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    Mãe afegã teve que decidir se fugia ou se deixava filhos para trás

    Família queria sair do Afeganistão após retomada do grupo extremista Talibã; mais de 68 mil refugiados afegãos já foram repatriados nos EUA

    Drew F. Lawrenceda CNN

    Era 26 de agosto em Cabul, quase anoitecendo, e Nasema estava agarrando firmemente as duas coisas mais importantes de sua vida, sem saber que perderia uma delas antes que o sol se pusesse completamente.

    Em uma mão, ela segurava a chave para sua fuga do Afeganistão: documentos de viagem. No outro braço estava a filha de 2 anos, que todos na família chamam carinhosamente de “menininha”.

    Lal Mohammad, irmão de Nasema, a seguia logo atrás com os outros quatro filhos, em idades entre 6 e 11 anos. Eles esperavam, sem garantia, embarcar em um voo de evacuação naquele dia para fazer a viagem que milhares de afegãos já fizeram para chegar aos Estados Unidos, circulando metade do globo depois de um fim abrupto e sem cerimônia de uma guerra que durou 20 anos.

     

    Eles estavam abrindo caminho entre a massa de pessoas que descia no perímetro do Aeroporto Internacional Hamid Karzai, tentando escapar antes do último avião dos EUA partir, quando um homem-bomba detonou o próprio colete no Abbey Gate, matando 13 militares americanos e cerca de 170 afegãos.

    Nasema estava perto e caiu no chão imediatamente.

    “A explosão foi tão forte e chocou toda a área ao redor”, lembrou ela. “Vi partes de corpos, sangue, cadáveres, escombros, ouvi um choro altíssimo de pessoas pedindo ajuda”.

    “Me lembro do canal, da água suja”, contou ela à CNN, falando com a condição de que apenas seu primeiro nome fosse usado. “Eu não queria chegar muito perto da borda, porque vi muitas pessoas caindo lá dentro”.

    Nasema tentou se orientar. A confusão vertiginosa e o choque da explosão inicial se transformaram em pânico intenso. Ela e a família fugiram, o irmão Lal estava agora carregando a menina.

    “Quando ficamos em segurança, tirei a camisa dela com pressa”, disse Nasema, “procurando por feridas e sangue no corpo”. Ela estava bem. Graças a Deus, pensou Nasema.

    Os documentos, no entanto, desapareceram.

    Nasema foi derrubada no chão várias vezes na multidão em pânico. Agora, enquanto eles fugiam, ela segurava a barriga. Nasema estava com mais de sete meses de gravidez. Ela esperava um pequeno chute, um movimento, alguma coisa.

    Mas ela não sentiu nada.

    Houston

    Outro irmão de Nasema, Said Noor, mora nos EUA desde 2014 depois de obter um visto especial de imigrante.

    No Afeganistão, ele serviu ao lado das forças dos EUA antes de imigrar para a América, tornando-se cidadão e se juntando ao Exército dos EUA em 2016 como intérprete, onde foi enviado ao

    Afeganistão. Noor, que é solteiro, deixou o Exército com uma dispensa honrosa em 2020, se estabeleceu em Houston e estava fazendo aulas de justiça criminal online na Upper Iowa University sob o programa G.I. Bill (voltado para apoiar na recolocação de veteranos).

    Dois meses depois, ele fez uma viagem de volta ao Afeganistão e foi novamente em julho de 2021 para tentar resgatar sua família depois que o governo Biden anunciou planos oficiais de retirada. Nas duas vezes ele retornou para Houston sozinho.

    Então, Noor procurou a mídia, a história dele chamou a atenção do deputado Seth Moulton, um democrata de Massachusetts que é ex-fuzileiro naval e veterano da Guerra do Iraque.

    O governo dos EUA finalmente aprovou os vistos de sua família, mas apenas pouco antes do colapso de Cabul, impossibilitando uma evacuação “normal”.

    Em agosto, quando Moulton fez uma controversa viagem a Cabul com outro veterano, o deputado republicano Peter Meijer, de Michigan, dois dias antes do atentado no Abbey Gate, ele e sua diretora de serviços constituintes, Neesha Suarez, tentavam tirar a família de Noor do Afeganistão.

    “Não funcionou até minha viagem a Cabul, onde conheci esse capitão da Marinha”, disse Moulton à CNN.

    O congressista contou que o oficial lhe disse que ele poderia ajudar a tirar de Cabul os afegãos identificados por Moulton.

    No dia do atentado, Suarez havia garantido vagas para 17 afegãos em um ônibus para o aeroporto. Mas aquele plano de resgate, que ela estava coordenando com o Departamento de Defesa, evaporou-se com a explosão.

    “Nas 24 horas seguintes, tudo o que ouvi foi que não podíamos mais levar as pessoas para o aeroporto”, escreveu Suarez em um memorando na época. “Me disseram para desencorajar os evacuados de irem para lá, pois as coisas só piorariam do ponto de vista da segurança”.

    Então surgiu uma oportunidade.

    Última chance, não garantida

    No dia seguinte, Noor estava em Houston, com o fuso horário de Cabul para poder falar com sua família no Afeganistão 10 horas e meia para frente. Ele acordou com uma mensagem de texto e o pin de uma localização enviados por Suarez.

    “Traga eles aqui AGORA”, ela escreveu na mensagem. “Pode ser a última chance. Não é garantido”.

    O pin localizava um posto de gasolina a 15 minutos do aeroporto. O contato de Moulton com o fuzileiro naval havia dado certo – talvez. Dependia de Suarez juntar seis grupos, incluindo a família de Noor, a tempo de chegar ao ponto de encontro no posto de gasolina e depois passar por um portão nos fundos do aeroporto.

    “Estou no portão”, o fuzileiro naval em Cabul escreveu em uma mensagem à Suarez. “Vou mandar um cara com o nome de ‘Omar’. Ele vai perguntar quem conhece ‘Tom Brady’”.

    Enquanto Suarez lia as instruções, ela riu alto com uso da referência de Massachusetts. Ela disse a seus contatos para responder: “Sim”.

    Enquanto isso, cada família tinha que descobrir como chegar ao posto de gasolina. Noor começou a planejar: eles precisariam de dois táxis, pelo menos. Levariam cerca de 30 minutos para chegar até lá a partir do esconderijo na cidade, talvez menos. Estava perto. Ele amaldiçoou o fato de que ele não estava lá para fazer isso acontecer.

    Noite em Cabul

    Nasema se reagrupou com sua família em um lugar seguro longe do aeroporto depois que o atentado suicida frustrou suas tentativas iniciais de fuga. Noor entrou em contato com a família para dizer que eles tinham apenas meia hora para chegar ao posto de gasolina. Um ônibus estaria esperando por eles.

    “Pode ser a última chance de vocês”, disse ele, reiterando o aviso de Suarez.

    Nasema e a família – incluindo sua irmã, três irmãos, a mãe, seu bebê e seus outros quatro filhos – esperaram pelos táxis no escuro.

    Os filhos de Nasema estavam felizes a caminho do posto de gasolina, mas ela estava ansiosa: “Eu estava pensando que talvez tinha chegado a hora de morrermos – ou pegar os voos para deixar o país”.

    De acordo com Lal, eles foram recebidos por homens com barba. Os homens usavam uniformes de camuflagem, mas diferentes daqueles que eles viram os militares americanos vestindo enquanto recebiam as pessoas pelo aeroporto. Forças Especiais Americanas, pensou Lal, embora não pudesse ter certeza, junto com as Forças Especiais Afegãs.

    Em certo ponto, disse Lal, os soldados afegãos que estavam interpretando para os americanos deixaram o posto de gasolina e a comunicação falhou. Portanto, as razões para o que aconteceu em seguida ainda não são claras.

    Nasema abordou os americanos para verificações de segurança e identificação. Ficou claro que os americanos não esperavam que ela trouxesse junto cinco filhos.

    Os documentos perdidos também eram um problema, mas três cartas que ela carregava de amigos militares de Noor lhe deram alguma credibilidade junto às forças americanas. As cartas incluíam os nomes e datas de nascimento de cada um dos familiares imediatos de Noor.

    No entanto, elas não incluíram os nomes dos filhos de Nasema.

    “Eu estava tentando apontar meus filhos para eles, mas não tinha como me comunicar com eles enquanto chorava”, disse ela.

    A bebê se agarrou a ela e seus outros filhos começaram a chorar. Ela disse que os americanos se afastaram para conversar entre si e, usando gestos, disseram a ela que poderia trazer a criança menor, mas as outras não.

    “Provavelmente, eles têm um filho da idade dela”, disse ela, “não sei por que os outros não puderam vir”.

    Nasema entrou em contato com o marido, que estava em Dubai a trabalho, e perguntou o que ela deveria fazer. Ele a encorajou a entrar no ônibus com a criança de 2 anos e garantiu que eles conseguiriam levar as outras crianças para os EUA em breve.

    Enquanto ela olhava para seus filhos e segurava a bebê, ela tomou a decisão impossível.

    Ao recordar o momento, Nasema chora. Ela fala com os filhos que foram deixados para trás – e estão sendo cuidados por um parente – todos os dias pelo telefone.

    Noor diz que está fazendo tudo o que pode para tirar as outras crianças de lá.

    “As crianças, elas querem a mãe”, disse Noor. “Eles dizem: ‘Quando vamos estar aí com você para nos juntarmos à você?”.

    Uma noite fria em Wisconsin

    Nasema chorou durante todo o caminho até o Catar, a primeira parada nas duas semanas que levaria para chegar aos Estados Unidos. Em seguida foi a Espanha, onde receberam roupas mal ajustadas em uma base militar. A penúltima parada: Fort McCoy, Wisconsin, onde passariam quase um mês e meio.

    Em sua primeira noite na base do Exército dos EUA, Nasema estava congelando. O outono em Wisconsin foi um choque em comparação com agosto em Cabul. A barraca do grupo tinha um aquecedor, mas as instruções eram em inglês.

    Nasema se enrolou em cobertores, grata por estar nos Estados Unidos, mas sentindo falta dos filhos. No dia seguinte, um dos afegãos trouxe um militar para ligar o aquecedor.

    As costas de Nasema doíam. Ela foi ao médico do posto, que a examinou, disse que seu bebê estava bem e lhe deu um remédio para as costas.

    Seu estado de espírito em Fort McCoy era uma combinação de ansiedade constante e tédio esmagador. O reassentamento era incerto para Nasema. Rumores circulavam pelo acampamento de que eles poderiam ser realocados para a área fora da base.

    “A informação de que precisávamos não estava lá e continuávamos perguntando às pessoas, mas não havia uma resposta clara do que deveríamos fazer”, disse ela.

    Noor sabia tudo sobre vistos e imigração por experiência própria. Ele assegurou à sua família que viria buscá-los, mas eles deveriam esperar até que o processamento fosse concluído.

    Depois de seis semanas, a família de Noor se juntou aos quase 5 mil outros afegãos que foram reassentados de Fort McCoy para 46 estados em dezembro, segundo um porta-voz do Departamento de Estado.

    Em outubro, Noor dirigiu 1.930 quilômetros até Fort McCoy para pegar sua família.

    ‘Além da crise’ em Houston

    “A crise é um estado permanente do que fazemos”, disse Dario Lipovac, diretor de reassentamento de refugiados da YMCA International Services da grande Houston, “mas os últimos dois meses, talvez três meses, foram além da crise”.

    A agência geralmente processa grupos de sírios, congoleses, guatemaltecos e cubanos que buscam refúgio nos Estados Unidos. Mas somente em novembro, a organização recebeu processos de 481 afegãos para Houston, duas vezes mais do que nos últimos dois anos juntos, disse Lipovac.

    Com cada família vem a necessidade de colchões, moradia, roupas, produtos de higiene pessoal, materiais e cuidados para crianças, móveis, tapetes, telefones celulares, computadores, cobertores,

    assistência na matrícula escolar e assistência médica. Não é incomum que Lipovac esteja acordado às 3 da manhã, organizando informações sobre os clientes.

    “Você tem que ser louco para fazer isso consigo mesmo”, disse ele. E aplicado. Lipovac também foi um refugiado. Na década de 1990, ele escapou do conflito nos Bálcãs e agora ajuda outras pessoas na tumultuada experiência de deixar seus países e se estabelecer nos Estados Unidos.

    A YMCA e três outros grupos de reassentamento de Houston arrecadaram milhões para apoiar os afegãos que se mudam para a cidade. Em dezembro, os líderes do reassentamento de Houston disseram que eles estavam consumindo grande parte dos custos iniciais, com o financiamento federal a ser reembolsado posteriormente. A corrida para arrecadar fundos correspondeu ao influxo de afegãos que chegavam à cidade quando grupos locais enfrentaram o desafio de facilitar ambos.

    Na terça-feira, mais de 68 mil refugiados afegãos foram reassentados nos EUA, de acordo com o Departamento de Segurança Interna, com cerca de 7.300 restantes ainda em bases militares.

    Até o final do reassentamento da base militar dos EUA, as agências de Houston esperam ter recebido 6 mil refugiados afegãos, e Lipovac estima que a YMCA terá recebido 1.500 – incluindo a família de Noor.

    Lipovac diz que a família de Noor é sortuda: eles têm ele (Noor), alguém nos Estados Unidos, para guiá-los durante o período de ajuste, encontrar um apartamento para eles.

    O mais novo americano

    A mente de Nasema estava focada apenas em seus filhos enquanto ela entrava neste mundo inteiramente novo. Mas ela notou mulheres andando por Houston sozinhas e admirou os prédios altos a caminho de seu novo apartamento.

    “Gostaria que tivéssemos isso no Afeganistão”, disse ela. “Gostaria que as pessoas permitissem que as mulheres praticassem sua liberdade. Gostaria que não houvesse brigas, explosões de bombas, que não houvesse estresse em nosso país”.

    Nasema segurando seu bebê, Wisal, em Houston / Foto: cortesia de Said Noor

    Enquanto ela olhava e admirava, pensou em seus filhos: “Gostaria de tê-los ao meu lado para que pudéssemos ver a cidade juntos”.

    Do lado de fora do apartamento, a sobrinha de 2 anos de Noor está andando descalça no pátio enquanto a roupa lavada está pendurada em varais acima do concreto. Ela segue o tio em direção à frente da casa, onde dois meninos afegãos um pouco mais velhos estão correndo e atirando bolhas de uma arma de brinquedo. Ela ri enquanto eles perseguem um ao outro. Há três famílias afegãs na rua, incluindo a de Nasema, o que é um grande motivo para Noor ter escolhido este bairro.

    “Eles têm ajudado muito. Alguns deles chegaram aqui há dois anos, um ano atrás, e estão em uma situação diferente”, disse ele. “Mas é uma coisa tradicional para os afegãos, às vezes, quando eles cozinham boa comida, eles trazem um prato ou dois pratos para minha família. Quando minha família cozinha uma boa comida, nós levamos para os vizinhos”.

    Na sala, a mãe e a irmã de Nasema rezam em tapetes que cobrem o piso de vinil escuro.

    No canto da sala, o novo bebê de Nasema está apoiado em pequenas almofadas em uma grande mesa redonda, chupando uma chupeta.

    Ele nasceu saudável, pesando 3,3 quilos e duas semanas antes do esperado, bem a tempo do primeiro Dia de Ação de Graças da família.

    O nome do bebê é Wisal, para representar a esperança de Nasema para o futuro. O nome tem uma tradução apenas aproximada para o inglês, com usos diferentes na poesia e literatura afegãs. Mas para Nasema, significa a união de pessoas ou objetos separados – reunião, especificamente.

    E é para isso que ela reza todos os dias.

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