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    Mães que fugiram da Ucrânia para proteger os filhos estão voltando para casa

    CNN entrevistou mulheres que saíram do país pela segurança dos filhos, mas que decidiram retornar após meses de guerra sem previsão de fim

    Lyudmyla Sobchenko com seu filho Nazar, de 3 anos
    Lyudmyla Sobchenko com seu filho Nazar, de 3 anos Yurko Dyachyshyn, para CNN

    Eliza MackintoshOleksandra Ochmanda CNN

    Na estação de trem de Lviv, no extremo oeste da Ucrânia, as mulheres estão em uma encruzilhada física e psicológica.

    Depois de chegarem à cidade, que agora é um ponto de passagem para as pessoas que foram deslocadas, de ajuda humanitária e armas, elas tiveram que se perguntar uma série de questões assustadoras. Para onde devemos ir agora? Meus filhos estarão seguros lá? Quanto tempo vamos ficar?

    No fundo de suas mentes existe um medo que atormenta: será que teremos um lar para retornarmos?

    Se há uma coisa que sabemos sobre o dilema que elas enfrentam, é que muitas estão tendo que tomar decisões precipitadas sobre o futuro de sua família sozinhas.

    As regras de recrutamento militar na Ucrânia impedem os homens entre 18 e 60 anos de deixar o país. E, de qualquer forma, muitos optaram por se alistar e se juntar à luta.

    Assim, enquanto milhões de ucranianos fugiram da invasão da Rússia desde que foi iniciada pelo presidente Vladimir Putin há mais de dois meses, quase todos os que cruzaram a fronteira são mulheres e crianças. Elas representam impressionantes 90% dos refugiados da Ucrânia.

    As mães suportaram em grande parte o peso da crise migratória, recolhendo os pedaços depois que suas famílias foram despedaçadas, cuidando das crianças e pais idosos. A CNN conversou com várias que haviam deixado o país após a guerra começar e estavam avaliando se era hora de levar suas famílias de volta à Ucrânia. Uma mulher, Liudmyla Sobchenko, de 28 anos, da região de Zhytomyr, a noroeste de Kiev, passou três semanas na Polônia com seu filho pequeno e sua mãe antes de decidir que era hora de voltar para casa. “Não vou dizer que é ruim lá na Polônia […] Mas não é nossa terra”, disse ela.

    Desde o final de março, quando a CNN visitou a estação em Lviv, o fluxo de ucranianos que retornam ao país continuou a aumentar e agora é de cerca de 30 mil por dia, de acordo com Andrii Demchenko, assessor de imprensa do Serviço de Guarda de Fronteira do Estado da Ucrânia. “Não temos o direito de perguntar o motivo da viagem, mas muitas mulheres compartilharam que não querem mais ficar no exterior”, disse ele à CNN na terça-feira (26).

    Mulheres e crianças em sala acima da estação de trem de Lviv, onde um canto foi convertido em área de recreação infantil, com brinquedos, livros e jogos
    Mulheres e crianças em sala acima da estação de trem de Lviv, onde um canto foi convertido em área de recreação infantil, com brinquedos, livros e jogos / Yurko Dyachyshyn, para CNN

    Algumas das primeiras imagens mais comoventes da guerra foram de estações ferroviárias em toda a Ucrânia. Multidões subiam em vagões erguendo os bebês. Casais abraçados em despedidas apaixonadas e desesperadas. Pequenas mãos e rostos pressionados contra as janelas embaçadas enquanto os pais ficavam sozinhos, soluçando nas plataformas.

    Muitos passaram pela estação de Lviv antes de viajar para a vizinha Polônia, ou mais longe. Hora após hora, uma onda de mulheres e crianças desembarcava. Os nomes das cidades e vilas que eles deixaram – Sumy, Kiev, Kharkiv, Kherson – criaram uma constelação de sofrimento que cruzou a Ucrânia, refletindo em tempo real onde os combates começaram.

    Elas levaram consigo poucos pertences, mas histórias pesadas e sofridas. Elas disseram que depois de dias ou semanas escondidas em porões e bunkers, os bombardeios implacáveis, sirenes e noites sem dormir se tornaram demais. Seus filhos ecoaram os sons das bombas que os forçaram a evacuar: “Ba-bah-ka, ba-bah-ka! Boom, boom!”

    Semanas após o êxodo inicial, a grande estação de trem Art Nouveau, em Lviv, a três quilômetros do centro histórico da cidade, ainda estava ocupada com famílias de passagem. Mas nem todas estavam indo para o ocidente. Algumas, como Sobchenko, estavam começando a retornar.

    Ainda há mais pessoas fugindo da violência do que retornando ao país. Mas, de acordo com autoridades e pessoas deslocadas pela guerra, o número crescente reflete uma aceitação gradual de que os combates podem se arrastar por algum tempo. Com isso em mente, muitos ucranianos decidiram que preferem retornar e correr o risco de viver em uma zona de conflito do que ser refugiado em outro país, sem família ou rede de apoio.

    Essa mudança de atitude também reflete os desafios para os governos europeus que tentam lidar com a maior crise de refugiados no continente desde a Segunda Guerra Mundial.

    Em uma sala para mulheres e crianças, acima da confusão do terminal principal, as famílias estavam se reagrupando. Algumas descansavam em colchões finos, olhando fixamente para o teto abobadado e pintado. Outras passavam o tempo em smartphones, lendo as últimas notícias da linha de frente.

    Sobchenko fugiu da cidade de Korosten no início de março com seu filho, Nazar, de 3 anos, e a mãe, Tetiana, de 57 anos. Explosões se aproximavam cada vez mais de sua casa. Então, em uma noite, uma explosão atingiu as janelas do quarto de Nazar, e Sobchenko soube que era hora de ir embora. Eles deixaram o cachorro e o gato para trás, fugindo nada mais além das roupas do corpo e uma bolsa de itens essenciais – remédios, documentos, uma muda de roupa. A viagem de ônibus até a fronteira polonesa, que normalmente leva quatro horas, se arrastou por 24 horas.

    Eles foram acolhidos com outros refugiados em Nowy Targ, uma cidade ao sul da Cracóvia, perto da fronteira com a Eslováquia, mas não conseguiram se estabelecer lá. Nazar tremia à noite, gritando: “Mamãe, bum! Bum!”. Depois que sua mãe sofreu um colapso nervoso, tendo que ser levada de ambulância para o hospital, Sobchenko decidiu que, apesar dos perigos, era melhor voltar. “Eu não durmo há um dia. Eu sentia um pouco de ansiedade e alegria ao pensar sobre a nossa casa”, disse ela.

    Enquanto a jovem mãe olhava os horários dos trens e o Telegram, Nazar, vestido com um moletom listrado azul e laranja, sentou-se em um espaço de recreação próximo com outras crianças, vasculhando entre os bichos de pelúcia, blocos e livros. Sobchenko o chamou para lhe dar um biscoito e um abraço. “Eu não falo com ele sobre a guerra. Apenas digo a ele que agora é seguro, não haverá mais ‘boom’. O que uma mãe pode fazer?”, pergunta ela.

    Julia Kovalska, uma voluntária de 27 anos que organiza jogos e outras atividades para crianças que passam pela estação, disse que é assustador ver como elas falam sobre os horrores que testemunharam. “As crianças são sempre crianças, tanto antes como depois da guerra. Mas seus olhos são completamente diferentes. Elas falam de mísseis, de bombas com tanta calma. Eu posso até chorar por causa disso. As mães choram, as avós choram, e as crianças só falam sobre essa experiência como ela é”, disse ela.

    A guerra deslocou quase dois terços das 7,5 milhões de crianças da Ucrânia e matou mais de 160, segundo a Unicef. Dirigindo-se ao Conselho de Segurança da ONU no início deste mês, a embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, disse aos membros que “quando homens como o presidente Putin iniciam guerras, mulheres e crianças são deslocadas”, feridas, estupradas, abusadas – e morrem. “O que está acontecendo com mulheres e crianças na Ucrânia é horrível além da nossa compreensão”, disse ela.

    Em uma pesquisa recente com refugiados ucranianos na Polônia – a maioria deles sendo mulheres – o Comitê Internacional de Resgate descobriu que muitos sofreram traumas graves desde que deixaram suas casas, desde separação familiar, tráfico de pessoas e violência física e sexual. Funcionários que trabalham em centros de refugiados disseram que o preço da guerra nas crianças foi devastador. Muitos relataram incidentes de menores traumatizados, chorando ou não conseguindo segurar a urina.

    No início de março, Nadiia Taraatorina, de 22 anos, fugiu com o filho recém-nascido de sua casa em Kryvyi Rih, uma cidade industrial no coração da Ucrânia e cidade natal do presidente Volodymyr Zelensky, deixando seu marido, pai e outros parentes do sexo masculino para trás.

    Taraatorina e sua mãe Liubov, 38, partiram para a relativa segurança no oeste da Ucrânia, viajando para a estação de Lviv e depois para as montanhas dos Cárpatos, na região de Zakarpattia. Semanas depois, ela retornou a Lviv – desta vez voltando para casa.

    “Estamos indo para casa, papai está esperando por nós. Parece que tudo ficou mais calmo, mas quem sabe o que vai acontecer a seguir”, disse Taraatorina. Seu pai, um voluntário das Forças de Defesa Territoriais da Ucrânia, disse a elas que os combates haviam diminuído e que era seguro para a família retornar, mas não estava claro por quanto tempo essa paz iria durar.

    Enquanto Taraatorina dava mamadeira a Artem, limpando o leite de suas bochechas, sua mãe perguntou sobre passagens e horários de trem para a cidade de Dnipro. “A criança me distrai da guerra. Ele está em tal idade que faz algo novo todos os dias. Mas é difícil ficar longe do meu marido, é difícil ser ‘na chuzhyni’”, disse ela, usando uma frase emotiva em ucraniano para descrever o deslocamento de estar longe de casa, em uma terra desconhecida e estrangeira.

    É um sentimento expresso por muitas outras mulheres, que dizem ter escapado da guerra para manter seus filhos em segurança, mas sofriam de um sentimento de culpa inquietante e implacável por terem deixado para trás sua “pátria”.

    Nos primeiros dias da guerra, Yana Matiushenkova, 30, e sua filha Arina, 3, se apertaram em um trem superlotado da região de Dnipropetrovsk, no centro da Ucrânia, com destino a Lviv. Depois de dias de viagem caótica, elas finalmente chegaram a Wroclaw, uma cidade no oeste da Polônia conhecida por seu pitoresco centro velho e a praça do mercado. Mas ela teve dificuldades para se ajustar ao seu novo ambiente.

    “Aqui, eu estava andando com minha filha em Wroclaw […] tudo é lindo ao redor. E na Ucrânia há bombardeios, as pessoas não dormem à noite. Isso começou a me estressar muito. Provavelmente é culpa. Me disseram que existe algo do tipo ‘síndrome do sobrevivente’”, disse Matiushenkova. Seu estresse e depressão começaram a afetar Arina, que ela disse que ficou mal-humorada e começou a se comportar mal. Matiushenkova sentiu que não podiam esperar mais — viajariam de volta para Kamyanske.

    “Não tenho dúvidas sobre o quão correta foi a minha decisão. Quero estar perto da minha família, aconteça o que acontecer”, acrescentou.

    Nadiia Aleksina, psicóloga voluntária na estação de trem de Lviv, conversou com muitos deslocados sobre essa turbulência interna. “A culpa do sobrevivente é algo que agora é comum entre a maioria dos ucranianos. Todos nós vemos o que poderia acontecer conosco. Isso ficará conosco por um tempo”, disse ela, explicando que tentou lembrar às mães que não devem se sentir culpadas por sobreviver e salvar seus filhos.

    Decidir fugir foi algo que Ksenia, 32, lutou contra por um tempo. O distrito de Kiev, onde ela morava com o marido e seus dois filhos, Oleksandr, de 6 meses, e Andrii, de 3 anos, foi um dos primeiros a ser atingido pelas forças russas. Ksenia foi para a casa da sogra em um subúrbio da capital. Seu marido havia se juntado ao exército e ela queria ficar por perto.

    Mas quando as tropas russas avançaram e seus filhos continuaram acordando com bombas, gritando durante a noite, eles arrumaram suas coisas rapidamente e fugiram. “É muito difícil. É difícil sair de casa sem realmente entender por que você tem que fazer isso. Partimos pelas crianças”, disse Ksenia, embalando Oleksandr em seus braços.

    A sogra de Ksenia, Valentyna, 58, também estava determinada a ficar. Ela pensou que a guerra seria resolvida através da diplomacia. Agora, ela não tem tanta certeza.

    “Como mãe, é muito difícil para mim deixar meu filho e fugir com meus netos”, disse ela, seus olhos escuros marejavam enquanto segurava Andrii no colo. “Quando penso em casa, só vêm lágrimas. Muito difícil. Deixamos tudo lá. Não queremos deixar nosso país! Por que as crianças devem sofrer? Por que nossos filhos devem sofrer?”.

    As duas mulheres disseram que vão viajar de Lviv para a Holanda. Mas assim que for seguro o suficiente para retornar, elas planejam fazê-lo. Elas sonham em retornar a uma Ucrânia pacífica, onde terão direitos no futuro de seus filhos – e no seu próprio.

    “Putin nunca vai derrotar as mulheres, especialmente as ucranianas. Nós, mulheres ucranianas, somos fortes”, disse Valentyna.

     

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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