Macron aparenta descartar formar governo com a ultraesquerda
Presidente apelou aos partidos com “valores republicanos” – o que se entende excluir partidos da ultraesquerda e ultradireita – para formarem uma coalizão grande o suficiente para aprovar leis no parlamento
Três dias após o segundo turno das eleições parlamentares antecipadas da França terminar em impasse, o presidente Emmanuel Macron quebrou o silêncio para pedir que os principais partidos formem uma maioria sólida na Assembleia Nacional e excluam os extremistas.
A votação na França, que Macron convocou inesperadamente depois que seu partido foi derrotado pelo partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, nas eleições europeias do mês passado, jogou a França no limbo político, depois que nenhum dos três principais blocos chegou perto de formar uma maioria absoluta.
Em uma carta aberta ao povo francês publicada na quarta-feira (10), Macron apelou aos partidos com “valores republicanos” – o que se entende excluir partidos da ultraesquerda e ultradireita – para formarem uma coalizão grande o suficiente para aprovar leis no parlamento.
Os comentários de Macron sugerem que ele não está disposto a trabalhar com a parte mais extremista da coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP), que garantiu a maioria dos assentos no parlamento francês na votação do segundo turno de domingo, mas não o suficiente para governar de forma independente.
“Apelo a todas as forças políticas que se reconhecem nas instituições republicanas, no Estado de Direito, no parlamentarismo, na orientação europeia e na defesa da independência francesa, para que se envolvam num diálogo sincero e leal para construir uma maioria sólida, necessariamente plural, para o país”, escreveu Macron.
Macron disse que foi “à luz desses princípios” que ele decidirá sobre a nomeação do próximo primeiro-ministro da França. “Isso significa dar às forças políticas um pouco de tempo para construir esses compromissos com serenidade e respeito mútuo”, disse ele.
A NFP ganhou 182 assentos na Assembleia Nacional, tornando-se o maior grupo no parlamento de 577 assentos.
A aliança centrista “Ensemble”, de Macron, que ficou em um distante terceiro lugar no primeiro turno, montou uma forte recuperação para ganhar 163 assentos. E o RN e seus aliados, apesar de liderar o primeiro turno, ganharam 143 assentos.
É costume que o presidente francês nomeie um primeiro-ministro do maior grupo parlamentar – neste caso, o NFP – e peça que ele forme um governo.
Mas Macron e seus aliados do Ensemble se recusaram repetidamente a entrar em coalizão com o partido de ultraesquerda França Insubmissa, o maior partido dentro da NFP, e acusaram seu líder, o incendiário Jean-Luc Mélenchon, de 72 anos, de ser tão extremista e inapto para governar quanto figuras da extrema direita.
O NFP foi formado dias depois que Macron convocou a votação antecipada e escolheu seu nome em uma tentativa de ressuscitar a Frente Popular original que impediu a extrema direita de ganhar poder em 1936.
Após votação tática e barganha política entre eleitores de centro e de esquerda, o NFP conseguiu o mesmo feito no segundo turno de domingo.
Mas o NFP não fala com uma única voz. Os vários partidos da coalizão abrangem vastos territórios ideológicos, desde a ultraesquerda da França Insubmissa até os partidos mais moderados Place Publique e Socialist.
Quando o resultado chocante foi anunciado, cada partido comemorou separadamente, e o bloco ainda não nomeou um líder para se tornar primeiro-ministro.
Mélenchon declarou sua intenção de governar a França. Em um discurso de vitória no domingo à noite perto da Praça Stalingrado em Paris, ele disse que Macron “tem o dever” de pedir ao NFP para formar um governo.
Ao contrário de seus vizinhos Itália e Alemanha, a França – com seu sistema presidencial – carece da cultura de construção de coalizões e compromissos, o que significa que a formação de um novo governo pode levar semanas e ser passageira.
Os membros recém-eleitos do parlamento, chamados de “deputados”, estão programados para tomarem seus assentos pela primeira vez em 18 de julho. Mas sem uma maioria clara, um governo minoritário enfrenta o risco de votos de desconfiança, o que pode levar vários governos a substituírem uns aos outros em rápida sucessão.
A oferta de renúncia do primeiro-ministro francês Gabriel Attal foi rejeitada por Macron na segunda-feira, deixando-o em uma função interina até que o novo governo seja formado.
“O atual governo continuará a exercer suas responsabilidades e, então, cuidará dos negócios do dia a dia de acordo com a tradição republicana”, disse Macron, em uma tentativa de acalmar a situação a duas semanas da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos em Paris.