conselho não respondeu ao pedido de comentários da CNN.

    Os golpes de Estado de 2022 no Burkina Faso ocorreram no meio de frustrações sobre a incapacidade das autoridades de reprimir a recorrente violência jihadista, apesar da intensa assistência militar francesa, que matou milhares durante quase uma década. Mas essa violência piorou sob Traore, de acordo com especialistas e ativistas de direitos humanos.

    Embora inicialmente bem-sucedidas, em 2014, as operações militares francesas na região foram recebidas com um crescente sentimento antifrancês. A França expandiu a sua presença no combate ao terrorismo, mas foi incapaz de conter os grupos armados em constante expansão que ameaçavam os civis. Como resultado, as populações locais tornaram-se cautelosas em relação à antiga potência colonial.

    Traoré fez apenas uma aparição pública desde o massacre, e a avaliação – redigida no final de agosto – questiona o seu estado de espírito e aptidão para o cargo. “Vemos aí toda a impotência das autoridades para fornecer uma resposta séria e credível à ameaça terrorista”, diz o relatório.

    Mercenários russos recuam enquanto a violência se espalha

    Entretanto, os mercenários russos que chegaram ao Burkina Faso há quase um ano não conseguiram trazer calma ao país e estão, pelo menos parcialmente, a ser retirados para ajudar Moscou na sua guerra contra a Ucrânia, acrescenta a avaliação.

    O aumento da segurança na capital Ouagadougou em torno de edifícios importantes pode estar ligado à retirada de grande parte da unidade “Bear” do grupo mercenário Wagner, composta por 100 membros, encarregada da proteção pessoal de Traore, afirma o relatório. O grupo mercenário está sob nova gestão desde a morte do fundador do Wagner, Yevgeny Prigozhin, num acidente de avião no ano passado, mas Wagner ainda é coloquialmente referido pelo seu antigo nome no Sahel.

    O relatório sugere que a unidade foi transferida para evitar a invasão das regiões fronteiriças russas pela Ucrânia e pode ser substituída por militares russos menos capazes.

    As críticas ao exército, expressas por familiares dos mortos e sobreviventes de Barsalogho, que afirmam que os militares fugiram do ataque, foram amplificadas pelas recentes acusações de canibalismo por soldados do Burkina Faso, acrescenta o relatório. O documento ainda cita vídeos publicados publicamente nas redes sociais que parecem mostrar soldados do Batalhão de Intervenção Rápida 15 (BIR-15) comendo partes de jihadistas mortos.

    O relatório acrescenta: “O Estado-Maior dos exércitos do Burkina Faso publicou um comunicado de imprensa em 24 de julho de 2024, no qual ‘condena estes atos macabros’ e ‘garante que serão tomadas medidas para identificar formalmente também a origem destas imagens’ e seus autores.’” A avaliação das autoridades é de que o incidente é mais um sinal de deterioração da disciplina no exército desde o golpe de Estado há dois anos que colocou Traoré no poder e levou à saída francesa.

    A CNN analisou vídeos do alegado canibalismo que parecem mostrar soldados do Burkina Faso a desmembrar e a segurar partes de corpos de jihadistas aparentemente mortos.

    A avaliação de segurança francesa acrescenta que a violência no Burkina Faso começou a espalhar-se para pelo menos um dos seus pacíficos vizinhos do sul, citando um ataque dentro do Togo a partir de uma cidade fronteiriça do Burkina Faso, Kompienga, em 20 de julho, tomando um acampamento do exército togolês, matando pelo menos 12 soldados e saqueando armas.

    “Barsalogho é a prova de que o Burkina Faso está no limite porque os terroristas têm um grande poder sobre o país. Seiscentas pessoas morreram, e isso é terrível, mas o pior é que é como se nunca tivesse acontecido, porque os assassinos continuam andando livremente, sem medo de represálias”, segundo a avaliação.

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